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Capítulo 1 – Da epistemologia, metodologia e técnicas de pesquisa

1.2 Metodologia: uma das formas de olhar, ver e enxergar o mundo

A ideia de discorrer sobre aspectos gerais de ordem epistemológica é em decorrência da noção que o debate epistêmico é a priori e fundamental para o maior controle das metodologias e instrumentos de análise61 (BOURDIEU et al., 2015). Criticando os metodólogos, Bourdieu et

al. expõem suas preocupações em relação aqueles que buscam a perfeição metodológica, que,

segundo eles, tal obsessão poderia desabar naquilo que definiram como “deslocamento epistemológico” (idem, p. 19). Este deslocamento nada mais é que o esquecer do questionamento “sobre o objeto da medição e [...] se ele merece ser medido”; e que ao invés de pôr em questão “as técnicas de medição e de nos interrogarmos sobre o grau de precisão desejável e legítimo, [...] ou até mesmo de examinarmos [...] se os instrumentos medem o que se pretende medir” (idem), podemos ser levados a “perseguir, com a obsessão das decimais, o ideal contraditório de uma precisão intrinsecamente definível” (idem, p. 19-20). Este agarramento fixista à mecânica lógica acaba sendo anticientífico, uma “ars probandi” em

60 Ou como aquela capa que, segundo Roberto DaMatta, o pesquisador deve vestir durante a sua pesquisa (1978). 61 Isto diz respeito, no nosso caso em específico, à própria construção e realização de entrevistas. Conforme

Bourdieu et al., “o sociólogo que não submete suas próprias interrogações à interrogação sociológica não estaria em condições de fazer uma análise sociológica verdadeiramente neutra das respostas que elas suscitam”, i.e., “o questionador que, por falta de uma teoria do questionário, não se interroga sobre a significação específica de suas perguntas, corre o risco de encontrar facilmente uma garantia do realismo de suas perguntas na realidade das respostas recebidas” (2015, p. 55-56).

contraposição a uma “ars inveniendi”62 (idem, p. 14); e que “essa utilização legítima dos

instrumentos lógicos serve, frequentemente, de caução à paixão perversa por exercícios metodológicos que têm como única finalidade discernível permitir a exibição do arsenal dos meios disponíveis” (idem: 18).

Tendo isto em vista e já sido feita a discussão acerca dos pressupostos epistemológicos, coaduna-se com Hartmut Günther (2006, p. 201, grifos meus) de que o “método escolhido deve

se adequar à pergunta de uma determinada pesquisa”63. Conforme o autor “o que une os mais

diversos métodos e técnicas incluídos nestas três grandes famílias de abordagem64 é o fato de todos partirem de perguntas essencialmente qualitativas” (idem, grifo do original). Nesse sentido, para este estudo, dada a natureza da problemática apresentada, a saber, a formação da

identidade profissional das professoras e dos professores que ministram a disciplina de Sociologia no Ensino Médio das escolas públicas e estaduais da cidade de Santa Maria, optou-

se, na qualidade de método, pela pesquisa qualitativa.

Destaca-se que a escolha pelo objeto e seu recorte se deu, como já destacado na introdução, por anseios em compreender como os professores que ministram a disciplina de Sociologia lidam com seus percursos formativos bem como de que forma, tendo formação específica na área ou não, vivenciam suas identidades laborais. Considera-se a disciplina de Sociologia de uma particular importância, visto que por meio dela é possível fazer com que alunos compreendam melhor o meio onde vivem. A escolha pelas escolas público-estaduais se deu em razão de que ela atende uma significativa parcela da população. Além do mais, entende- se o Ensino Médio como um nível privilegiado de observação justamente pelo fato que é nele onde se bifurcam dois caminhos na vida dos estudantes, os quais professores precisam lidar, a saber, o mundo do trabalho ou do Ensino Superior.

