• Nenhum resultado encontrado

4. Prática pedagógica de coadjuvação letiva

4.1 Miguel (5º grau)

Tecnicamente, notei no Miguel, logo desde o início, alguma falta de competências básicas em termos da posição da mão esquerda e outras questões de mão direita. Apesar de apresentar uma boa postura do tronco, ombros e braços, a mão esquerda apresentava-se por defeito de forma oblíqua em relação à escala da guitarra (isto é, os nós dos dedos não estavam todos à mesma distância do braço da guitarra, sendo o do dedo indicador o mais próximo) e o polegar, em vez de se posicionar no braço da guitarra de forma diretamente oposta às cordas, aproximava-se da 6ª corda por rotação do pulso (dificultando assim a ação dos outros dedos da mão esquerda). O aluno apresentava também bastantes dificuldades na realização de barras (usando, quando possível, os dedos 1 e 2 em vez de apenas 1).

102

O Miguel apresentava uma leitura um pouco abaixo do que esperava para um aluno de 5º grau, cometendo, por exemplo, erros básicos relacionados com as alterações de notas (esquecendo que as alterações vigoram por um compasso) apesar de, ritmicamente, ter poucas dificuldades. No mesmo sentido, a capacidade de ler acordes e identificar a digitação correta ou ideal (mesmo quando esta é bastante típica na prática guitarrística) era lenta e débil apesar do aluno aperceber-se facilmente dos erros que cometia quando o resultado harmónico era incoerente.

No que toca à expressividade, este aluno tinha também várias dificuldades uma vez que o seu espectro de dinâmicas era muito reduzido, especialmente no campo das dinâmicas forte, e pouco trabalhado. O Miguel tinha também bastantes dificuldades em realizar uma articulação ligada em melodias com valores rítmicos relativamente curtos, como se pôde evidenciar, por exemplo, nas diminuições da peça “Can she excuse” de J. Dowland. Tudo isto estava relacionado com o tamanho das unhas que o aluno mantinha, que era demasiado reduzido e que limitava não só a qualidade do som produzido como também o leque de articulações e timbres disponíveis.

A maior dificuldade do aluno era a manutenção de hábitos de estudo atentos e ponderados. Dos resultados observáveis em sala de aula, que eram frequentemente nulos ou negativos de aula para aula, era notável a falta de estudo lento e com recurso a metrónomo, bem como o isolamento de passagens difíceis para estudar separadamente. Também o cuidado na leitura era demasiado pouco. Apesar da escolha das digitações fazer toda a diferença entre conseguir ou não executar uma passagem (influenciando também a quantidade de trabalho necessário para tal), o aluno não tomava a iniciativa de experimentar várias. Resistia também à alteração de digitações por mim sugeridas mesmo quando estas eram muito mais simples e/ou eficientes e quando substituíam outras difíceis e até erradas. Tudo isto parecia advir de falta de motivação para manter um ritmo de estudo mais constante e não concentrado nas últimas semanas de aulas (altura em que se realizam geralmente as audições e provas de final de período) apesar do aluno alegar falta de tempo para o fazer. No fundo, o gosto do aluno pelo instrumento pareceu-me muito superficial, uma vez que não estava disposto a realizar o trabalho necessário para progredir e prestava pouca atenção às minhas recomendações e sugestões (e às do professor Carlos

103

Abreu) durante a aula, parecendo distraído e tocando material não relacionado com as aulas, por vezes até enquanto lhe falava.

Tabela 13: Número de aulas e repertório trabalhado pelo aluno Miguel

1º período 2º período 3º período

Aulas

lecionadas 8 10 2

Estudos trabalhados

- Exercise 16 op. 35 (F. Sor) Estudo nº 6 (L. Brouwer) Estudio en forma de minueto (F. Tárrega)

Peças trabalhadas

Suite del Plata – Prelúdio,

Tango, Milonga e

Candombe (M. D. Pujol)

Can she excuse (J. Dowland);

Prelúdio BWV 999 (J. S. Bach)

-

Percurso

O Miguel foi um aluno com quem tive alguma dificuldade em trabalhar, sendo simultaneamente um desafio que me fez aprender muito e também causa de alguma frustração e desânimo. Este aluno já me tinha sido sinalizado pelo professor Carlos Abreu, que me explicou que precisava de mudar muito na sua maneira de estudar e que seria bom “ouvir os mesmos conselhos dados por outro professor”.

Mais importante do que a falta de bases técnicas que o aluno tinha, considerei como objetivo principal tentar incutir nele hábitos de estudo mais eficientes e eficazes do que os que mantinha. Para além de uma leitura e estudo superficiais das peças, só notei verdadeiro trabalho em poucas outras ocasiões – antes da audição e prova final de cada período, e em duas aulas no 2º período. Alegando o aluno falta de tempo para se dedicar ao instrumento, tentei perceber quais eram os seus hábitos de estudo, tanto em termos do tempo dedicado diariamente como dos métodos de estudo em si. Evitando pedir ao aluno que estudasse por períodos mais longos de tempo, tentei, várias vezes, explicar que era mais importante alterar a qualidade do seu estudo do que a quantidade. Foram poucas as aulas em que não referi a necessidade de: ter cuidado na procura das digitações mais eficazes; simplificar passagens difíceis com recursos como, por exemplo, a antecipação ou preparação de dedos; usar o metrónomo para regular a velocidade de estudo, que deveria

104

ser lenta; repetir várias vezes as mesmas passagens de forma a automatizar os movimentos; evitar apenas tocar as peças do início ao fim apenas corrigindo notas incorretas que surgissem.

Demonstrei estes procedimentos várias vezes no decorrer das aulas, explicando que são realizados também por músicos experientes e que, de outra forma, o tempo de estudo que o aluno dedicava não era produtivo e até poderia significar trabalho redobrado para corrigir todos os maus hábitos que automatizava.

Apesar de todo o esforço, o objetivo de mudar os hábitos de estudo do aluno não foi satisfatoriamente cumprido. Os conselhos parecem ter sido seguidos apenas uma vez, notando-se progressos significativos de uma aula para a seguinte. A razão para o fracasso prende-se, penso humildemente, não só com a minha pouca experiência com professor, como também com as motivações do aluno. Sendo o último ano que frequentaria o Conservatório por não pretender continuar os estudos musicais no Ensino Complementar, talvez não se sentisse motivado a fazer as alterações profundas por mim propostas.