• Nenhum resultado encontrado

Fonte: SEDES, 2009: 20.

Os principais objetivos e estratégias do Observatório da Equidade esforçavam-se ao reconhecimento e ao credenciamento social de um novo e bem preparado avaliador, formulador, monitorador, propositor e fiscalizador de políticas públicas (e da iniciativa privada, inclusive) para o combate às desigualdades sociais. Para além do que se propunha no plano imediato, a tarefa política do Observatório avançava num terreno de complexos debates acerca da ―mensuração‖ das desigualdades, pois parecia que intentava ―corrigir‖ ou ―aperfeiçoar‖ indicadores oficiais (discutíveis) existentes e bastante sedimentados entre governos, estudiosos e a população.

Nesta perspectiva, apresentava-se como instância do CDES melhor capacitada a dizer o que se devia ou não adotar como política social adequada e eficaz a fim de dirimir a ―desigualdade‖, a partir da produção de indicadores que, por si sós, operavam homogeneizando uma realidade social bastante heterogênea e complexa. Desta forma, operacionalizava o conceito de desigualdade – e por via direta, o de pobreza – através de indicadores (renda, acesso a bens e serviços públicos, participação política, bem-estar psicofísico, ambiental, cultural) que se desvinculavam das dimensões mais amplas colocadas pelo modo de vida nas sociedades ocidentais complexas, deixando sérias dúvidas sobre sua relevância no combate à diminuição das desigualdades no capitalismo.

De qualquer forma, não restam dúvidas de que o Observatório era (e é) um laboratório social-liberal preparado para convencer ativamente amplos setores (não apenas no CDES pois ele alimentava uma ―Rede de Observação‖ constituída por várias entidades da sociedade civil que dele participavam) de que a desigualdade social no capitalismo poderia ser atenuada se governos, sociedade e empresas praticarem ações julgadas corretas e coordenadas, sob a

vigência de uma lógica que mensura, diagnostica e prescreve ações de ―combate‖ à pobreza. Deve-se atentar para pretensão hegemônica do Observatório, principalmente intracorporis, isto é, legitimando o próprio CDES diante dos demais órgãos estatais e também para fora do Conselho, sinalizando para setores da sociedade que suas recomendações estavam balizadas em estudos, pesquisas e debates ―técnicos‖, por meio da colaboração de institutos de pesquisa largamente reconhecidos (IBGE, IPEA, DIEESE).

1.5.1 – Considerações sobre o tema da equidade

Cumprido o papel de apresentar e analisar a complexificação de uma das estruturas do CDES a partir do Observatório da Equidade, nos encontramos na exigência de tecer algumas considerações sobre o conceito de ―equidade‖ operado no CDES.

O uso do termo ―equidade‖ era bastante gelatinoso dentre os conselheiros. Apesar de não ser o objetivo deste capítulo elaborar uma análise mais criteriosa sobre ―desenvolvimento com equidade‖, tema muito caro ao CDES, há ocasiões em que ―equidade‖ parece sinonimizar a própria igualdade, numa precisa apreensão desta, evidentemente, ou então um caminho próspero e próximo para alcançá-la. (―Devemos olhar de que maneira a política pública promove ou não a equidade, visando a igualdade‖, afirmou Clemente Lúcio, do Dieese, na 16ª Reunião Plenária).

Muitas vezes, igualdade ou equidade era entendida como a própria capacidade do poder publico, em ―sinergia‖ com a iniciativa privada, em ofertar maiores igualdade de

oportunidades através de políticas publicas de alcance reduzido e setorizado (negros, crianças,

jovens, mulheres, idosos, mais pobres, etc) visando a redução precária do que comumente se chama ―desigualdades sociais‖. Políticas públicas minimalistas, focalizadas, compensatórias, emergenciais de ―distribuição de renda‖ e ―inclusão social‖ apareciam vis-à-vis a mecanismos que pretendiam impulsionar, ou acelerar, o crescimento econômico, ou seja, o investimento na ―economia real‖, como afirmavam.

