• Nenhum resultado encontrado

Nesta dissertação, delimitei a investigar o grupo popular União de Mães de Anjos com 300 mulheres associadas. Com isso, para análise, fiz um recorte com três trajetórias que pudessem dialogar com outras histórias e evidenciasse a heterogeneidade presente nesse contexto pesquisado. As histórias foram selecionadas após um levantamento em minha primeira participação no encontro da UMA que aconteceu de 8 até às 16 horas do dia 28 de maio em um clube na cidade do Recife.

As mulheres selecionadas têm características diversas, desde a cor, classe social, nível escolar, idade e religião. Elas aceitaram participar da pesquisa e estiveram cientes de que não tinham obrigação com a mesma e a qualquer momento poderiam solicitar a saída do trabalho sem acarretar problemas de quaisquer natureza. Afinal, é um campo delicado e estava entrando em um momento das suas vidas em que suas preocupações tinham outros direcionamentos.

Busco assim entender as suas experiências através das trajetórias dessas mulheres e mães selecionadas e participantes desse grupo. Acompanho Suely Kofes (2015), que sublinha o valor do relato como significativo para o nativo, expressado a partir do questionamento do antropólogo. Logo, tanto a etnografia quanto a história de vida estão justapostas e respondem a inquietações, além de marcar uma experiência de alteridade, permitindo aproximar-se da linguagem e, dos modos de ser e pensar das interlocutoras em questão.

Seguindo Latour (2012), tratei de rastrear e retraçar as intricadas teias de significado e trajetórias de vida dessas mulheres-mães e as formas como elas constroem as noções e representações em torno da maternidade. Com a possibilidade de avaliar as trajetórias de vida, isto é, associado à análise etnográfica no percurso biográfico dos sujeitos investigados, desejo contribuir para a compreensão dos significados e sentidos experienciados por essas mulheres no que diz respeito à maternidade, ativismo e doença. Para isso, adotando a ideia de ator-rede de Latour, consegui encontrar a UMA a partir de Claudia, e se tivesse conhecido outra mãe de bebê com microcefalia em Pernambuco, havia grande possibilidade de te chegado até o grupo, já que Claudia conta que tem uma

equipe nos hospitais em que busca realizar um cadastro de todas as mães com filhos diagnosticados com a doença.

Para a realização deste trabalho, realizei uma etnografia em movimento, com observações in loco10 (encontros da UMA, residências, redes sociais e mídia – jornais, revistas, vídeos), ou seja, em espaços sugeridos e ocupados pelas interlocutoras - deixo claro que essas escolhas são negociadas com as pesquisadas. Anotações no caderno de campo, entrevistas e conversas informais também complementam os procedimentos para a produção de dados etnográficos. Sempre munido dos preceitos éticos antropológicos, busco corresponder às negociações, autorizações e fidelidade aos dados obtidos. De acordo com Diniz (2016), as reportagens nos ajudam a posicionar e marcar temporalmente os acontecimentos que ocorreram como uma avalanche como designados a seguir: epidemia de Zika; epidemia de microcefalia (com causa misteriosa); confirmação médica da correlação entre Zika e microcefalia; nova denominação para a doença (Síndrome Congênita do Zika); criação da UMA e assim sucessivamente. Mesmo após a finalização do trabalho de campo no mês de outubro, vem surgindo novas informações e descobertas que este trabalho não será apresentado, sobretudo para dar conta da análise dos dados já obtidos.

Acompanhei as interlocutoras juntos aos espaços que ocupavam, virtualmente, onde a UMA se utiliza de uma página na rede social para divulgar os direitos conquistados, ou em outros espaços de reivindicação de políticas públicas junto ao Estado. Adotando o método de “observação participante”11. Roy Wagner (2010) afirma que o antropólogo constrói uma realidade a partir de sua experiência. Apresentando o texto etnográfico como uma perspectiva do pesquisador, assim como “o epistemólogo considera o “significado do significado”; ou como o psicólogo pensa sobre como as pessoas pensam, o antropólogo é obrigado a incluir a si mesmo e seu próprio modo de vida em seu objeto de estudo, e investigar a si mesmo” (p.28).