Enfim, no tocante a perspectiva qualitativa, entende-se que ela satisfaça demandas um tanto quanto específicas. Levando em consideração Günther (2016) se apoiando em Flick, von Kardoff e Steinke (2000), as bases teóricas da pesquisa qualitativa são que “a) a realidade social é vista como construção e atribuição social de significados; b) a ênfase no caráter processual e

62 “A obediência incondicional a um organon de regras lógicas tende a produzir um efeito de ‘fechamento

prematuro’, fazendo desaparecer, para falar como Freud, ‘a elasticidade nas definições’, ou, como diz Carl Hempel, ‘a disponibilidade semântica dos conceitos’ que, pelo menos em certas fases da história de uma ciência ou do desenrolar de uma pesquisa, constituem uma das condições da invenção” (idem, p. 18, grifo do original)

63 Faz-se questão de destacar que se entende por métodos “um conjunto de procedimentos e técnicas para coletar

e analisar dados”. Esta definição do termo se encontra em Anselm Strauss e Juliet Corbin no livro Pesquisa

Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (2008), mais precisamente

na página 17.

64 Günther está se referindo à observação participante; a criação de circunstâncias artificiais para observar o

comportamento humano; e o questionamento “às pessoas sobre o seu comportamento, o que fazem e fizeram e sobre os seus estados subjetivos, o que, por exemplo, pensam e pensaram” (2006, p. 201).

na reflexão; c) as condições ‘objetivas’ de vida tornam-se relevantes por meio de significados subjetivos”; e por último, mas não menos importante, que o “d) caráter comunicativo da realidade social permite que o refazer do processo de construção das realidades sociais torne- se ponto de partida da pesquisa” (idem, p. 202, grifo do original). Sendo assim, a pesquisa qualitativa se envolve, “nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado” (MINAYO, 2009, p. 21).

Haguette (2010, p. 59) apontou três conjunturas nas quais se priorizam ênfase a índices qualitativos, a saber, “situações nas quais a evidência qualitativa substitui a simples informação estatística relacionada a épocas passadas”; contextos em que a “evidência qualitativa é usada para captar dados psicológicos que são reprimidos ou não facilmente articulados como atitudes, motivos, pressupostos, quadros de referência”, etc.; e finalmente as circunstâncias nas quais “simples observações qualitativas são usadas como indicadores do funcionamento complexo de estruturas e organizações complexas que são difíceis de submeter à observações direta”.

Já no que diz respeito a coleta de dados, Günther (idem, p. 203) afirmou que “o fato de se levar em conta mais explicitamente os valores e os demais atributos do pesquisador requer, por parte da pesquisa qualitativa, maior detalhamento dos pressupostos teóricos subjacentes, bem como do contexto da pesquisa”. Logo, a discussão teórico-metodológica proposta aqui nesta pesquisa irá se fundamentar por meio da pesquisa bibliográfica na literatura especializada dos temas. Para tal decidiu-se por livro, capítulos de livros, dissertações, revistas científicas, entre outros (DESLANDES, 2009, p. 50-51).

Antes de passar às técnicas, gostaria de lançar mão de uma citação que se considera um sintetizador dessas perspectivas até agora mencionadas acerca da pesquisa qualitativa – além de acrescentar alguns elementos. Conforme Anselm Strauss e Juliet Corbin (2008, p. 23, grifos meus),

com o termo “pesquisa qualitativa” queremos dizer qualquer tipo de pesquisa que produza resultados não alcançados através de procedimentos estatísticos ou de outros meios de quantificação. Pode se referir à pesquisa sobre a vida das pessoas,

experiências vividas, comportamentos, emoções e sentimentos, e também à pesquisa

sobre o funcionamento organizacional, movimentos sociais, fenômenos culturais e interação entre nações. Alguns dados podem ser quantificados, como no caso do censo ou de informações históricas sobre pessoas ou objetos estudados, mas o grosso da

análise é interpretativa. [...] Ao falar sobre análise, referimo-nos [...] ao processo não-

matemático de interpretação, feito com o objetivo de descobrir conceitos e relações nos dados brutos e de organizar esses conceitos e relações em um esquema explanatório teórico. Os dados devem consistir de entrevistas e de observações, mas também devem incluir documentos, filmes ou gravações em vídeo, e mesmo dados que tenham sido quantificados para outros fins, como dados do censo.