Desta maneira, os mecanismos promotores da ―equidade‖ passavam necessariamente pelo esforço em fazer avançar a ―igualdade de oportunidades‖ para a competição dos indivíduos no mercado de trabalho com vistas à preparação e alcance da ―mobilidade social‖ pela via do mercado consumidor ou de trabalho. Ora, não foi outro o sentido do discurso do presidente Lula da Silva, na Reunião Plenária em 10 de março de 2005:

Nós estamos com um hábito, com um desvio, que é o seguinte: toda vez que a gente fala na área social, a gente fala ‗gasto‘, e quando a gente fala em outros setores a gente fala ‗investimento‘. Eu acho que é preciso ter claro que quando a gente dá uma Bolsa Família ou quando a gente dá uma Bolsa Escola, na verdade nós estamos

fazendo um dos mais preciosos investimentos deste país, que é dar à pessoa a oportunidade de comer. Isso não é gasto, isso é investimento porque essa pessoa

bem nutrida vai trazer saldo produtivo para todos nós, vai se transformar em consumidor neste país, em trabalhador. Então, eu acho que não é um hábito nosso

não, é um erro sociológico no Brasil, quando a gente habitualmente fala ‗porque nós gastamos tanto em saúde, tanto em educação‘, mas essas coisas... significam um

bom investimento.149

Sob o epíteto de ―um novo modelo de desenvolvimento econômico‖, a expansão da acumulação capitalista, a médio e longo prazo, era a condição sine qua non para a redução da pobreza e melhoria da prestação dos serviços públicos, ao lado de medidas emergenciais. Desde muito cedo, no CDES, as ações do Estado e do mercado, e suas interações, em prol do crescimento econômico, deveriam se orientar na perspectiva da “equidade”, isto é, os

processos e as resultantes da acumulação capitalista deveriam se coadunar com o bem-estar de todos, especialmente dos mais pobres e a alusão à preservação ambiental. Ou seja,

tratava-se de dividir, de maneira precária e direcionada, nem o crescimento do bolo, e não o próprio bolo, mas suas migalhas. Grosso modo, como veremos no capítulo 3, esse era um dos elementos centrais do propalado ―desenvolvimento socialmente sustentável‖.

Foi neste sentido que as contrarreformas da Previdência, Tributária, Sindical, Trabalhista e Universitária, as Parcerias Público-Privadas (lei 11.079/04), o Programa de Aceleração do Crescimento, a Lei Geral da Micro e Pequenas Empresas (lei complementar 123/06), a Nova Lei de Falências (lei 11.101/05), a Lei do Cadastro Positivo, o programa de desconto de crédito consignado em folha de pagamento e a conta-investimento150 (leis 10.820/03 e 10.892/04, respectivamente), as propostas para adequação da infraestrutura, para a educação (FUNDEB, ProUni, ProJovem e o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, por exemplo) e para a Habitação de Interesse Popular (que resultou no programa Minha Casa Minha Vida), o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado, o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar, dentre outras iniciativas, foram discutidas no CDES e aprovadas pelo Congresso.151 O CDES teve também influência direta na criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI)152 e da Agência Brasileira de

149

Documento ―Presidente Lula no CDES‖. Disponível em www.cdes.gov.br. Grifos meus.

150

A conta investimento permitia a troca de operações financeiras sem incidência da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

151

Conferir em <http://www.cdes.gov.br/conteudo/41/o-que-e-o-cdes.html>. Acesso em 12/01/2014. Ver também entrevista com Ester Bemerguy, titular da Secretaria do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (SEDES/SRI/PR) entre 2004 e 2011 em <http://www.rs.gov.br/geral_email_print.php?modo=print&tip

o=capa>. Acesso em 12/06/2013.

152

De acordo com o Secretário Jaques Wagner, na Ata da 7ª Reunião Plenária, em maio de 2004, ―essa sugestão veio do deputado e presidente da CNI Armando Monteiro‖.

Desenvolvimento Industrial (ABDI), ambas ligadas ao MDIC, além de ter sido articulado e lançado recomendações ao Fórum Nacional do Trabalho (FNT).153

Em grande medida, ao que nos parece, tratava-se de cuidar do atendimento prioritário à reprodução ampliada do grande capital monopolista no Brasil ainda que setores não monopolistas angariassem alguns frutos. Esta condição dava a direção das políticas sociais pretendidas – o debate sobre a Educação era um exemplo cabal – e pretendia encerrar o

confronto às “desigualdades” ou às “iniquidades”.