Minha inserção em campo, dá-se por meio da minha participação nos encontros da UMA; sou integrante em 15 grupos no Facebook (Amamos quem tem microcefalia; Microcefalia não é o fim, Microcefalia, especial é ser especial; entre outros) composto por mães e pais de todo o Brasil, criados após o surto do Zika. Sou membro do grupo dos pais no Whatsapp denominado “Pais de Anjos” - por me apresentar socialmente como do

10 Está agendado para o mês de julho e agosto, entrevistas nas residências das interlocutoras e acompanha-las aos hospitais e manifestações de reivindicação da UMA.

sexo masculino, não permitiram a minha participação no grupo das mães. Entretanto, as mulheres que venho acompanhando dialogam comigo e relatam suas rotinas via Whatsapp em conversas particulares12 (individuais). Ainda para a produção de dados e contextualização desse campo, a pesquisa abrange as notícias (jornalísticas), tanto televisivas e impressas quanto os presentes no ciberespaço.

A produção de dados referentes a utilização desse campo virtual, proporciona o estabelecimento de uma relação entre o pesquisador e interlocutoras, nos aproximando no tempo e espaço. Haja visto que, moro em João Pessoa e realizo pesquisa em Recife (Aproximadamente 122 KM de distância), as conversas informais que mantemos nesse instrumento, não podem deixar de serem consideradas, em particular no mundo contemporâneo, onde a utilização da internet (para vários fins) está presente na vida dos nativos. Esta pesquisa não tem sido realizada exclusivamente no campo online, mas sim em conciliação ao meio off-line. De acordo com Miller e Slater (2004):

A etnografia carrega um senso de observação in situ. Ela invoca um envolvimento hermenêutico que constitui um processo dialógico de aprendizado e compreensão cultural - como na famosa demanda de Clifford Geertz (1973) de que sejamos capazes de distinguir uma piscadela de um tique ao conseguirmos entender o que está sendo dito. E isso geralmente requer a pressuposição sobre a racionalidade, no sentido mais amplo, do que está se passando: de que o que as pessoas fazem tem sentido para elas e deve ter para nós. O ponto é que nenhum desses compromissos implica imediatamente uma posição específica sobre a questão da pesquisa on-line versus a pesquisa off-line. Ao invés, demandam uma atenção reflexiva sobre como esses compromissos devem ser honrados em termos das questões, condições e "contextos" particulares da pesquisa (p.45).

Se nesse trabalho, eu busco compreender os sentidos de maternidade em um contexto específico de doença, o que faz sentido para as minhas interlocutoras precisa fazer sentido para mim. Estou querendo dizer, que se a internet é o meio que elas ocupam e por meio desta buscam visibilidade da sociedade civil, particular do poder público, nada mais apropriado que investigar as produções de significados nesses instrumentos. Incluindo ainda o Whatsapp, sendo um meio de interação social e que possibilita uma aproximação entre mim e a interlocutora, o que geograficamente nos tornava distante, virtualmente nos aproxima e me permite estar em contato com elas.

O Whatsapp foi o instrumento utilizado para comunicação entre as participantes, contribuindo para a organização e mobilizações da UMA, com mulheres que

encontraram-se vivendo um momento em comum, com sentimentos e aflições sobre um mesmo evento. Este instrumento foi crucial para a saída das mulheres do ambiente doméstico (privado) e leva-las para as ruas (público). Voltarei a discutir a dimensão público e privado posteriormente. É importante enfatizar que este instrumento tecnológico, e hoje muito utilizado para fins de pesquisas científicas13, também resultou nesta. Este meio foi sugerido pelas mães, em suma, mandavam áudios e fotos.

Desta forma, o Whatsapp possibilita o envio das conversas (mensagens de textos e de voz, fotografias, vídeos) para o e-mail, assim enviava e armazenava em uma pasta de arquivos relacionados à pesquisa. Além disso, todas os dados produzidos no cyberespaço (notícias, fotos, vídeos), também eram armazenados para análises. Realizava printscreen14 das postagens nos grupos do Facebook que julgava relevante, copiava os links dos sites que noticiavam dados importantes para a compreensão da realidade epidêmica. Esse conjunto de acesso possibilitou a produção dos dados e a correlacionar com os discursos e representações das mulheres investigadas.

