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CAPÍTULO 2 O PAPEL DO ESCRITOR, DO ROTEIRISTA E

2.5 METODOLOGIA DE ANÁLISE DOS CONTOS PARA OS EPI-

Ana Maria Balogh (2000, p.49) aponta que as obras literárias e fílmicas constituem conjuntos, séries culturais com pontos de intersecção claros. Ela relembra ainda que estas o- bras são regidas pela função poética ou estética da linguagem, o que constitui o elemento mais fascinante da adaptação. Nessa medida, ao se realizar uma transcrição de uma obra em outra, neste caso de obra literária em audiovisual, deve-se examinar a funcionalidade dramática para encontrar aproximações, verossimilhanças. Para tanto, sugere a observação do modo pelas quais as histórias recriadas foram capazes de “funcionar” com suas unidades de ação.

A análise dos episódios buscou, pois, compreender os materiais estruturais expressi- vos do meio televisivo, como parâmetros cênicos, visuais, sonoros e narrativos; o modo deles organizarem as estratégias de produção de efeitos no apreciador. Para se compreender o modo de construção de um produto audiovisual e a função desempenhada pelo roteiro, música, ce- nografia, iluminação, edição e finalização, é necessário, então, levar em conta a relação que a instância de produção busca estabelecer com a recepção. Este ato coletivo de programar tem em vista prever uma série de efeitos, como sensações, afetos e significações que devem ser realizados no momento da apreciação, da fruição.

No que se refere a esta premissa que orienta a análise interna de obras audiovisuais, Wilson Gomes (1996, p.113) evidencia o aspecto da apreciação como importante fator na elaboração do conjunto de efeitos programados, pois a obra de arte é um conjunto de efeitos possíveis sobre um fruidor possível.

Através deste conceito de recepção, se defende a idéia de que o produto só existe pa- ra e na fruição. Deste modo o produtor individual e coletivo precisa atuar como o primeiro fruidor, isto é, ser capaz de antecipar a cooperação do consumidor, prevendo os efeitos sobre ele.

Entender as estratégias de produção de efeitos de uma obra é, nessa medida, um momento chave do método de análise. Se um conjunto de obras de Rubem Fonseca programa efeitos cognitivos e emocionais de questionamento, indagação, estranheza e até mesmo per- plexidade diante da violência urbana, o investigador deverá identificar as modificações pre- vistas e esperadas na fruição das obras adaptadas, assim como o que na experiência de adap- tação foi realizado para criar uma rede de efeitos similar.

Trata-se aqui de entender o mundo possível proposto por Fonseca e pelos autores que o recriaram e de ver em cada uma das 7 obras – os 4 contos “A Coleira do Cão”, “Mandrake”, “O Caso de F.A.”, “Lúcia McCartney” e os 3 episódios resultantes da tradução –, as estraté- gias de produção de encanto, destacando em que perspectiva elas se assemelham e se diferen- ciam, em outros termos, as conjunções e disjunções, no que diz respeito aos programas de efeitos observados nos contos e nos episódios. Portanto, ao transpor a obra para um outro sig- no, o roteirista-adaptador e o diretor, em especial, executam e interpretam a obra e se utilizam de novas ferramentas para constituir um conjunto de efeitos programados.

Essas observações, que resgatam o traço ativo da equipe que realiza a adaptação co- mo primeiros intérpretes e tradutores da obra matriz, convergem com os conceitos desenvol- vidos por Eco sobre os limites da interpretação. Este autor trouxe importantes conceitos a esse respeito, como observa Vanoye (1994, p.52), ao distinguir a interpretação semântica, processo pelo qual o leitor dá sentido ao que lê e ao que vê e ouve, quando se trata do audiovisual; e a interpretação crítica, aquela que trata da atitude do analista que estuda por que e como, no plano da sua organização estrutural, o texto literário ou fílmico produz sentido, ou interpreta- ções semânticas.

Em outras palavras a interpretação crítica desenvolvida nesta dissertação pretendeu averiguar o sentido e a produção de sentido nas obras adaptadas, partindo da premissa de que se busca evitar a análise das intenções explícitas de Fonseca ou dos responsáveis pela adapta- ção. O que se buscou examinar foi a organização dos elementos que constituíram o texto lite- rário na relação com aqueles que constituíram o texto televisivo.

Em suma, a intenção ao se realizar a análise interna das obras a seguir foi demonstrar como os contos de Fonseca apresentaram determinadas estratégias de produção de efeitos e também de sentido e como as obras audiovisuais análogas re-apresentaram essas e outras es- tratégias.

Segundo Gabriela Almeida (2005, p.18) o analista tem o interesse em desvendar a engrenagem dos livros e filmes, isto é, em querer saber como a arrumação das frases, a esco- lha da voz narrativa e a estrutura do enredo na literatura foi reconfigurada na trilha sonora, na montagem através da arrumação dos planos, na interpretação dos atores no produto audiovi- sual.

Diante deste aspecto, pode-se perceber na análise dos contos que na adaptação para a TV ocorreu uma conjunção com o gênero da narrativa. A palavra gênero é utilizada pela lite- ratura e pela dramaturgia para catalogar os tipos de padrões discursivos e os modos como ca- da texto é construído. Segundo Tzvetan Todorov (1978, p.35) a palavra gênero tem sido usa- da, desde a Antigüidade Clássica, para distinguir o lírico, em que apenas o narrador falava, o épico em que o narrador e o personagem falavam, e o dramático em que apenas os persona- gens falavam. Se o gênero é uma estratégia de comunicação que estrutura a produção de efei- tos no apreciador, acredita-se que a manutenção desta estrutura facilita o reconhecimento da obra matriz.