Através de rigorosa pesquisa e refinada análise, calcada no marxismo, Rodrigo Castelo resgata a produção e disseminação ideo-político do social-liberalismo no Brasil por meio da atuação de aparelhos privados de hegemonia, especialmente o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) e do Instituto de Estudos de Política Econômica (IEPE) Casa das Garças, e da formulação de intelectuais orgânicos da burguesia brasileira. Dentre estes, inclusive, destaca o autor, Ricardo Paes de Barros e Marcelo Neri, os quais faziam parte do corpo de conselheiros do CDES, sendo o último, inclusive, atual Secretário-Executivo do CDES no governo Dilma, Presidente do IPEA e Ministro Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos.

As formulações caras ao CDES, bastante presentes nas reuniões plenárias e nos documentos estratégicos produzidos, são claramente delineadas nas análises críticas da ideologia social-liberal realizada por Rodrigo Castelo:

1) o crescimento econômico, por si próprio, não traria a redução das desigualdades, havendo a necessidade de políticas públicas específicas e direcionadas para este problema; 2) os gastos sociais não seriam baixos, pelo contrário se deveria torná-los mais eficientes, melhorando a alocação de recursos com sua focalização nos estratos sociais miseráveis; 3) propostas de desenvolvimento baseadas no investimento no capital humano, reformas tributárias, previdenciárias e trabalhistas e ampliação do microcrédito.154

Embebido da ideologia social-liberal, edificado e propalado com recursos empresariais de todo tipo (financeiro, associativo, midiático, acadêmico) no Brasil desde o governo FHC, o

153

O GT Reforma Sindical e Trabalhista apontou, dentre outros os consensos produzidos e presentes no Relatório sobre a Reforma Sindical e Trabalhista que seguiu para discussão no FNT e, posteriormente, para o Ministério do Trabalho, que ―deve ser efetivo o reconhecimento da personalidade sindical às Centrais, de maneira que venha a ser consignada, na sua integralidade, a capacidade jurídica dessas entidades para firmar convenções e acordos coletivos‖. Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

Relatório Consolidado da Reforma Sindical e Trabalhista. Brasília, 2003b. Vários conselheiros da sociedade

civil no CDES (empresários e sindicalistas) também participaram do FNT. Para um estudo do conteúdo programático e classista presente no FNT ver ALMEIDA, Gelsom Rozentino de e LOURENÇO NETO, Sydenham. Estado, Hegemonia e Luta de Classes: interesses organizados no Brasil recente. Bauru, SP: Canal 6, 2012, p. 83-140.

154

CASTELO, Rodrigo. O social-liberalismo brasileiro e a miséria ideológica da economia do bem-estar. In: MOTA, Ana Elizabete (org.). Desenvolvimento e construção de hegemonia: crescimento econômico e reprodução da desigualdade. São Paulo: Cortez, 2012.

conceito de ―equidade‖ em voga no CDES, assim como de ―eficiência‖, ―capital social‖, ―empoderamento‖, ―governança‖, se aproximava bastante daquele adotado pelo Banco Mundial, tal como aparece no documento ―Equidade e Desenvolvimento – Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2006‖:

Por equidade entendemos que as pessoas devem ter oportunidades iguais de buscar a vida que desejam e serem poupadas da extrema privação de resultados. A mensagem principal é que a equidade é complementar, em alguns aspectos fundamentais, à busca da prosperidade de longo prazo. Instituições e políticas que promovam um campo de atuação equilibrado – onde todos os membros da sociedade tenham as mesmas oportunidades de se tornarem socialmente ativos,

politicamente influentes e economicamente produtivos, contribuem para o

crescimento sustentado e o desenvolvimento. Mais equidade é, portanto,

duplamente útil para a redução da pobreza: por meio de possíveis efeitos benéficos para o desenvolvimento de longo prazo agregado e por intermédio de mais oportunidades para os grupos menos favorecidos dentro de qualquer sociedade.155

A articulação entre o CDES e o Banco Mundial era orgânica, no sentido de que era sistemática e programática. O CDES promovia vários encontros, congressos, seminários, mesas redondas, com participação de integrantes do Banco, na condição de convidados, visitantes ou palestrantes. O CDES também enviava conselheiros para participar de eventos promovidos pelo Banco, na Europa. Havia também a utilização de documentos produzidos pelo Banco sobre as condições macroeconômicas e sociais latino-americanas, inclusive de como o combate à pobreza poderia impulsionar o crescimento, relação de soma zero devidamente mensurado em termos percentuais. E mais: nossa pesquisa encontrou documento intitulado ―Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – Brasil: Versão Preliminar‖, elaborado pela SEDES em junho de 2004, o qual afirma, em trecho final, que trata dos ―Recursos Aportados‖, que

