• Nenhum resultado encontrado

1. WRITERS’ ROOMS, HISTÓRICO E PARTICULARIDADES NORTE-

1.6 O Roteirista interdisciplinar e a Sala como escritório líquido

A etapa de criar histórias em um processo colaborativo, parte integrante do método de trabalho em Sala, encontra-se em uma esfera maior que é a da Criação Colaborativa. O conceito de Redes Líquidas do norte-americano Steven Johnson ilustra muito bem a Sala de Roteiristas como ambiente que acentua a capacidade natural do cérebro de estabelecer novos elos de associação (JOHNSON, 2001). No livro “De onde vêm as boas ideias”, Johnson (2001, p. 24) ressalta que, em geral, somos mais bem-sucedidos ao conectar ideias do que protegê-las: “Boas ideias podem não querer ser livres, mas querem se conectar, se fundir e se recombinar. Querem se reinventar transpondo fronteiras conceituais. Querem tanto se completar umas às outras quanto competir”. Este processo de conectar ideias exemplifica de maneira mais abrangente o breaking stories e é abordado com bastante naturalidade no trabalho do roteirista em Sala: “Eu apenas faço mentalmente uma mudança de pegar aquele pedaço de criatividade e colocar na Sala de Roteiristas ao invés de colocá-lo em um pedaço de papel”. (GRILLO-MARXUACH in MEYERS, 2017, p.16, tradução

minha). Para Johnson (2001, p. 40), “O segredo de ter boas ideias não é ficar sentado em glorioso isolamento, tentando ter grandes pensamentos. O truque é juntar mais as peças sobre a mesa”. As “peças” a que Johnson se refere podem ser as ideias que compõem a história. E mais, no momento da reunião na Sala de Roteiristas, não importa que a equipe esteja usando determinados softwares de roteiro e ferramentas de compartilhamento de texto27; o que importa é a dinâmica do trabalho de criação em grupo. “Mesmo com todos os avanços tecnológicos [...] a ferramenta mais produtiva para gerar boas ideias continua a ser um círculo de seres humanos sentados em volta de uma mesa, discutindo questões de trabalho” (JOHNSON, 2001, p. 55). No caso citado por Johnson, a maioria das ideias importantes vinha à tona durante reuniões regulares, em que os pesquisadores, aqui podendo ser chamados de roteiristas, apresentavam e discutiam seus trabalhos mais recentes. E o ponto de partida da inovação, a partir de uma análise do processo de formação de ideias, não era o microscópio, e sim a mesa de reunião (DUNBAR apud JOHNSON, 2001). Johnson usa sobretudo exemplos de grupos científicos, eu faço uma analogia entre “microscópio” com a tecnologia que proporciona a escrita, tal como o computador. A força criativa de um grupo interdisciplinar transparece durante o processo, “equipes são consideradas mais eficazes e mais criativas do que pessoas trabalhando por si só, principalmente se a equipe é montada com a correta variedade de pessoas com atributos variados e complementares” (BLOORE, 2012, Kindle Version, location 4250, tradução minha).

“Para discutir os processos em equipe, é necessário levar em conta o fato de que grupos são formados por sujeitos” (SALLES, 2017, p.116), costumo dizer que o roteirista é interdisciplinar por natureza, o profissional inevitavelmente provém de diversas áreas intelectuais, não necessariamente do audiovisual, ou pode até não possuir curso superior. Em comum, têm o talento para escrita e para pesquisa, e são sujeitos criativos. Mas não basta ter interesse em escrever e ter boas ideias, é necessário empregar criativamente as técnicas da escrita audiovisual dentro do formato de trabalho colaborativo, além de possuir vasto conhecimento em torno das produções cinematográficas, televisivas e literárias. É sobretudo importante conhecer a estrutura e a cultura televisiva de onde está atuando, estudar as suas séries e o papel do escritor neste contexto.

27 softwares como: Celtx, Final Draft, StoryTouch, Fade In, Movie Magic Screenwriter, WriterDuet, entre outros.

O processo de escrita para a televisão cria uma cultura diferente – inerentemente paradoxal. Muitas influencias culturais contraditórias ou opostas são evidenciadas na maneira como os roteiristas descrevem as suas experiências: individualidade vs. processo de escrita em grupo, criatividade vs. demanda comercial, camaradagem vs. competitividade, prioridade de ideias vs. visão política, acúmulo de experiências vs. discriminação de idade, necessidade de diversidade vs. racismo e sexismo. (PHALEN, 2018, p.60 tradução minha)

O roteirista carrega em si uma bagagem de múltiplas procedências e contradições, e, dentro de uma Sala de Roteiristas, essas diferenças afloram e se agregam. O sólido, o duro, o estagnado e o estático da criação solitária dá lugar ao movimento, ao múltiplo, ao maleável, ao líquido da criação em grupo. O fluxo social da conversa em grupo transforma esse estado sólido privado numa rede líquida (JOHNSON, 2001). O processo que nasce de uma criação colaborativa dentro da Sala de Roteiristas, um “escritório líquido inundado de ideias” como gosto de me referir, mostra-se muito rico. No que diz respeito à interdisciplinaridade como traço do roteirista, Johnson crê na capacidade criativa que surge quando diferentes disciplinas intelectuais colidem em encontros criativos que dão lugar em uma sala de reuniões - onde o ambiente tem um efeito transformador sobre a qualidade das ideias.

A Sala é o santuário da equipe de roteiristas. Em muitos aspectos, ela é considerada um lugar criativo mais sagrado do que a própria mesa do roteirista. A Sala requer definições refinadas. Ela deve ser um lugar tão seguro para roteiristas quanto as oficinas de atuação são para os atores. (MEYERS, 2017, p.36 tradução minha)

A pesquisadora de roteiros da Universidade de Copenhagen Eva Novroup Redvall (2014, p. 39), em artigo, frisa que: “Inicialmente, os estudos da criatividade eram orientados pelo processo criativo individual. No decorrer dos anos, houve um crescente interesse em estudar grupos criativos” (tradução minha). Como exemplo, Redvall cita Vera John-Steiner, autora do livro “Creative Collaboration” (2006). A questão central proposta pelos estudos de John-Steiner é que as integrações colaborativas são as melhores formas de construir novos modos de pensar ou novos formatos artísticos. No trabalho colaborativo nós aprendemos de cada um ensinando o que sabemos (REDVALL, 2014), é um comprometimento com uma múltipla apropriação. Práticas solitárias são insuficientes para encarar problemas e desafios criativos. “Colaboração baseia-se em diferentes perspectivas e em diálogos

construtivos entre indivíduos negociando suas diferenças, enquanto criam sua voz e visão compartilhada” (JOHN-STEINER, 2006, p.6, tradução minha).

Conforme demonstrei no decorrer deste capítulo, o processo colaborativo na TV nasce no âmbito do roteiro: na raiz da história, na união de diferentes profissionais criativos e na força de ideias individuais colocadas em grupo, ou, de ideias que parecem ser individuais, mas que só foram geradas por estarem em ambiente estimulantemente cocriativo.