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2. Revisão bibliográfica

2.2 Dificuldades desejáveis

2.2.3 O efeito de teste e a prática de recuperação

O estudo intensivo nas vésperas de um teste, lendo várias vezes as informações que devem ser memorizadas, produz realmente resultados rápidos. Infelizmente, à semelhança de

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outras formas de estudo já referidas, estes resultados são pouco duradouros. Num estudo de Karpicke e Roediger (2006b), três grupos de estudantes foram informados de que deveriam ler um texto e, posteriormente, iriam realizar um teste final sobre o mesmo. Um grupo leu o texto quatro vezes, em períodos diferentes (repeated study - SSSS). Outro leu- o três vezes e realizou um teste como forma de estudar (SSST) e o último leu o texto apenas uma vez, realizando três testes (STTT). Dos três grupos, foram selecionados alunos para realizar testes finais ou cinco minutos depois do período de aquisição ou uma semana depois. No teste imediato, o grupo que estudou repetidamente obteve os melhores resultados, seguido do grupo SSST e, finalmente, do grupo STTT. Porém, os resultados inverteram-se nos testes realizados após uma semana. O grupo STTT obteve os melhores resultados, seguido do grupo SSST e, com larga diferença, do grupo SSSS. No entanto, quando, antes dos testes finais, os grupos foram questionados relativamente à previsão que faziam do seu desempenho, o grupo SSSS revelou ser o mais confiante e o grupo STTT o menos. Novamente estamos perante uma estratégia de estudo ineficiente e ilusória e outra dificuldade desejável.

Em contexto académico, os testes ou exames são ferramentas geralmente pensadas e utilizadas como forma de avaliar conhecimentos. Porém, várias pesquisas têm vindo a demonstrar que os testes podem também ser utilizados nas aulas como estratégia de aprendizagem uma vez que

(…) the act of retrieving information is itself a potent learning event. Rather than being left in the same state it was in prior to being recalled, the retrieved information becomes more recallable in the future (…) As a learning event, in fact, it appears that a successful retrieval can be considerable more potent than an additional study opportunity, particularly in terms of facilitating long-term recall.4 (R. Bjork 1975)

4 O ato de recuperar informação é por si um potente evento de aprendizagem. Em vez de ficar no mesmo estado que estava antes de ser relembrada, a informação recuperada torna-se mais acessível no futuro (…) Como evento de aprendizagem, na verdade, parece que uma recuperação com sucesso pode ser consideravelmente mais potente do que uma oportunidade adicional de estudo, particularmente em termos de facilitar a memória de longo prazo.

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O efeito de teste refere-se, portanto, ao facto de que estudar alguma informação e, de seguida, realizar um teste de conhecimentos sobre o mesmo conteúdo é mais benéfico para a aprendizagem e retenção a longo prazo do que simplesmente voltar a estudar o material. Este efeito, apesar de relativamente pouco conhecido fora do âmbito da psicologia cognitiva, já vem a ser estudado desde os princípios do século passado (Gates 1917). A pesquisa que o aplicou no âmbito dos conhecimentos verbais concluiu que o mesmo é responsável por aumentar a retenção a longo prazo (em certos casos anulando o esquecimento) e até a transferência (Roediger and Butler 2011; Karpicke and Roediger 2008; Butler 2010; Karpicke and Roediger 2007b).

O efeito de teste não ocorre apenas em testes escritos. Aqui, a palavra “teste” deve ser entendida como recuperação/demonstração de conhecimentos que pode ser escrita, oral ou até mental (por exemplo, estudar recorrendo a flashcards ou recitando os conteúdos). O importante é que se trate de uma tentativa de recuperação dos conteúdos a memorizar sem que haja acesso externo aos mesmos - prática de recuperação. Apesar do efeito ser poderoso mesmo que o praticante não receba feedback no final (Butler, Karpicke, and Roediger 2008), os resultados são melhores se isso acontecer (Butler and Roediger 2008). Pesquisas recentes sugerem também que, quanto mais esforço houver para recuperar a informação, maior o benefício (Pyc and Rawson 2009) e que a tentativa de lembrar os conteúdos contribui para a sua retenção mesmo que a recuperação não tenha sucesso (Kornell et al. 2015).

Uma das formas de aumentar o esforço inerente à recuperação e, consequentemente, os benefícios da mesma, é provocar um espaçamento entre a exposição/estudo do material e a prática de recuperação. Este espaçamento permite algum esquecimento, o que, por sua vez, aumenta o esforço necessário para recuperar os conteúdos (Karpicke and Roediger 2007a). Novamente estamos perante uma prática de estudo contraintuitiva, onde o esquecimento pode ser usado para benefício da memória a longo prazo (Karpicke and Roediger 2008).

Tradicionalmente, os estudos sobre o efeito de teste têm sido realizados com textos ou listas de palavras como material de estudo ou em situações educativas relevantes

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(Roediger and Karpicke 2006c). O efeito que a prática de recuperação pode ter na aquisição de habilidades motoras permanece ainda bastante desconhecido. No entanto, um estudo realizado por Kromann, Jensen e Ringsted (2009) introduziu o efeito de teste em formações de socorro em situações de paragem cardiorrespiratória apesar de não fazer uso de um espaçamento entre a instrução e os testes para aumentar a dificuldade da recuperação. Ainda assim, a formação consistiu em 4 horas de instrução e treino no caso do grupo de controlo e 3,5 horas de instrução e treino e 30 minutos de testes no final no caso do grupo de intervenção. Os testes finais foram realizados duas semanas depois e os resultados foram significativos, tendo o grupo de intervenção superado o de controlo. Um estudo no ano seguinte, pelos mesmos investigadores, realizou o mesmo processo com o objetivo de averiguar se havia diferenças na retenção a longo prazo. Apesar de apresentar resultados não tão expressivos, o estudo sugeriu que os benefícios do efeito de teste podem durar até seis meses (Kromann et al. 2010).

Outros dois estudos realizados por Boutin, Panzer e Blandin (2012; 2013) que envolveram a reprodução de padrões de extensões e flexões do cotovelo do braço dominante dos participantes mostraram que o grupo de intervenção superou o grupo de controlo tanto a nível de retenção como transferência (generalização do movimento para o braço não- dominante).

Não excluindo outras componentes, uma performance musical, à semelhança da intervenção em caso de paragem cardiorrespiratória, consiste também na memorização de um conjunto de movimentos que devem ser executados sequencialmente. A prática de recuperação parece, portanto, ter potencial de aplicação no estudo de obras musicais. Apesar da investigação realizada aplicando o efeito de teste à aquisição de habilidades motoras ter mostrado resultados promissores, este efeito não foi ainda estudado no campo da música.

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