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1. WRITERS’ ROOMS, HISTÓRICO E PARTICULARIDADES NORTE-

1.7 Mini-rooms: a tendência da mini-sala

Práticas tradicionais na TV norte-americana que antecedem o trabalho em Sala de Roteiristas estão sendo reconsideradas, como a concepção da ideia inicial da série seguida da elaboração da produção, e da realização do episódio piloto28 para, a partir dele, obter a avaliação de executivos do canal e iniciar de fato a produção da série (PRESS, 2018). Contando que o cenário televisivo encontra-se em constante mudança, os modelos de trabalho hoje consistentes e fundamentados em anos de experiência também passam por progressivos ajustes e adaptações. O modelo de Sala de Roteiristas - que agrega tendências em seu processo afim de contemplar tais mudanças de cenário - não é uma unanimidade, é uma tendência que segue o fluxo de produção e difusão da mídia televisiva.

O advento das denominadas mini-rooms, nos Estados Unidos, aqui traduzo para “mini-salas”, representa uma variação potencialmente sistêmica na forma como a TV é feita. As mini-salas oferecem a promessa de flexibilidade e redução de custos para estúdios e canais, enquanto aumenta as oportunidades de trabalho para jovens roteiristas (PRESS, 2018). O “mini” não se refere ao espaço físico da Sala, mas sim pode significar menos roteiristas na Sala como também um período mais curto para a escrita dos roteiros, ou ambos. Na prática:

Ao invés de gastar milhões de dólares em um elenco e em uma equipe para produzir um piloto, os executivos financiam uma Sala de Roteiristas menos onerosa onde um grupo menor de roteiristas geram alguns roteiros e um arco detalhado da história. Baseado neste material, as redes de televisão irão decidir se haverá mesmo

28 Protótipo da série, normalmente é o primeiro episódio da série (DOUGLAS, 2011). Pilotos são feitos

uma série ou se ela se encerra ali mesmo, antes de nascer. (PRESS, 2018, s/p, tradução minha)

Ou seja, a mini-sala é também um termo que se refere às Salas de Roteiristas que não possuem expectativas de que a séries será, de fato, produzida. São Salas de Roteiristas exclusivas para a fase de desenvolvimento do projeto da série, e não da série em si. Se for decido por produzir a série em questão, ela se iniciará diretamente após este processo, mas ainda não há garantia de que os roteiristas envolvidos na mini-sala desenvolvam os roteiros de toda a temporada.

As mini-salas, portanto, podem substituir a produção de um episódio piloto, já que somente com os roteiros é possível avaliar os aspectos necessários desta produção, visualizar a história e o seu desenrolar nos episódios - o arco da temporada – e o que, de fato, a série precisa ter para acontecer. “Trabalhar antecipadamente em cima do arco da história dá um maior e melhor senso do que a série precisa em termos de set, locação, elenco e todas as custosas variáveis para criar um mundo ficcional” (Ibid., tradução minha). Em entrevista para o artigo “Is This the End of the TV Writers’ Room as We Know It?” (2018) na revista Vanity Fair, o presidente de programação original do canal AMC relata que em um pitch29, quando uma ideia de

série o agrada, o próximo passo não é mais fazer um piloto e sim fazer uma mini-sala que irá gerar quatro ou cinco roteiros de episódios, o que normalmente equivaleria à metade de uma temporada. Os roteiristas envolvidos nesta mini-sala, ainda, devem entregar um documento adicional, indicando um possível caminho para uma segunda temporada. Este material garante aos executivos de canais uma minuciosa avaliação do potencial criativo e financeiro da série, sem a necessidade de investir dinheiro em um piloto tal qual o trajeto tradicional de uma série de TV norte-americana. É um modelo de trabalho e de criação de conteúdo essencialmente contraditório: de um lado, executivos e canais se beneficiam e elencam vantagens acerca da prática, de outro, roteiristas mais experientes julgam a estrutura do modelo como sendo instável e financeiramente desfavorável diante dos benefícios já conquistados pelos roteiristas- produtores que trabalham em Sala de Roteiristas. A precarização do trabalho do roteirista diante das mini-salas é discutido no meio, sobretudo pela WGA, ao mesmo

29 Defesa oral que o roteirista faz de sua série diante de compradores em potencial. Apresentação para

venda, onde o roteirista deve contar brevemente a sua história, ou simplesmente uma ideia, para um estúdio ou para produtores, showrunners, network... Pitch não possui tradução direta para o português. No Brasil, usamos a palavra em inglês.

tempo em que é balanceado, por ser também um novo caminho para o início da carreira de roteirista em uma complexa indústria.

Presumo que uma série vinda de uma mini-sala terá um reflexo na dinâmica de sua Sala de Roteiristas quando estiver sendo realizada, já que o arco da temporada está definido, e boa parte dos episódios escritos, portanto, o trabalho em Sala deverá ser mais curto do que o habitual e com menor envolvimento na etapa inicial de criar histórias. Outra consideração que faço neste momento é que a mini-sala não é diretamente e estritamente uma consequência do desejo da indústria televisiva em obter mais lucros. Ela é um claro reflexo do rápido crescimento desta indústria nos últimos anos, com maior oferta de canais, formatos e formas de assistir.