A SEDES é responsável por três ações específicas no Orçamento da União. Os recursos são insuficientes para todas as atividades, desta forma buscou-se, através da cooperação internacional, captar novos recursos para os projetos de desenvolvimento institucional e disseminação do processo de concertação. (...) Os organismos internacionais, parceiros atuais da SEDES, são: BIRD, BID e OIT.156

Logo em seguida, o documento revelava que o Banco Mundial contribuiu com recurso da ordem de US$ 500.000,00 para ―treinamento e capacitação dos servidores, nas funções de mediação e facilitação de diálogos com a sociedade‖. 157

Afirmava ainda o documento que estava em negociação com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) ―uma doação

155

BANCO MUNDIAL. Equidade e Desenvolvimento. Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2006. Washington D.C., 2006, grifos meus.

156

Secretaria de Relações Institucionais. Secretaria do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. O

Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – Brasil: Versão Preliminar. Brasília: 2004b, p. 26.

157

de US$ 2.000.000,00, sendo que a contrapartida seria com gastos com pessoal e demais instalações da SEDES. Esses recursos serão gerenciados por um Acordo de Cooperação Técnica com a UNESCO‖ (idem). Interessante observar que em nenhum outro documento do Conselho a questão do financiamento de suas atividades foi abordada ou esclarecida, nem na sua página eletrônica, e constata-se também um silêncio absoluto deste tema entre os analistas e pesquisadores do CDES.

Algumas breves passagens das discussões travadas sobre ou que cincundavam a questão das ―desigualdades‖ na plenária do CDES podem ser úteis na percepção da visão de mundo dos conselheiros sobre este tema:

A desigualdade tem sexo, cor e endereço, devemos ter uma estratégia de governo e de Estado para essas questões em todas as políticas públicas. (Conselheiro José Antônio Maroni, na 6ª Reunião Plenária, 11/03/2004, p. 12).

O País tem 170 milhões de habitantes e desigualdades que nos permitem ir da Suíça ao país mais pobre do mundo. É necessário combinar programas de transferência de renda que devem ser temporários com inclusão pela via do trabalho do emprego e da renda. (Secretário do CDES, Ministro Jaques Wagner, na 6ª Reunião Plenária, 11/03/2004, p. 14).

A luta pelo predomínio da cultura de paz na sociedade brasileira terá de percorrer um longo caminho, em que se enfrentem as desigualdades sociais, promovendo políticas de pleno emprego, crescimento econômico e redistribuição de renda. (Conselheiro Sérgio Haddad, na 14ª Reunião Plenária, 05/10/2005, p. 14).

Se relembrarmos as conclusões a que chegamos sobre o Brasil que queremos, a diretriz estratégica que elegemos como a mais importante para orientar as ações de modo atingir os objetivos estabelecidos, foi o combate à extrema desigualdade social, inclusive de gênero e raça, reduzindo a concentração de renda e riqueza e propiciando a igualdade de oportunidade e mobilidade social. (Conselheiro Fernando Xavier Ferreira, na 17ª Reunião Plenária, 10/05/2006, p. 14).

Obviamente que as intervenções trazidas são meramente exemplificativas de uma aproximação e/ou coalizão de percepções sobre uma temática bastante ampla e complexa, largamente debatida no CDES. Inclusive, as falas de cada conselheiro, numa mesma ocasião, são atravessadas por posições vacilantes. Não pretendemos aprofundar as tensões e conflitos havidos nas discussões plenárias especificamente acerca da questão das ―desigualdades‖ ou das ―iniquidades‖, principalmente no âmbito conceitual. No que se refere aos modos de enfrentamento às desigualdades eles costumeiramente apareciam no bojo das discussões sobre a temática do ―desenvolvimento com inclusão social‖, objeto de análise do capítulo 3.

