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O interventor é considerado autoridade federal com atuação limitada, mas sua responsabilidade pela execução de seus atos é civil. Para José Afonso da Silva (2005, p. 489):

O interventor é figura constitucional e autoridade federal, cujas atribuições dependem do ato interventivo e das instruções que receber da autoridade interventora. Suas funções, limitadas ao ato de intervenção, são federais. Mas também pratica atos de governo estadual, dando continuidade à administração do Estado nos termos da Constituição e das leis deste. Quando na qualidade de interventor, executa atos e profere decisões que prejudiquem a terceiros, a responsabilidade civil pelos danos causados (art. 37, §6º) é da União.

Como a Constituição Federal não dispõe expressamente sobre a natureza do cargo, o parágrafo único do art. 2º do Decreto 9.288/2018 concedeu um caráter militar ao cargo de interventor:

31 STF. Decisão do Ministro Dias Toffoli no Mandado de Segurança 35.535/DF. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=314778448&ext=.pdf> Acesso em: 18 nov. 2018 32 SUDRÉ, Lu. Temer planeja votar reforma da Previdência após as eleições. Brasil de Fato. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2018/09/27/temer-planeja-votar-reforma-da-previdencia-apos-as-eleicoes/> Acesso em: 13 nov. 2018

MUGNATTO, Sílvia. Proposta de votar reforma da Previdência já divide deputados. Agência Câmara Notícias. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/TRABALHO-E- PREVIDENCIA/564960-PROPOSTA-DE-VOTAR-REFORMA-DA-PREVIDENCIA-JA-DIVIDE-

Art. 2º Fica nomeado para o cargo de Interventor o General de Exército Walter Souza Braga Netto.

Parágrafo único. O cargo de Interventor é de natureza militar.

Contudo, pelo fato do cargo de interventor equivaler-se ao de governador, sua natureza é civil. Da mesma forma, o cargo de secretário de estado é um cargo civil, ainda que seja exercido por um militar. Portanto, não há impedimentos para que seja exercido por um, mas não escusando sua atuação civil. Nesse sentido:

A intervenção federal permite a substituição da autoridade política estadual pela federal, mas não a substituição da autoridade política civil por uma militar. O interventor adotará atos de governo e, por isso, a natureza do cargo é civil, ou seja, o interventor pode até ser militar, mas este ocupa temporariamente um cargo de natureza civil33.

Entretanto, se considerar o cargo de interventor como de natureza militar, abre-se a questão de qual a competência para o julgamento deste, se na Justiça comum ou militar.

O artigo 125 §4º da CRFB/88 determina a competência da Justiça Militar Estadual para o julgamento de crimes militares contra atos disciplinares militares, exceto se o crime for praticado por militares contra civis, nesse caso a competência seria do Tribunal do Júri.

Porém a Lei nº 13.491/2017, que alterou o Código Penal Militar, diferenciou a competência quando o crime for cometido por militar estadual ou por membros das forças armadas. Passou a vigorar, então, a redação transferindo o julgamento dos crimes dolosos de militares das Forças Armadas em atuações especiais contra civis para a Justiça Militar da União, in verbis:

Art. 1º O art. 9º do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código Penal Militar, passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 9º II - os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados:

§ 1º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri.

§ 2º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:

I - do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;

II - de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou

III - de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais:

33 ALMEIDA, Eloísa Machado de. Decreto de intervenção federal no Rio de Janeiro é inconstitucional. Disponível em: <http://www.justificando.com/2018/02/16/decreto-de-intervencao-federal-no-rio-de-janeiro-e- inconstitucional/> Acesso em: 13 nov. 2018

a) Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica; b) Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999;

c) Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar; e

d) Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral.

Essa mudança ganhou força devido ao papel das Forças Armadas militares estarem atuando cada vez mais nas áreas urbanas. Considerando a natureza militar concedido pela intervenção federal e em conjunto com a Lei nº 13.491/2017, estes acabam por transferir o julgamento para a seara militar, conflitando com o que a princípio deveria ser um cargo civil, além de estabelecer uma diferenciação no julgamento quando o mesmo crime for cometido por militares federais.

A Anistia internacional se posicionou contra essa norma, alegando uma possível violação ao princípio da parcialidade no julgamento, gerando impunidade dos crimes:

Caso a proposta seja aprovada, o Brasil violará tratados internacionais dos quais é signatário, obrigações que incluem a garantia dodireito ao julgamento justo, imparcial e independente34.

Também, o Escritório para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) emitiram uma nota contrária à aprovação da lei, no mesmo sentido da Anistia Internacional, questionando o julgamento imparcial nesse caso:

O Escritório para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) expressam profunda preocupação com a recente aprovação pelo Congresso brasileiro de um projeto de lei (PL 44/2016) que altera o Código Penal Militar para que homicídios dolosos de civis cometidos por agentes das Forças Armadas sejam julgados por tribunais militares. O ACNUDH e a CIDH têm argumentado há muitos anos que a investigação e o julgamento por tribunais militares de denúncias de violações de direitos humanos cometidas por militares, especialmente por supostas violações contra civis, impedem a possibilidade de uma investigação independente e imparcial realizada por autoridades judiciais não vinculadas à hierarquia de comando das próprias forças de segurança.

Os dois órgãos recordam que o Estado brasileiro ratificou vários instrumentos internacionais de direitos humanos que garantem a todas as pessoas julgamento por tribunais competentes, independentes e imparciais, tais como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos35.

34 ANISTIA INTERNACIONAL BRASIL. Ação Urgente: Proposta de lei pode deixar militares impunes. Disponível em: <https://anistia.org.br/entre-em-acao/email/acao-urgente-proposta-de-lei-pode-deixar-militares- impunes/> Acesso em: 13 nov. 2018

35 ESCRITÓRIO REGIONAL PARA AMÉRICA DO SUL DO ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS DIREITOS HUMANOS – ACNUDH. ONU Direitos Humanos e CIDH rechaçam de

Ademais, ainda que tenha existido a nomeação de um militar para o cargo de interventor, tal conduta não retira o aspecto civil da intervenção federal, pois isso acarretaria na inconstitucionalidade da intervenção.

De acordo com a tese de que o cargo de interventor possui natureza civil, o Ministério Público Federal emitiu uma nota técnica, na qual declarou:

Em hipótese alguma a previsão no decreto interventivo da “natureza militar” do cargo de interventor alterará a substância civil de sua atuação, inclusive para fins de definição da jurisdição competente para o controle de seus atos e sobre a sua responsabilidade. Qualquer interpretação que tente vincular o exercício da função de interventor com o desempenho de função estritamente militar será inconstitucional. A intervenção federal no Poder Executivo estadual é, por definição constitucional, de natureza civil e não pode um decreto instituir uma intervenção militar, sob pena de responsabilidade do próprio Presidente da República que o emitiu36.

Indo ainda de encontro com a negativa de competência da Justiça Militar, o MPF, na mesma nota técnica, sustentou também que devido a sua natureza civil, os atos do interventor, mesmo sendo exercido por um militar, não seriam atraídos pela competência da Justiça Militar, mantendo a competência do Tribunal do Júri.

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