Em nossa era atual de TV, não há mais certezas de formatos padrão. Uma série pode possuir 4 episódios ou 24; pode ser transmitida semanalmente ou transmitida online de uma só vez em um bloco gigantesco e pronto para consumo. Há lançamento de novas séries em qualquer época do ano. À medida que o número de séries em produção aumenta, assumindo uma variedade de formas e tamanhos, e com os canais a cabo e streaming competindo com as principais redes de TV pela atenção dos telespectadores, há também uma nova fluidez no modo como são criados. (PRESS, 2018, s/p, tradução minha).

Diante de tais fatores, a mini-sala passa a ser também um recurso criativo inteligente para avaliar a grande oferta de conteúdo, acelerando o processo de produção de séries, além de uma certa maneira estar valorizando o ofício do roteirista ao abrir o seu leque de possibilidades profissionais e criativas. Roteiristas comentam que este modelo de trabalho pode proporcionar menos pressão para o autor aprender como uma série de TV é construída a partir do desenvolvimento do projeto. Um dos casos citados por Joy Press (2018) no artigo ao qual me refiro, relata a experiência de uma bem sucedida mini-sala onde a série tomou forma em somente duas semanas e meia, com os roteiros dos primeiros episódios e um arco para toda a temporada. Uma das roteiristas relata que ter somente três mulheres na Sala proporcionou maior intimidade e química que imediatamente as permitiu focar em cenas mais intensas para a série (Ibid.). No rol de vantagens das mini-salas, há a já mencionada oportunidade de trabalho para jovens roteiristas, e que, além disso, encontrarão maior visibilidade neste modelo que abre espaço para “vozes marginalizadas” serem reconhecidas, como o caso de dois roteiristas surdos30 que assumiram a função de

showrunners pela primeira vez em uma mini-sala, e com a continuidade da série eles

mantiveram a posição e o tamanho da Sala, julgando que uma grande Sala de Roteiristas com profissionais mais experientes poderia intimidá-los a criar. As mini- salas então permitem que diferentes novas vozes moldem novas séries dentro de um ponto de vista específico que pode despertar identificação por parte da audiência (Ibid.).

Para além das mini-salas, as Salas de Roteiristas de fato podem estar ficando menores, mas são variáveis que se dão a partir do estilo de trabalho adotado pelo

showrunner e do formato da série. “Salas de Roteiristas para comédia são muito

diferentes das Salas para drama. Em geral, as equipes de comédia podem ter em média oito a dez roteiristas, enquanto no drama as equipes podem variar entre quatro a oito roteiristas” (PHALEN, 2018, p. 56, tradução minha). Há exceções, as grandes séries blockbusters normalmente aumentam suas equipes de roteiristas no decorrer das temporadas diante da grande audiência. Uma Sala de Roteiristas reduzida não significa a perda do valor do trabalho colaborativo, são dinâmicas eficientes de trabalho em grupo que independem do tamanho do grupo, e sim, da forma com a qual ele se organiza para realizar o seu trabalho. Um showrunner entrevistado por Kallas (LEIGHT in KALLAS, 2016, p.54) apresenta a sua Sala que começou com ele e outros quatro roteiristas: “Na realidade, é um número cômodo, cinco pessoas. Permite que todos tenham oportunidade de falar. Com mais do que isso corre-se o risco de tomar um número excessivo de direções diferentes”. Depois, à medida que a temporada avançou, mais dois roteiristas entraram na equipe pois os roteiristas- produtores precisavam estar no set. E conclui que: “Imagino que cinco anos atrás eu teria tido uma equipe duas vezes maior” (Ibid., p. 55).

Independentemente da forma com a qual os roteiristas se organizam para trabalhar, vários aspectos do processo atual certamente persistirão. A maioria dos roteiristas de televisão, especialmente aqueles que trabalham com comédia, considera a colaboração de outros roteiristas como sendo pessoalmente gratificante, benéfica para o processo criativo e indispensável para cumprir prazos. Roteiristas valorizam trabalhar “em companhia de roteiristas”, e este processo seguramente não irá acabar tão cedo. No entanto, por muitas razões, incluindo questões orçamentárias e cronogramas de produção, futuras salas de roteiristas podem não ter tantos roteiristas como as de hoje. (PHALEN, 2018, p.104, tradução minha)

O caso brasileiro será exposto e examinado nos próximos capítulos a partir do modelo de Writers’ Room norte-americano, pois importamos este modelo de trabalho

para as nossas Salas de Roteiristas, ou boa parte dele, o adequamos e o hibridizamos com a nossa própria forma de contar histórias e a nossa própria riqueza cultural e narrativa. “Roteiristas de TV de outros países estão olhando para o processo de escrita de Hollywood, e em particular para o papel do showrunner, como sendo um modelo para aprimorar suas próprias formas de produzir” (PHALEN, p. 104, tradução minha).