Em nenhum momento a desigualdade aparece num contexto de determinações histórico-sociais de uma formação social calcada na subsunção, na exploração e na expropriação do trabalho pelo capital no processo de expansão da acumulação capitalista. Ora, isto é um aspecto fundante e estruturante das relações de produção capitalistas. A

crescente socialização das forças produtivas entra em contradição com a apropriação e destinação privada hiperconcentrada do excedente socialmente produzido, isto é, com as relações sociais de produção, sem contar com a incessante conversão mercantil das distintas esferas vida social (mercantilização de valores de uso). Assim, a ordem do capital avoluma, com cada vez mais frequência e agudez, profundas crises sistêmicas, interditando qualquer possibilidade de solução da desigualdade e das privações do conjunto das classes subalternas por meio de uma genuína socialização do excedente produzido. Virgínia Fontes traduz e sintetiza magistralmente este movimento:

(...) a megaconcentração de capitais parece cavar continuamente o solo da crise social, para, em seguida,transformar a tragédia humana em base para sua lucratividade, convertendo a penúria que provoca em mercado para os bens que produz. A crise se torna ameaça permanente e sempre mais grave, inclusive, porque as escassas redes de proteção que os direitos asseguravam continuam a ser sistematicamente minadas.158

As análises totalizantes são afastadas, deslocando o enfrentamento da ―questão social‖, o estudo sobre sua estruturação e perpetuação, do campo das lutas de classes, das formas de lutas contra a produção social de expropriados, para o campo previamente esquadrinhado e limitado da sua mensuração, através de inúmeras pesquisas, produção de indicadores, relatórios de acompanhamento e avaliação de políticas, tal como o Observatório da Equidade propunha. O trato investigativo e analítico da produção da desigualdade no capitalismo como

fenômeno histórico de uma relação social de classe dava lugar à aplicação e manuseio de um

arsenal de instrumentos ―técnico-científicos‖ homogeneizadores da realidade social. 1.6 - O Comitê Gestor

A origem da criação do Comitê Gestor retoma e revolve a questão, por parte dos conselheiros, da eficácia e relevância do CDES. Vimos que, durante um ano (entre julho de 2004 e agosto de 2005), os conselheiros estiveram envolvidos na elaboração da Agenda Nacional de Desenvolvimento (AND).

A cascata inicial de denúncias sobre a ―crise do mensalão‖ pegou em cheio o lançamento da AND por ocasião da 13ª Reunião Plenária do Conselho, em agosto de 2005, data sucessivamente adiada devido à crise.159 O assim chamado ―escândalo do mensalão‖ ocupou a pauta diária dos noticiários que, aliado à troca de Ministros, a instauração de

158

FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital-imperialismo... Op. cit., p. 304.

159

A denúncia, publicada pela Folha de São Paulo, do então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) de que o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, articulava um esquema de pagamento de propina mensal de R$ 30 mil a deputados e senadores que votassem as matérias encaminhadas ao Congresso segundo orientações do governo apareceu em 06 de junho de 2005.

Comissões Parlamentares de Inquérito, a mudança na estrutura organizacional da SEDES teriam contribuído para geração de um clima de dúvidas, expectativas e preocupação.160

Em relato detalhado de quem se envolveu direta e profundamente com o CDES neste período, Garcia161 afirmava que o entendimento predominante entre os conselheiros era o de que a AND oferecia e exigia uma transição do modelo vigente, por meio de uma revisão do conjunto das opções feitas pelo governo e em especial a da política econômica, tendo em vista que, na opinião do autor, o conteúdo da Agenda não estava em conformidade com as orientações predominantes do governo.

De forma enviesada ou objetiva, as intervenções dos conselheiros na 13ª Reunião Plenária se deram neste sentido. Às manifestações de apoio ao Presidente e pedidos de rigorosa apuração e punição dos acusados somaram-se sugestões de mudança de rumo via estratégias de desenvolvimento traçadas pela AND. Nesta visão, a saída da crise política poderia ser abreviada com respostas do Executivo na área da política econômica e avanço social. Tratar-se-ia de resgatar os projetos históricos das forças políticas e sociais que apoiaram a eleição de Lula da Silva. Destacamos abaixo algumas falas dirigidas diretamente a Lula da Silva, quando da sua participação na 13ª Reunião Plenária:

E faço votos que a atual crise leve o Governo a perceber onde ele deve sintonizar melhor com as aspirações que motivaram sua eleição, para que se justifique politicamente na medida que as atende. (Conselheiro Dom Luiz Demetrio Valentini, da CNBB).

Emprego; investimento em infraestrutura; universalização do direito a saúde, educação e tecnologia, programas de engenharia e arquitetura pública que garantam a moradia digna; a recuperação do salário mínimo através de uma política de recuperação; redução das taxas de juros; a ampliação do Conselho Monetário Nacional, proposta essa debatida e aprovada neste Conselho; e a retomadas das reformas que marcaram o início do seu governo, certamente, serão itens constantes