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Migração feminina e a reestruturação do (s) modelo(s) familiar(es) cabo verdiano(s).

No documento Maria Celeste Monteiro Fortes (páginas 194-198)

ter a mesma vida da minha mãe.”

5.1. Migração cabo verdiana: despertar do “destine de um kriol”.

5.1.2. O lugar das mulheres cabo-verdianas na migração secular cabo-verdiana: o género como princípio organizador das migrações.

5.1.2.3. Migração feminina e a reestruturação do (s) modelo(s) familiar(es) cabo verdiano(s).

Os investigadores que têm centrado os seus trabalhos nas dinâmicas de relações de género entre cabo-verdianos em Cabo Verde e nos contextos migratórios chamam atenção para a necessidade de se olhar para a emigração feminina cabo- verdiana como um dos fatores (re) estruturantes dos modelos de relações de género e familiares cabo-verdianos (Lobo, 2008; 2012; Rodrigues, 2007; Giuffré, 2007, Grassi e Évora, 2007; Akesson, 2009; Miranda, 2009; Drotbohm, 2010; Akesson, Carling & Drotbohm 2012).

Constata-se que as migrações protagonizadas por mulheres ou por outros membros da família são movimentos que desafiam os modelos teóricos utilizados pelas ciências sociais no estudo da família (relações familiares) e do parentesco, por muitas vezes, não contemplarem forças de mudança como a migração de vários membros de uma família.

A análise dos impactos da migração feminina sobre os modelos de organização familiar, tanto em Cabo Verde, como entre os cabo-verdianos na migração, implica

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procurar respostas a múltiplas questões, destacando o lugar e o papel ativo das mulheres na introdução de novas lentes para a compreensão dos múltiplos modelos de organizações familiares presentes entre os cabo-verdianos.

Vimos como se dá a vivência dos múltiplos modelos de organização familiar, a partir de Cabo Verde. Devido à necessidade de migrar para garantir condições de vida estáveis ao agregado familiar, a saída constante de homens e mulheres de Cabo Verde leva à “invenção” de relações familiares transnacionais que desafiam a presença física dos pais, como principio base de educação dos filhos, que passam a contar com novos membros da família no pais de origem como as figuras centrais na educação dos filhos. No geral, as investigações têm vindo a mostrar que a ausência física dos pais abre caminho para a organização de dinâmicas familiares transnacionais marcadas por custos e sentimentos antagónicos de ausência, perda e satisfação das obrigações enquanto pais. Por outro lado, e fazendo uso das vantagens trazidas pelos incríveis avanços nas tecnologias de comunicação e de transporte, os membros destas famílias desenvolvem múltiplas estratégias para manterem os laços familiares transnacionais (Bryceson e Vuorela, 2002; Chamberlain, e Leydesdorff, 2004; Chamberlain, 2004; Baldassar, Baldock, Wilding, 2006; Trovão, 2010).

Assim, estas famílias transnacionais são caracterizadas como tendo capacidades e recursos emocionais e materiais para suprimirem as dificuldades impostas pela separação e distância física que lhes é imposta pela emigração de alguns membros, a fim de poderem dar continuidade às pertenças familiares e gerirem as suas vidas enquanto famílias e questões quotidianas para impedirem o rompimento dos laços coletivos.

Do lado das mulheres, as investigações têm vindo a salientar que as estratégias desenvolvidas pelas mães emigradas permitiu a criação de novos esquemas de relações entre mãe-filho conceptualizando-as como sendo maternidade transnacional (Hondagneu-sotelo e Ávila, 1997).

Desta forma, este novo modelo de participação da mãe na educação e sustento dos filhos e na criação de laços familiares transnacionais apresenta formas

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contemporâneas de práticas de maternidade que questionam bases teóricas e conceptuais utilizadas pela antropologia, sobretudo a antropologia do parentesco.

O desafio é de sempre tomar a maternidade como uma construção social e histórica e, por isso, como resultado de expectativas sociais de papéis que são atribuídas às mulheres como mãe. As mulheres cabo-verdianas (não sendo apenas vitimas ou apenas heroínas) respondem a estas expectativas e aos constrangimentos estruturais criando várias estratégias.

