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Relevância da Agricultura Familiar para o Desenvolvimento Local

Capítulo 3: Desenvolvimento Local e a Alimentação Escolar

3.1 Caracterização do Segmento de Estudo

3.1.2 Relevância da Agricultura Familiar para o Desenvolvimento Local

Há muito pouco tempo a agricultura familiar começou a ser reconhecida pelas políticas públicas como um segmento que merecesse apoio. Até meados da década de 90 o caráter concentrador da modernização agrícola implementada através da revolução verde impediu o desenvolvimento da agricultura familiar. O papel do Estado foi decisivo intervindo no sentido de privilegiar a produção capitalista de origem urbano-industrial, cuja base técnica assentava-se no latifúndio, na monocultura e o uso de produtos agroquímicos e na mecanização. Nesse modelo, vários agricultores familiares foram excluídos, gerando o êxodo rural e a formação dos grandes bolsões de pobreza urbanos.

Desde o início do Sistema Nacional de Crédito Rural, em 1965, a destinação do crédito privilegiava médios e grandes proprietários (devido às exigências de garantia e excesso de burocracia) da região centro-sul do país e chegava a subsidiar mais da metade do valor da maquinaria agrícola (Sorj, 1986).

No âmbito do pequeno produtor rural, as políticas de crédito, que tradicionalmente não incluíam essa categoria, começaram a entrar na pauta governamental a partir da reforma da Constituição em 1987, com a elaboração de uma proposta de lei Agrícola pelos movimentos sindicais, que incluía uma política de crédito voltada para a agricultura familiar.

Em 1994 os movimentos sociais apresentaram ao então governo Itamar Franco uma proposta de crédito de investimento subsidiado para os agricultores familiares que destacava a necessidade de um programa que contemplasse a diversidade existente no interior da agricultura familiar. A fim de atender essas reivindicações o Ministério da Agricultura e do Abastecimento criou o PROVAP – Programa de Valorização da Pequena Produção Rural que trabalhava, basicamente, com créditos concedidos pelo BNDES (Belik, 2000).

Conforme mencionado anteriormente, em 1994, FAO e INCRA fizeram um documento propondo vários instrumentos de política para a agricultura familiar que serviu de base, juntamente com a experiência do PROVAP, para a elaboração do PRONAF.

O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar iniciou como uma linha de crédito em 1995 e em 1996 adquiriu status de programa governamental, passando a receber recursos do Orçamento Geral da União, os quais seriam aplicados em infra-estrutura rural nos municípios e em capacitação dos produtores rurais familiares. O objetivo geral visou dar condições para o aumento da capacidade produtiva, da geração de emprego e da renda, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e a ampliação do exercício da cidadania por parte dos agricultores familiares, estimados, em 1994, em aproximadamente 4,3 milhões de estabelecimentos (Silva, 1999).

Segundo Silva (1999), o PRONAF foi aceito na esfera governamental devido à comprovação da capacidade da agricultura familiar em absorver mão-de-obra, transformando-se em opção privilegiada para combater parte dos problemas sociais urbanos provocados pelo desemprego rural.

Desde o estudo da FAO/INCRA o papel da agricultura familiar não só como empregadora, mas como responsável por grande parte da produção agrícola vêm sendo destacado em numerosos trabalhos.

Uma análise feita por Abramovay (1997) com base nos dados sobre o Estado de São Paulo, do IEA – Instituto de Economia Agrícola, em 1991, mostrou que no segmento de 20 a 100 ha, com preponderância de trabalho familiar, o desempenho da agricultura familiar foi, no mínimo, equivalente ao dos setores patronais. Embora contando somente com 25% do financiamento total (INCRA, 2000), os estabelecimentos familiares foram responsáveis por 76,9% do pessoal ocupado, oferecendo praticamente 9 vezes mais emprego por unidade de área quando comparada com a agricultura patronal. Além disso, em termos de rendimento físico superaram a agricultura capitalista em 15 importantes produtos como carnes suínas e de aves, leite, ovos, batata, trigo,

cacau, café, milho, feijão, algodão, tomate, mandioca e laranja, sendo ainda responsáveis por 23,6% do VBP – Valor Bruto da Produção total da pecuária de corte, 52,1% da pecuária de leite, 58,5% dos suínos e 39,9% das aves e ovos produzidos (Abramovay, 1997).

Já dados40 apresentados pelo MDA, em 2003, revelaram que a participação do agronegócio familiar no PIB – Produto Interno Bruto nacional chegou a 10,1%, o que correspondeu a um valor adicionado de R$ 156,6 bilhões. Os estabelecimentos familiares, dispondo de apenas 30% da área, foram responsáveis por quase 38% do VBP da agropecuária nacional e, na produção de feijão, leite, milho, mandioca, suínos, cebola, banana e fumo, essa proporção chegou à cerca de 50%. Demonstraram ser grandes empregadores e eficientes na atividade produtiva, tendo sido responsáveis por praticamente 77% do pessoal ocupado no meio rural brasileiro e obtido renda total por hectare/ano 2,4 vezes maior que a dos demais, em imóveis cuja área média é 17 vezes menor que a dos estabelecimentos patronais (MDA, 2006-a).

Além da relevância econômica, a agricultura familiar representa a possibilidade de fortalecimento de um modo de produção socialmente mais justo e ambientalmente equilibrado. O Desenvolvimento Local Sustentável baseia-se nessas premissas, ou seja, a promoção de processos que diminuam a pobreza e as desigualdades ao mesmo tempo em que consigam proteger o meio ambiente das freqüentes agressões representadas pelos processos de crescimento econômico.

A produção agrícola pode ser considerada a atividade mais importante para o desenvolvimento, pois mesmo com a emergência da sociedade industrial, não perdeu sua função essencial na reprodução social. Historicamente, essa atividade, anterior ao modo de produção capitalista, possui diversas características ligadas aos fatores naturais de produção e ao processo biológico que a diferenciam da lógica do capitalismo (Kühn, 2002). No entanto, a influência do pacote da revolução verde, que visava exatamente a transposição do modelo capitalista para a agricultura, alterou o perfil de parte significativa da produção agrícola.

Já o segmento da pequena agricultura ou agricultura familiar, apesar de sua heterogeneidade interna, foi capaz de assegurar a independência desse modelo, basicamente por não haver separação total entre o capital e os demais fatores de produção; pelo trabalho não ser totalmente alienado; pela subordinação do capital não estar no mesmo patamar que os demais setores produtivos; e pela divisão social do trabalho não estar consolidada. Como aponta Kühn (2002): “[O comportamento do camponês é composto das suas diversas relações sociais e da interação sócio-econômica destas relações. Surge, novamente, a idéia que a atividade agrícola é mais do

que um modo de produção, é um modo de vida. O centro desse processo produtivo é o homem e não o capital]....[A autonomia da produção camponesa representa a não-alienação do trabalho, a revalorização do ambiente rural e um processo de democratização.]”.

Essas características são ainda mais valorizadas ao se constatar a insustentabilidade do modo de produção capitalista, devido aos seus efeitos perversos de concentração de renda e aumento das desigualdades, surgindo a agricultura familiar como uma alternativa para a superação desses problemas.

3.2 Estratégias de Desenvolvimento Local/Territorial