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METODOLOGIA 2: Organização e análise dos dados

Neste capítulo, apresento uma descrição de como os dados coletados no trabalho de campo desta pesquisa foram organizados para a realização de sua análise. A partir dessa organização, durante o desenvolvimento da análise dos dados associada às teorias que fundamentaram a pesquisa, descritas nos capítulos 3 e 5, as categorias de análise emergiram, o que vai ao encontro da proposta de Lincoln e Guba (1985) sobre análise indutiva dos dados.

Assim, inicialmente, na seção 6.1, apresento uma discussão teórica sobre a forma de análise praticada nesta pesquisa: a análise indutiva. Em seguida, na seção 6.2, descrevo o processo da organização dos dados.

6.1 As categorias emergentes e a análise indutiva

Lincoln e Guba (1985) apresentam uma caracterização da análise indutiva a partir da comparação entre esse tipo de análise e a dedutiva. Segundo os autores, a análise dedutiva é aquela na qual as hipóteses e as questões a serem estudadas são deduzidas, previamente, a partir das teorias que fundamentam a pesquisa. Elas então são confirmadas, ou não, a partir dos dados empíricos coletados. Desse modo, tanto as teorias quanto as categorias são definidas previamente à analise dos dados e, em consequência disso, os dados possuem características diretas das teorias e das categorias ou da relação entre elas.

Já a análise indutiva dos dados é proposta como o inverso da análise dedutiva, de acordo com Lincoln e Guba (1985). As teorias e as categorias não são definidas a priori. Elas emergem durante o desenvolvimento da análise. Não há uma dedução prévia de hipóteses e questões a serem confirmadas pelos dados, pois é esperado que elas apareçam no decorrer da própria análise. Sendo assim, as categorias é que possuem características diretas dos dados. Para esses autores,

Os dados acumulados no campo, portanto, devem ser analisados indutivamente (isto é, a partir do específico, unidades brutas de informação, para as categorias agrupadas de informação) a fim de definir hipóteses de trabalho locais ou questões que podem ser seguidas.18 (LINCOLN; GUBA, 1985, p. 203, grifos dos autores)

18

Tradução de: “Data acumulated in the field must be analyzed inductively (that is, from specific, raw units of information to subsuming categories of information) in order to define local working hypotheses or questions that can be followed up.” (LINCOLN; GUBA, 1985, p. 203)

76 De acordo com Lincoln e Guba (1985), a análise indutiva envolve dois subprocessos importantes que ocorrem nesta ordem: a definição de unidades e a categorização.

No processo de definição de unidades, os dados que possuem conteúdos relevantes para o objetivo da pesquisa são associados em unidades, permitindo uma descrição mais precisa de suas características. Uma unidade pode ser constituída por sentenças simples ou extensos parágrafos que podem ser interpretados por si só, dispensando o uso de informações adicionais.

Em seguida, ocorre o processo de categorização no qual as unidades “são organizadas em categorias que fornecem informações descritivas ou inferenciais sobre o contexto ou ambiente a partir do qual as unidades foram derivadas19.” (LINCOLN; GUBA, 1985, p. 203) Assim, as unidades que possuem características semelhantes compõem uma mesma categoria. As categorias de análise desta pesquisa emergiram durante o processo da análise, a partir da combinação entre teoria e dados. As teorias que fundamentaram a pesquisa, como Ponte, Brocardo e Oliveira (2009), Alrø e Skovsmose (2004) e Toulmin (2006), influenciaram o meu olhar para os dados. Aqueles que chamaram a minha atenção por terem conteúdos relevantes para o objetivo da pesquisa constituíram as unidades de análise para, em seguida, compor as categorias. Portanto, nesta pesquisa, a forma de análise escolhida foi a indutiva.

Na seção seguinte, apresento uma descrição sobre o processo da organização dos dados que permitiram a escolha das unidades de análise e, em seguida, das categorias.

6.2 O processo da organização dos dados

A coleta de dados desta pesquisa durou cerca de dois meses, sendo interrompida devido à mudança da professora Maria para outra cidade, e, consequentemente, a sua saída da escola. Nesse período, fiz anotações no caderno de campo, realizei filmagens, gravações em áudio e recolhi os relatórios, produzidos pelos estudantes, das quatro atividades aplicadas, descritas no capítulo 4. Ao final da coleta, reuni uma vasta quantidade de dados.

Entretanto, durante a realização das atividades investigativas, eu li grande parte dos relatórios produzidos pelos alunos, a fim de planejar as intervenções a serem realizadas nas atividades seguintes, e fiz anotações sobre os aspectos que chamaram a minha atenção, como a ausência de justificativas e as provas através de exemplos. Naquele momento, não realizei uma análise dos relatórios, as anotações feitas tinham um cunho mais avaliativo da produção

19 Tradução de: “are organized into categories that provide descriptive or inferential information about the

77 escrita dos alunos, mas elas ajudaram na etapa da organização dos dados e na posterior categorização deles.

No momento da organização dos dados para a realização de sua análise, inicialmente, assisti todos os arquivos de vídeo que foram gravados durante o trabalho de campo desta pesquisa. Recorri às gravações em áudio apenas nos momentos em que não consegui compreender as falas presentes no vídeo e durante as suas transcrições.

