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Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar e Combate à Fome

Capítulo 2: Evolução Recente do Programa Nacional de Alimentação e Experiências da

2.1 O Período de 2003 a 2007

2.1.1 Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar e Combate à Fome

O Governo Federal eleito em 2003 inseriu o PNAE no escopo da nova política de Segurança Alimentar, o Programa Fome Zero, coordenado pelo MESA – Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar e Combate à Fome. Previa-se o fortalecimento para as

pré-escolas e escolas do ensino fundamental das redes públicas e filantrópicas, a ampliação para todas as creches públicas e filantrópicas e também a maior utilização de produtos regionais. Segundo Takagi (2006) o programa foi priorizado visando à expansão da alimentação escolar com aumento do repasse para os municípios desde que orientados para a diversificação da alimentação da educação infantil e do ensino fundamental.

Sendo uma política de caráter transversal, o Fome Zero incentivava principalmente ações ligadas à inclusão diferenciada de grupos em risco de insegurança alimentar, juntamente com várias outras mudanças implementadas pelo MEC, sob a coordenação do FNDE, como aumento no valor per capita e apoio direto à participação da sociedade civil, não só por atribuições legais, mas por meio de cursos de capacitação para conselheiros de alimentação escolar, entre outras.

As duas primeiras medidas do Governo Federal, no âmbito do Programa Fome Zero, em janeiro de 2003, foram a recriação do CONSEA, com denominação de Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, incorporando à segurança alimentar a dimensão nutricional e a ampliação do repasse para a alimentação escolar.

No projeto inicial, uma das principais preocupações centrava-se em políticas de apoio à agricultura familiar e de subsistência e na utilização de produtos regionais na composição da merenda. Por um lado, a pequena produção enfrentava um sério problema de falta de mercado para seus produtos, especialmente os alimentos, devido à forte restrição do poder de compra dos salários, e por outro, verificava-se a pequena participação de produtores agrícolas locais nas compras da merenda escolar. Uma das soluções seria então investir na demanda institucional, a partir da observação de experiências como a introdução de suco de laranja na merenda do estado de São Paulo e do uso da castanha-do-pará no Acre (Instituto Cidadania, 2001).

A merenda escolar era considerada a principal demanda do poder público por meio da aquisição de alimentos e acreditava-se que, se esse “volume de compras governamentais fosse bem dirigido e administrado, poderia servir diretamente para incentivar a produção agrícola, estimular bons hábitos de consumo e aumentar a abrangência do público atendido”. O documento alertava ainda para a necessidade de se superar “determinadas barreiras legais que impõem práticas administrativas que determinam a obrigatoriedade de licitações para toda compra governamental” (Instituto Cidadania, 2001).

Logo no início de 2003 o FNDE publicou a Resolução nº 1, de 16/01/03, que igualou o valor per capita das escolas do ensino fundamental, que já era de R$ 0,13, com a pré-escola e

entidades filantrópicas, cujo valor estava congelado em R$ 0,06 desde 1994. Isso representou uma elevação de 117%. Em consonância com o objetivo de envolver cada vez mais a sociedade civil na execução dos programas públicos, estabeleceu que passava a ser atribuição do CAE municipal acompanhar as escolas estaduais cuja alimentação escolar havia sido municipalizada e definiu que a indicação dos representantes das categorias do legislativo, dos professores, dos pais de alunos e de outro segmento da sociedade civil deveriam ser formalizadas.

Após seis meses de governo o objetivo do PNAE foi alinhado à Política de Segurança Alimentar por meio da Resolução nº 15, de 16/06/2003. Até aquele momento o programa tinha como objetivo “suprir parcialmente as necessidades nutricionais dos alunos, com vistas a contribuir para a redução dos índices de evasão e formação de bons hábitos alimentares” (Resolução nº 01, 16/01/2003). Na nova Resolução, o objetivo passou a ser “suprir parcialmente as necessidades nutricionais dos alunos, com vistas a garantir a implantação da política de Segurança Alimentar, bem como contribuir para a redução dos índices de evasão e formação de bons hábitos alimentares”. Essa alteração demonstrou o papel que o PNAE representava na implantação da nova política de alimentação e nutrição, o que foi ratificado ao estabelecer-se que parte dos recursos orçamentários e financeiros viria do MESA.

A principal mudança dessa resolução, com base no artigo 208 da CF, inciso IV32, foi a inclusão das creches da rede pública e filantrópica como beneficiárias do PNAE. O valor per capita determinado foi de R$ 0,18 e o atendimento de 250 dias, maior que o da pré-escola e fundamental que continuava a ser de R$ 0,13 e 200 dias. A independência do CAE foi fortalecida ao estabelecer-se a recomendação de que o Presidente e o Vice-presidente do Conselho não fossem membros representativos dos Poderes Executivo e Legislativo. Além disso, ficou definido que a equipe do FNDE, responsável pelo PNAE, desenvolveria material de apoio adequado à clientela do programa, bem como cursos de capacitação, com vistas à melhor operacionalização do programa e atuação do CAE.

