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31 A autora que constitui o nosso objecto de estudo, tal como já referimos na nota introdutória, é Ana Saldanha, uma voz e uma consciência que se destaca no panorama da literatura juvenil portuguesa contemporânea.

As obras sobre as quais incidirá o nosso estudo analítico são as que compõem a colecção «Era uma vez…Outra vez», publicadas pela Editorial Caminho nos anos 2002, 2003 e 2004.

Na verdade, esta colecção retoma e recupera alguns contos maravilhosos dos Irmãos Grimm e uma narrativa de Hans Christian Andersen que fazem parte de um património literário e cultural que enforma a nossa memória do sistema literário, apresentando, de igual modo, algumas reminiscências de Charles Perrault (cf. figura nº1).

Colecção «Era uma vez…outra vez»

Contos: vozes do passado

Irmãos Grimm Charles Perrault Hans Christian

Andersen

O gorro vermelho O Capuchinho Vermelho

Um espelho só meu A Gata Borralheira A Gata Borralheira Uma casa muito doce Hansel e Gretel

A princesa e o sapo O Princípe Sapo

Nem pato, nem cisne O Patinho Feio

Figura nº 1- Corpus do nosso objecto de estudo

A escolha desta autora prende-se não só com o facto de serem ainda muito reduzidos os estudos monográficos disponíveis no campo da investigação acerca das suas obras, mas também com o fascínio que exerce sobre os leitores a mestria de Ana Saldanha quando pinta uma realidade quotidiana, um microcosmos social próximo de um potencial receptor de literatura juvenil contemporâneo, utilizando ecos cromáticos, reminiscências sinestésicas e cinestésicas, personagens, temáticas, motivos e valores já prometidos num universo imaginário, mítico e simbólico dos contos de fadas que revisita.

Tendo por base o corpus anteriormente referido tornar-se-á imperativo que seja feita uma reflexão analítica procurando vislumbrar de que forma as narrativas de Ana Saldanha, por nós seleccionadas, permitem por um lado fazer renascer essas vozes passadas dos contos

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maravilhosos, essas marcas da tradição e, por outro, nos oferecem linhas ideotemáticas inovadoras ajustadas aos imperativos de uma sociedade contemporânea.

O nosso estudo passará, deste modo, por uma metodologia qualitativa que incluirá diferentes momentos: (1) pesquisa bibliográfica; (2) leitura analítica da bibliografia seleccionada; (3) fundamentação e estabelecimento de pontes entre conceitos de ordem teórica; (4) aplicação de alguns conceitos da moldura teórica às narrativas de Ana Saldanha e aos contos do passado; (5) análise comparativa e/ou específica dos textos seleccionados com o objectivo de:

a)- apreender linhas ideológico-temáticas e imagético-simbólicas quer dos textos de Ana Saldanha, quer dos contos referidos;

b)- estabelecer pontes de leitura entre a memória e a contemporaneidade, passando, por exemplo, pelos protagonistas, pelo entendimento do masculino e do feminino, pela dimensão ideológica subjacente aos contos, pelos espaços e ambientes onde se movimentam os protagonistas.

Ao desenhar o mundo possível ficcionalizado por Ana Saldanha, procuraremos (1) detectar os conflitos psicológicos das personagens, os novos valores, os novos problemas da condição humana, os novos problemas e as novas preocupações sociais que emergem nos textos mencionados; (2) perceber de que forma a autora exprime a sua extrema capacidade em observar o quotidiano e as relações humanas; (3) detectar os pilares em que se alicerça o microcosmos social em estudo (universo familiar e/ou escolar); (4) delinear traços de personalidade que aproximam e/ou afastam os protagonistas do nosso corpus; (5) abordar a relação de poder e de autoridade que se estabelece entre os universos masculino e feminino; (6) enquadrar as personagens numa sociedade pós-industrial que exige ao adolescente uma superação de desafios, angústias, inquietações e medos; (7) salientar a dicotomia espaço urbano/espaço rural; (8) detectar elementos/espaços simbólicos que permitam concretizar, através de uma demanda identitária, uma libertação do EU e uma evolução espiritual; (9) explorar o devir humano, a incursão numa viagem como imagem arquetipal que reitera o acto de cosmogonia e que permite uma reabilitação do Caos individual; (10) percorrer o tópico da viagem, ritual iniciático, enquanto elemento que permite a demanda identitária e a metamorfose; (11) perceber que os elementos simbólicos emancipam o imaginário dos leitores e permitem reencontrar o uso lúdico, apelativo e expressivo da linguagem.54

O nosso objectivo, ao longo desta dissertação, passará pela análise e reflexão da herança literária e cultural e do mundo possível filtrado pela voz contemporânea de Ana Saldanha, detectando de que forma esta consciência do presente recupera, revisita, reescreve esse passado

33 longínquo, destacando-se, todavia, pela sua capacidade criativa, criadora, pela forma e conteúdo inovadores que imprime à sua escrita.

Síntese do capítulo:

Ao longo deste capítulo, traçámos as linhas gerais de análise e de reflexão que teremos presentes ao longo desta dissertação, tendo constituído uma preocupação constante a definição clara do nosso objecto de estudo e a balizagem temporal do nosso âmbito de trabalho.

No próximo capítulo deter-nos-emos nos contos maravilhosos que enformam o nosso

corpus, tecendo várias considerações relativas aos protagonistas e ao núcleo familiar em que aparecem inseridos. Tentaremos, de igual modo, percepcionar qual o entendimento do masculino e do feminino subjacente a estes textos, bem como clarificar valores sociais e culturais ditos, prometidos ou sugeridos nessas vozes atemporais e universais. Por último, será nosso objectivo apreender algumas estratégias discursivas que promovem, na nossa perspectiva, um maior envolvimento por parte da instância leitora, referindo o poder catártico destes objectos artísticos de potencial recepção infantil.

Capítulo III

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