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“A mudança para outra sociedade e cultura coloca em xeque o modo de ser, o de ver o mundo, o de se ver e o de se relacionar, trazendo à tona a questão de quem se é” (Dantas, 2010, p.115). Sob tal reflexão, permite-nos compreender que as pessoas pertencem e crescem em uma mesma cultura, compartilham de uma “memória” em comum e de um quadro de referências que constituem a sua identidade; Isto nos remete a ideia do universo simbólico, que para Dantas, Ueno, Leifert e Suguiura (2010), estabelece um aliança entre as pessoas.

Concebe-se, portanto, a identidade como identificações em curso, as quais são adquiridas inicialmente através das figuras primárias por meio do afeto (Santos, 2001). Tais noções configuram um caráter relacional, dinâmico e de construção. Além disso, a identidade pode ser imbuída de um valor contrastivo, haja vista que pressupõe o reconhecimento da alteridade para a sua afirmação, ou seja, um contexto que define algo em relação ao qual eu, por contraste, consigo definir quem sou (Dantas & cols, 2010). Hall (2003) enfatiza que a identidade só se torna uma questão quando está em crise, quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza.

Assim, aponta-se que o fenômeno migratório pode se tornar um desencadeador de crises identitárias, uma vez que por meio das diferenças étnicas entre a própria cultura e a outra desconhecida que passa a constituir-se o meio no qual o indivíduo se insere, o universo simbólico da pessoa é abalado por meio das rupturas desencadeadas.

Por todos esses motivos, Phinney (2004) destinou seus estudos à formação das identidades bi ou multiculturais que os sujeitos experienciam nos processos migratórios. Denominou como identidade nacional o sentimento de pertença, de fazer parte de um país ou estado soberano podendo mudar quando sai do país de origem e adquire uma nova cultura; enquanto que a identidade étnica é entendida como uma herança ancestral como os sentimentos e laços comuns compartilhados (cultura, parentesco, religião, etnia), constituintes do universo simbólico do sujeito. O autor ressalva que um sujeito pode ter identidades bi ou

multiculturais quando há uma combinação entre sua identidade étnica e cultural a qual ele estiver inserido.

Destaca-se também, que a formação das identidades multiculturais ocorre ao longo de ciclos dinâmicos compostos por fases que se repetem, num processo ativo que não é conferido somente pela idade, mas que deriva do contexto, das relações e do envolvimento entre os próprios sujeitos (Phinney, 2004).

A partir dos estudos de Erikson (1968) e de demais representações existentes acerca da identidade, delineou-se um modelo constituído por três etapas, a saber: a fase da não-exploração, da exploração e da “identidade adquirida”. A primeira configura-se como a ausência de uma reflexão crítica em relação às questões de sua identidade (valores, crenças religiosas, estilo de vida, etc.), possivelmente pelo fato da pessoa não ter sido confrontada às mesmas questões. A fase posterior, estágio da exploração, compreende o momento de crise. Tal estágio pode ser decorrente do ciclo vital, como a fase da adolescência ou advinda por situações de mudança social, como exemplo, a migração, uma vez que os eventos mobilizam questionamentos e confrontos identitários. Posteriormente, na fase da “identidade adquirida”, a pessoa negocia melhor entre as duas culturas, a partir de suas escolhas e experiências. Este estágio confere uma estabilidade revigorante e uma posição caracterizada pela completude e iniciativa (Dantas et al, 2010). Todavia, denomina-se identidade “adquirida” colocada entre aspas, pois é compreensível que a construção identitária é contínua e dinâmica, estando sempre em transformação. Na observância de diversas situações que permeiam as construções identitárias, Barros, Roos, Badia, Hernández e Honório (2013) destacam a formação das identidades familiares que permeiam e se estabelecem a partir das migrações. Os autores compreendem que a identidade familiar abarca a soma das identidades de seus membros e das gerações passadas, conferindo assim, a transmissão das heranças familiares. Estas heranças são fundamentais para a manutenção da coesão familiar e para a criação de significados comuns; todavia, a partir do evento migratório, há um confronto entre as características fundantes do núcleo familiar em contraposição à cultura majoritária.

Tendo como pano de fundo estes parâmetros, é conveniente contextualizar os processos familiares a partir da experiência migratória, especialmente no que tange a concepção de família e suas configurações, o ciclo vital familiar, bem como as dimensões psicossociais da migração na dinâmica da família e as redes sociais que integram o sistema familiar.

3.8 Conceito de Família e suas Configurações

Ao abordar as dimensões psicossociais decorrentes da migração no âmbito familiar, torna-se conveniente esclarecer inicialmente alguns conceitos aqui adotados, como norteadores da problemática instaurada. Neste sentido, propõe-se definir e clarificar o que compreendemos por família, estrutura e dinâmica familiar.

A família sendo o grupo social primário de apoio é compreendida à luz da perspectiva sistêmica, como um sistema social e ativo, em constante transformação que se altera com o passar do tempo para assegurar o desenvolvimento da família como unidade e, ao mesmo tempo, assegura a diferenciação de seus membros. Tem como finalidade promover a sobrevivência e a socialização de seus integrantes (Osório, 1996; Andolfi, Menghi e Nicolo-Corigliano, 1984; Biassoli-Alves, 2004).

Duas tarefas que a família desempenha consistem na coesão no sentido de fornecer o pertencimento e acolhimento aos membros, e na diferenciação, uma vez que por meio da separação individual e do processo emancipatório de seus integrantes, é responsável pelo processo de socialização primária das crianças e dos adolescentes (Schenker & Minayo, 2003). Em vista disto, a família tem como finalidade estabelecer formas e limites para as relações estabelecidas entre as gerações mais novas e mais velhas, com vistas à adaptação dos sujeitos às exigências do conviver em sociedade (Simionato-Tozo, 1998; Pratta & Santos, 2007).

Para Nascimento (2007), a família é considerada o primeiro e mais importante grupo social, concebida como um sistema vivo, ativo, complexo, em constante movimento, que promove a sobrevivência e a socialização de seus membros; sendo responsável pela nutrição alimentar, proteção, desenvolvimento, apoio emocional e pela transmissão de valores éticos, estéticos, culturais e espirituais, além de ser o primeiro espaço para o exercício da cidadania, assumindo assim, funções biológicas, psicológicas, pedagógicas e sociais.

A instituição familiar, é vista, portanto, como a célula inicial e principiante da sociedade na maior parte do mundo ocidental (Biasoli- Alves, 2004), como também, o núcleo central da organização humana e a unidade básica da interação social (Osório, 1996). Sobre isto, Wagner (2002) pontua que independente da estrutura, concepção e configuração, a família é acima de tudo, o palco em que se vivem as emoções mais intensas e marcantes da experiência humana. É o lugar onde é possível a