A migração tem sido o canal pelo qual muitas conseguem garantir as suas “obrigações” e trazem, no regresso definitivo ou para férias, contribuições materiais e simbólicas que também podem influenciar dinâmicas de relações de género e de poder entre aqueles que não migraram (Grassi 2003, 2005, 2007; Giuffré, 2007; Rodrigues, 2007; Akesson, 2009; Drotbohm, 2010; Akesson, Carling & Drotbohm 2012). Isto é, uma das formas de captar o papel criativo e dinamizador das mulheres cabo-verdianas na construção de pertenças diaspóricas e transnacional cabo-verdiana é combinar estes papéis sociais das mulheres enquanto cuidadoras da família (tanto dos mais velhos como dos mais novos) com a continuação da prática destes mesmos papéis, mesmo depois da migração.

No novo contexto migratório, os cuidados com os familiares que ficam em Cabo Verde são garantidos através da satisfação de pedidos de ajuda e do cumprimento de obrigações e expectativas que recaem sobre estas mulheres migrantes.

Estas expectativas são “satisfeitas” através do envio de bens materiais que se podem englobar em três categorias: dinheiro, comida e vestuário (Akesson, 2009; Drotbohm, 2010; Akesson, Carling & Drotbohm 2012) e ajudam a ensaiar a aplicação do conceito de transnacionalismo dos afetos e das emoções proposto por Honganeu- sotelo e Ávila (1997).

Esses bens, apesar de serem materiais, transportam também a ligação emocional e afetuosa com os que ficaram em Cabo Verde. É neste sentido que se pode afirmar que nas relações que se constróem à distância, estes bens têm vários significados (simbólicos/identitários). Isto significa mostrar aos que ficaram que o projeto migratório tem valido a pena, tanto para si, como para o desempenho das

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expectativas grupais, e, assim, refrear alguns conflitos que poderão ter surgido antes ainda deste projeto se ter concretizado. Significa, também, a construção de uma imagem de si valorizada e positiva para refrear angústias e medos pessoais que decorrem do projeto migratório e, por fim, a conquista de novos capitais (económicos, culturais, simbólicos, físicos/eróticos) que podem ser manejados nas relações de género como algo de vantajoso para si e que legitima as tais dinâmicas e estratégias de procura de renegociação dos papéis e padrões de género trazidos de Cabo Verde, etc.

A partir das migrações, fica claro que os modelos de relações familiares no contexto cabo-verdiano devem ser (re) pensados à luz de novas dinâmicas locais e transnacionais. Estas dinâmicas são manejadas e ativadas perante situações contextuais, o que, do ponto vista metodológico, exige que se tenha em consideração a ecologia cultural, de origem e de acolhimento, e os espaços de circulação destes atores migrantes e dar voz à forma como estes definem e se relacionam com conceitos como: machismo, patriarcado, matrifocalidade, família, paternidade e maternidade.

É inquestionável que a saída de muitas mulheres dos seus contextos familiares não lhes retiras o papel que muitas têm de garantia do sustento das famílias. Mesmo à distância, muitas mulheres cabo-verdianas que deixaram os seus filhos aos cuidados de familiares, sobretudo de outras mulheres da família, criam e desenvolvem inúmeras estratégias para manterem o seu lugar de mães (Akesson, 2009; Drotbohm, 2010; Akesson, Carling & Drotbohm 2012).

Contudo, a ausência física, que se espera temporal, é facilitada pela existência de redes de apoio, constituídas sobretudo por mulheres, e que colocam mulheres da família no exercício de papel de mães (Lobo, 2008, 2012).

As avós são as figuras de destaque, o que significa dizer que, quando as mães emigram, são as suas mães (avós) que cuidam dos seus filhos; claro que outros membros da casa podem ter este papel de cuidar, mas a responsabilidades são das avós, registando-se situações frequentes em que são, inclusivamente, chamadas de mãe pelos seus netos.

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No documento Maria Celeste Monteiro Fortes (páginas 194-198)