Devido à grande quantidade de vídeos, ao assistir cada um deles, fui registrando por escrito as interações que chamaram a minha atenção e outros aspectos que poderiam estar relacionados com a argumentação. Esse registro foi feito à mão, em papel A4, sendo que a descrição de cada vídeo foi separada por data, turma e nome do arquivo que o continha.

É importante salientar que, ao lado de cada interação registrada, anotei o tempo do vídeo em que ela ocorreu. Assim, ficou mais fácil localizar um determinado episódio posteriormente. O registro de todo esse material de vídeo foi feito em um total de 57 páginas, todas numeradas. Essa grande quantidade de dados exigiu uma boa organização para que eu não me perdesse durante o processo da análise.

Feito esse registro, escolhi palavras-chave diretamente relacionadas ao objetivo da pesquisa e às teorias da argumentação: hipótese, teste, convencer, discordar, questionar, conflito de opiniões, explicação, justificativa, refutação, argumento, prova, demonstração, generalização, desenho. Voltei no registro realizado e o reli atentamente, grifando todas essas palavras-chave.

Depois disso, organizei uma tabela com cada palavra chave selecionada, seguida dos nomes dos arquivos de áudio e vídeo correspondentes a ela e à página em que ela estava localizada no registro. Essa foi uma primeira associação dos dados, em unidades de análise. A partir dessa organização, procurei identificar situações em que ocorreu argumentação. Para isso, revi as situações que continham uma palavra-chave no registro, recorrendo ao vídeo no tempo selecionado. Os episódios em que identifiquei argumentação foram então transcritos, preservando ao máximo as falas dos estudantes, da professora e da pesquisadora. Correções ortográficas foram realizadas, sem alterar o sentido das falas ou prejudicá-las de alguma forma.

Nesse processo, pude perceber que as intervenções realizadas por mim e pela professora Maria causaram alguns desdobramentos na argumentação dos alunos. Muitos deles passaram a incluir em suas falas ou no registro do relatório, procedimentos que foram

78 explicados e exemplificados por nós. Sendo assim, pude notar que as intervenções realizadas contribuíram para o desencadeamento e o desenvolvimento da argumentação dos estudantes.

Outro aspecto que notei, ao reler o material e rever os vídeos, foi a ocorrência de obstáculos para a argumentação dos alunos. Exemplos disso foram: a falta de tempo para desenvolver uma ideia, falta de domínio da linguagem algébrica e outras prioridades que os estudantes tiveram no momento da proposta da atividade.

Levando em conta esses três aspectos relatados, assumi um fio condutor para o capítulo a seguir, no qual apresento uma análise dos dados. Na primeira seção, mostro que a argumentação pode ocorrer em uma atividade de investigação, apresentando uma descrição desses momentos. Na segunda, relato as intervenções realizadas e os seus desdobramentos para a argumentação dos alunos. E, na última, descrevo as situações em que identifiquei obstáculos para a argumentação. Sendo assim, a construção da análise não seguiu, necessariamente, uma ordem cronológica.

A partir desse fio condutor, as categorias emergiram no momento da análise dos dados, com certa influência do referencial teórico. As unidades de análise foram agrupadas, de acordo com o fio condutor, resultando nas seguintes categorias:

Figura 5 - Agrupamento das unidades de análise 1- Os alunos da escola pública não argumentam?

1.1 As discordâncias entre Luisa e Tatiana

1.2 O uso de um recurso não discursivo na prova de Fernando e de Júlia 1.3 A refutação de uma hipótese por meio do contraexemplo

1.4 As demonstrações realizadas na turma 902

2- O desenvolvimento da argumentação

2.1 Inserção de hipóteses, testes e justificativas

2.2 O uso correto do exemplo para a refutação de hipóteses: o contraexemplo 2.3 Fazendo generalizações

3- Obstáculos para o desenvolvimento da argumentação

3.1 A falta do estabelecer contato e do posicionar-se 3.2 A falta de tempo

3.3 Falta de domínio da linguagem algébrica 3.4 Conflitos no grupo

3.5 Outras prioridades

79 A análise que fiz nesta pesquisa foi indutiva, mas não como proposto por Lincoln e Guba (1985). As categorias emergiram durante a análise e, sendo assim, possuem características diretas dos dados, como é indicado pelos autores. Porém, elas também possuem características do referencial teórico adotado e estudado anteriormente à realização da análise. A escolha das palavras-chave, por exemplo, foi feita a partir da teoria. Foi inevitável a influência do referencial teórico no meu olhar na realização da análise. No entanto, isso não descaracteriza a análise como indutiva, pois a influência da teoria ocorreu no momento da análise dos dados, e não anteriormente a ela. Além disso, não foi a minha intenção buscar dados para comprovar ou contestar alguma teoria, como é proposto na análise dedutiva. Assim, acredito que não é possível realizar uma análise puramente indutiva, pois é impossível e indesejável abandonar o referencial teórico durante a análise.

Seguindo a organização das categorias, apresentada anteriormente, as unidades de análise, compostas de diálogos, trechos dos relatórios produzidos pelos estudantes, desenhos, anotações realizadas na coleta de dados, etc., foram categorizadas. A análise desses dados será apresentada no próximo capítulo.

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7 ARGUMENTAÇÃO EM ATIVIDADES DE INVESTIGAÇÃO: os alunos não querem