Ainda em 2003 o FNDE lançou mais duas resoluções. A nº. 35, de 1/10/2003, acentuou as determinações em relação à autonomia do CAE, estabelecendo que o ordenador de despesas da EE não poderia participar do Conselho e excluiu o termo “recomendar” para definir

32 “[Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:…] …[IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;]” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006).

explicitamente que as escolhas do Presidente e o Vice-presidente do Conselho não deveriam recair sobre os membros representativos dos Poderes Executivo e Legislativo. E a nº. 45, de 31/10/2003, passou a incluir as escolas indígenas, determinando um total de 250 dias de atendimento, igual ao das creches, e um valor per capita ainda maior, de R$ 0,34, a fim de suprir 30% das necessidades nutricionais diárias dos alunos beneficiados, atendendo ao planejamento inicial do Programa Fome Zero. Desse total repassado, R$ 0,13 eram do orçamento do FNDE e a diferença, R$ 0,21 eram provenientes dos recursos do MESA, que passou a ser considerado um dos participantes do PNAE. A concepção dessa medida foi a de permitir a aquisição de gêneros alimentícios adequados aos hábitos alimentares das diversas etnias indígenas, contribuindo assim para a valorização e fortalecimento das suas culturas alimentares. Para tanto, a resolução vedou a terceirização para escolas indígenas e definiu que na elaboração do cardápio houvesse a participação de pelo menos um representante de cada etnia, e que essa representação estivesse contida na composição do CAE.

Em 2005, em decorrência da morte de crianças indígenas guaranis-kaiowás por desnutrição, nos município de Dourados (MS) e Campinápolis (MT), foi formada uma comissão da Câmara dos Deputados, responsável por apurar os fatos, que constatou a ocorrência de mortes por esse motivo pelo menos desde 2002.

Fazendo-se uma análise mais aprofundada, pode-se apontar pelo menos duas causas principais para essa situação. A primeira decorre em grande parte de um problema antigo relacionado com a questão da ocupação e demarcação fundiária. Há anos os índios da região Centro-Oeste vêm sendo expulsos de suas terras, inicialmente pela entrada de gado e, depois, pelas grandes plantações monocultoras, como a soja, que além de tirarem o espaço agrícola indígena, poluíram rios e eliminaram a floresta onde os índios pescavam, caçavam, coletavam alimentos como as frutas, o mel e retiravam a matéria prima para fazer suas casas e utensílios.

Além disso, segundo o pesquisador em saúde indígena, Carlos Coimbra Júnior, da Escola Nacional de Saúde Pública da FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz, o fato dos hábitos alimentares nas aldeias terem mudado devido à redução da caça e pesca, fez com que o potencial natural das reservas deixasse de ser aproveitado. Os índios mudaram seus hábitos alimentares, passando a consumir refrigerante e alimentos com muito sal, muita gordura e açúcar, tornando sua alimentação cada vez mais pobre qualitativamente, o que resultou em elevados índices de desnutrição, além de contribuir para casos de obesidade, hipertensão e diabetes. Segundo

Coimbra, em 2003 a prevalência de crianças desnutridas na aldeia de Sangradouro (MT) era de 28,3%, enquanto que no Brasil urbano o número não chegava a 8% (UNB, 2005).

A segunda está relacionada à inoperância da FUNASA – Fundação Nacional de Saúde, em meio a denúncias de corrupção e críticas por parte do próprio governo, que tratou com descaso o problema de saúde dessas comunidades, não agindo frente às constatações da FIOCRUZ. Somente no final de 2005 as duas instituições assinaram um convênio de cooperação técnica para a implementação da vigilância alimentar e nutricional em distritos sanitários indígenas (FIOCRUZ, 2005).

Logo, a resolução desse problema passa pela implementação de várias medidas. Embora a alimentação escolar tenha um papel relevante na reeducação alimentar, resgatando os hábitos da cultura indígena, não pode ser considerada o único instrumento a garantir o fim da desnutrição dessas crianças, pois, além de ter um caráter suplementar, com a pretensão de suprir apenas 30% das necessidades nutricionais diárias, conforme citado anteriormente, não tem a atribuição e os mecanismos necessários para atuar nas causas estruturais dessa questão.

Também em 2003, conforme planejado no programa Fome Zero, foi criado o PAA – Programa de Aquisição de Alimentos da agricultura familiar, que viria a se tornar um referencial para ações coordenadas de Desenvolvimento Local associadas ao PNAE. Representava um instrumento do Governo Federal para, entre outros objetivos, realizar a compra local de alimentos desse segmento direcionados à alimentação escolar e a outras instituições e programas cujo público alvo estivesse em risco de insegurança alimentar. Esse tema será abordado com maior profundidade no capítulo 4.

Já em documento33 de 07/10/2004, publicado em seu site, o FNDE definiu doze diretrizes para o Programa, sendo a primeira: “Respeitar a vocação agrícola da região, priorizando as matérias-primas e os alimentos produzidos e comercializados na região, como forma de incentivar a produção local, e dando preferência aos produtos de consumo tradicional”. Mais adiante, a 12ª diretriz desse documento estabeleceu: “Dar prioridade à seleção dos alimentos que compõem o cardápio do programa, conforme a vocação agrícola e agroindustrial da localidade, com o propósito de incentivar o Desenvolvimento Local Sustentável, apoiando os projetos de

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Diretrizes Operacionais para o Planejamento de Atividades do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE): programação e controle de qualidade.

aquisição de alimentos da agricultura familiar e de cooperativas de pequenos produtores” (FNDE, 2004).