Além disso, um outro aspecto examinado foi a permanência, nas obras adaptadas, de estratégias que geram a identificação de estilos e marcas de um programa de efeitos que ao mesmo tempo se associa ao autor dos contos e aos realizadores dos episódios de televisão. O pressuposto que orientou a análise supõe que cada obra tem a sua própria enunciação. Como aponta Ludmyla Carvalho, em dissertação de mestrado (2004, p.22), a fidelidade à obra em si (tentativa de expressar a obra da maneira como ela mesma pede para ser expressa) e liberdade (a singularidade do modo como se tenta atingir esse objetivo) são, portanto, pressupostos ne- cessários à interpretação e devem ser aplicáveis no caso da tradução dos contos de Rubem Fonseca para os episódios de TV.

Analisar as histórias narradas nos contos e nos episódios escolhidos pressupôs como objeto de análise o modo de contar as historias, observando personagens, cenários, conflitos e cenas. Foram identificados, nos contos e nos episódios, a implantação do conflito, o desen- volvimento, o clímax, o desfecho, dando atenção especial às peripécias dos personagens.

A informação a que o leitor ou que o telespectador teve acesso, no caso dos contos e no caso dos episódios, foi regulada a partir de pontos de vista dos narradores. Como aborda Angélica Coutinho (2002, p.75), Genette classificou focalização zero ou narrativa não focali- zada, quando o narrador é onisciente e diz mais do que sabe qualquer personagem, como a- contece na narrativa clássica. Este foi o caso da adaptação de Mandrake vista na TV. No caso em que o narrador diz menos do que sabe a personagem, a narrativa é objetiva ou behaviorista e o herói age em frente ao espectador sem que este conheça seus pensamentos e sentimentos, a focalização é externa. Porém, quando o narrador diz apenas o que certa personagem sabe, existe a focalização interna que se divide em três tipos: interna fixa, restrita a um personagem, interna variável, passa a vários personagens, e interna múltipla quando o mesmo acontecimen- to é contado por vários personagens.

No exame dos contos e dos episódios foi avaliado se o narrador era do tipo clássico, isto é, onisciente com conhecimento completo de toda a narrativa e de todo o aspecto de cada personagem e situação; se o narrador participava da narrativa como um dos personagens, se assumia o papel de narrador – personagem narrando na primeira pessoa, se apenas atuava co- mo um narrador observador, ou se era um narrador oculto isto é, não estava aparente na trama. A participação do narrador na história, de que modo isso ocorreu, se ele foi personagem da história ou não, que posição ele ocupou como personagem, qual a focalização adotada pelo narrador, isto é, a perspectiva adotada pelo narrador em relação ao universo narrado, foi obje- to de análise.

Observou-se, também, o modo de se manter os mesmos protagonistas do conto nos episódios, isto é, como foi apresentado o personagem principal, como os cenários foram apre- sentados, qual o contexto social em que a narrativa se apresentou. Atentou-se para o modo de estruturação da ação dos segmentos narrativos, o encadeamento que permitiu o entendimento da história. Foi avaliado o tempo da narrativa, a ordem das coisas que aconteceram na histó- ria, assim como, o tempo histórico da obra, isto é, a construção do momento em que a ação se desenvolveu.

Por fim, observamos as seqüências, como os personagens da narrativa foram dividi- dos e apresentados nos contos e nos episódios. Neste caso, destacou-se a composição dos per- sonagens centrais, como foram construídos: como personagem redonda, capaz de alterar seu comportamento no decorrer da narrativa, como personagem plana, comportando-se de forma previsível ao longo da narrativa, como personagem-tipo, representando um grupo profissional ou social ou personagem coletiva, que representa um grupo de indivíduos. A caracterização

destes personagens foi examinada. Ocorreu de forma direta, isto é, foi feita uma auto- caracterização, a própria personagem refere-se as suas características? A caracterização da personagem foi facultada pelo narrador ou por outra personagem; foi de maneira indireta, o narrador colocou a personagem em ação deixando ao leitor a operação de traçar o seu retrato?

Enfim, privilegiou-se na análise o que Balogh (2002, p.61) chama de essencial dos modelos narrativos, ou seja, estratégias que giram em torno das ações dos personagens que afetam a busca de seus objetivos. Este conjunto de estados e transformações de que é passível a relação do sujeito do desejo com o objeto do desejo é denominado por Balogh de programa narrativo.

No caso dos contos de Fonseca: Mandrake quer desvendar um crime e conquistar novas mulheres; Vilela que combater o crime e Lúcia quer conquistar o amor de seu cliente e sair do mundo de abandono da prostituição. A partir do momento em que o personagem tem um desejo, ele se torna, dentro da história, o SUJEITO de uma série de ações que o levam à conquista ou ao fracasso. O cliente por quem a prostituta Lúcia se apaixona constitui o OBJETO de desejo. Neste momento em que foi constituída a relação S-O, como observa Balogh (2002, p.61), ela passou por uma série de estados e transformações (por exemplo, os dois per- sonagens têm outros encontros, se envolvem, José Roberto manda cartas para Lúcia, José Ro- berto começa a desaparecer aos poucos e Lúcia tem saudades).

Logo, podemos definir a narrativa de “Lúcia McCartney”, que será desenvolvida mais adiante, como uma narrativa em que a personagem central Lúcia quer conquistar José Roberto e não é correspondida. O sujeito é Lúcia, o objeto é José Roberto e o programa narra- tivo é a tentativa frustrada de Lúcia de alcançar o amor de José Roberto. Neste caso, o pro- grama narrativo que tende a projetar na história o seu programa narrativo contrário, uma espé- cie de anti-programa narrativo, faz de José Roberto o antagonista de Lúcia, pois o objeto de desejo de Lúcia que não quer o tipo de envolvimento afetivo desejado por ela.