Os membros dos 15 grupos do Facebook compartilhavam informações e matérias sobre as descobertas científicas do campo médico, as mulheres trocavam informações a respeito da infecção causada pelo vírus, e os ricos de engravidar nesse período. Profissionais da saúde, também integravam o grupo e divulgavam serviços especializados por baixos preços para mães de bebês portadores da síndrome. Claro que acompanhar 15 grupos é um desafio pela quantidade de pessoas envolvidas, inclusive participantes de vários países. Afinal, o meu objetivo destina-se a entender os sentidos produzidos da maternidade, os grupos contribuíam para uma apreensão das representações construídas entorno da Zika.

As conversas do Whatsapp eram caracterizadas por mensagem de voz. Maria José foi umas das mães que preferia conversar por áudios, na justificativa de que tinha dificuldade em escrever, revelando o seu nível de escolaridade. Por outro lado, eu argumentava a importância para a pesquisa de entrevistas presenciais, as três interlocutoras analisadas nessa pesquisa, levantavam problemas principalmente como a falta de tempo por dedicarem-se ao cuidado com o filho e em paralelo ao trabalho. A dificuldade dos encontros presenciais é justificado pela falta de tempo, conforme é

13 Segundo as interlocutoras, pesquisadores (médicos) de outras regiões do país acompanham essas mulheres por meio de redes sociais.

14 Foto da imagem do computador, realizado por uma tecla PrSc/SysRq localizada ao lado do F12 no teclado. Quando a tecla é pressionada, automaticamente produz imagens da tela.

cunhado nos discursos das mães. Buscava vencer a diferença de gênero e possíveis impedimentos por esse marcador, expressando interesse em entrevistar os seus cônjuges, quando casadas- no entanto, não houve nenhum problema dos pais por esse motivo. Ao contrário, os que estavam presentes do encontro e o marido de Dona Maria José que fora por mim entrevistado, foram sempre prestativos e disponibilizavam-se em colaborar.

Como bem pode ser notado, me apropriei de ferramentas da tecnologia digital (mídia digital) para a produção de dados nessa pesquisa. Para Dornelles (2004), o âmbito online/off-line influencia na socialização dos sujeitos. O contato online dá-se nas redes e o off-line a convivência cara a cara, logo o ciberespaço deixa de ser um simples espaço de comunicação e possibilita o compartilhamento de informações e o trânsito dos sujeitos por espaços variados em uma conexão virtual com um outro sujeito com quem se cria um vínculo através das redes.

A internet e as redes sociais foram instrumentalizadas como estratégias para efetuação dessa pesquisa. Acompanhando mais uma vez a ideia de Latour, optei por investir e seguir as redes das mães, nos espaços por elas ocupados e de atuação numa linguagem de “bioativismo materno”15. Se para essas mulheres o meio virtual fazia sentido como um ambiente de interação entre elas e de uma provável obtenção de visibilidade, apropriar-me dele em meu favor fez toda a diferença. Nas redes virtuais algumas interseções entre religião e ciência, por exemplo, ficavam mais claras e manifestas em fotos, vídeos e textos postados. A cosmologia materna dessas mulheres engendra em suas categorias nativas simbolismos - como será apresentado no próximo capítulo. A religiosidade está presente nas produções de metáforas para a enfermidade SCz, e a ciência pelos itinerários terapêuticos; estes dois pontos podem ser percebidos nas dimensões tanto do real quanto do virtual, um não excluindo o outro, complementaram-se e facilitaram minha assimilação.

Para Geertz (1978) “o homem é um animal amarrado à teias de significado que ele mesmo teceu. Portanto, a cultura deve ser entendida como uma ciência interpretativa, não em busca de leis, mas à procura de significados” (p.15). Para a concepção destes sentidos produzidos por essas mães, como “anjos”, “missão” e “ser especial” é importante não entende-los como significados dados, para isso como Geertz argumenta, é necessário um esforço intelectual para descontruir e construir uma análise sobre essas representações e experiências. No discurso médico, a afirmação constante da frase “Não

é só microcefalia” pode nos revelar ainda, que não se faz referência somente a uma doença considerada nova – a Síndrome Congênita do Zika- mas também a realidade e desigualdades que estão por trás dessa enfermidade.