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1. INTRODUÇÃO

2.1.6. Ministério Público e planejamento estratégico

Pois bem, passados 10 anos da Constituição de 1988, alguma preocupação com a necessidade de aparelhamento da instituição no sentido de dedicar-se a nova área de atuação já era sentida, conforme informa Mazzilli (1989).

Depois de quase 30 anos, o sentimento é de que ainda não se formara a vontade coletiva interna necessária para transformar a instituição naquilo que, a partir da constituição de 1988, denomina-se a função política para intervenção e transformação da realidade social (GOULART, 2013).

Tendo-se em vista essa sensação de descolamento entre as atribuições formais recebidas pela constituinte de 1985 e a realidade social e institucional da organização, o Ministério Público Federal, em compasso com as tendências de modernização na administração pública no Brasil e em diversos países, instituiu em 2011, entre outras ferramentas de gestão, o Planejamento Estratégico.

Desta vez, porém, não se trata de mobilização na arena política como outrora aconteceu. Mas sim no âmbito interno, com a elaboração do instrumento de gestão denominado Planejamento Estratégico, voltado para “Fortalecimento da Instituição” (PGR/MPF N.º 687/2011, art. 3º, II, f).

Por meio desta opção, a Instituição determinou como missão, “até 2020, ser reconhecido, nacional e internacionalmente, pela excelência na promoção da justiça, da cidadania e no combate ao crime e à corrupção” (sem grifo no original) (PGR/MPF N.º 687/2011; MPF, 2017a; FIG.7).

Como fim de realizar esta missão, a instituição declara a intenção de fortalecer a instituição por meio de objetivos, dentre a quais se destacam os de “Fomentar e acompanhar a produção de proposições legislativas no interesse da realização da Missão [e] buscar maior protagonismo da Instituição perante a sociedade civil em temas relevantes para o MPF” (sem grifo no original) (PGR/MPF N.º 687/2011, p. 1). Veja que é notória a intenção de promover a atuação política da instituição.

No documento, na perspectiva da sociedade, estabelece-se o objetivo de

ser percebida como uma instituição que atue efetivamente na defesa da sociedade por meio de:

1: Combate à criminalidade e à corrupção;

2: Proteção do Regime Democrático e promoção dos Direitos Fundamentais; 3: Atuação preventiva;

4:Aproximação com o cidadão; e

5 : Trabalho em grupo e parcerias. (sem grifo no original) (PGR/MPF N.º 687/2011; MPF, 2017a).

Falcão Júnior (2014), ao discutir se Planejamento Estratégico do MPF (2011- 2020), revela algumas de suas características:

 Trata-se de importante instrumento de cooperação entre os membros da instituição;

A crise de referência da identidade do parquet demonstra que os arranjos informais da época da Constituinte de 1988 não são os mesmos do presente;

 O instrumento pode promover a formação de arranjos e normas informais dentro da instituição a fim de se alcançar suas finalidades;

 Arranjos e normas informais podem corroer normas formais, prejudicando o controle social da instituição – accountability;

 Ambições do cargo podem ser incorporadas em ambições da instituição, aumentando força política capaz de desenvolver a instituição, mas prejudicando a democracia;

Que relevância há para a ampliação do acesso à justiça e da cidadania no fato de o Ministério Público Federal ter optado pelo emprego Planejamento Estratégico?

O primeiro fator é que se há algum movimento interno no sentido de dar efetividade a ampliação da justiça e da cidadania, então esse fator interessa a esse trabalho, na medida em que justiça e cidadania são temas aqui discutidos.

A realização de um plano envolve o convencimento de pessoas envolvidas para que orientem seus esforços e ações no sentido de realizar os objetivos em comum. A escolha de um modelo de administração pública, portanto, pode convencer e envolver mais ou menos servidores e Procuradores da República no sentido dos objetivos aqui discutidos, quais sejam, de ampliar a justiça e cidadania, fortalecendo o Ministério Público Federal.

Duas características institucionais muito próprias, no entanto, colocam em xeque iniciativas de políticas institucionais. Uma delas á a falta de estrutura hierárquica e a outra é a independência funcional,

A chefia do Ministério Público opera somente no campo administrativo e não funcional. Isso significa que cada membro do Ministério Público é independente dos outros no que tange ao modo de agir relacionado à atividade fim. Por isso, o Procurador Geral não pode afastar um Promotor ou Procurador da República deste ou daquele caso, ou mesmo indicar um deles para determinada demanda.

Se por um lado a independência e ausência de hierarquia funcional podem permitir ações inovadoras no sentido de solução de conflitos, por outro, todavia, dificulta a garantia de que todos os cidadãos terão suas demandas resolvidas de forma isonômica (CARVALHO; LEITÃO, 2010).

O segundo é que nem sempre o emprego deste instrumento revela-se eficiente para a os objetivos do setor público e pode ser usado, tal com apontado acima por Falcão Júnior (2014), para ambições do cargo com prejuízo à democracia.

Essa relação ambígua do agente público é objeto da Teoria de Agência. Seu conteúdo busca analisar a relação entre o contratante e o contratado na qual o primeiro, denominado principal, delega a um ou mais agentes o poder de decisão, sem garantias de que o segundo sempre vai agir no melhor interesse do contratante, o principal (JENSEN; MECKLING, 1976).

No caso específico da administração pública, a definição do principal, dos agentes e a relação conflituosa entre eles são adaptadas como segue:

Como o principal (sociedade) e o agente (gestores públicos) podem apresentar interesses diferentes, as ações tomadas pelo agente podem muitas vezes não estar dentro das diretrizes estabelecidas pelos interesses do principal e gerar, por parte do agente, um comportamento oportunista. Para lidar com incertezas e variabilidades,

reduzindo o comportamento oportunista e diminuindo os custos de transação, é necessária a construção de estruturas de governança (WASILEWSKI PINTO et al, 2014, p. 105).

No que tange ao controle social, Carvalho e Leitão (2010) observam que o Ministério Público é marcado por insuficientes mecanismos de controle social e político sobre suas decisões uma vez que a instituição se caracteriza, desde 1988, com alto grau de autonomia e discricionariedade poucos comuns em uma democracia.

FIGURA 6 - Mapa Estratégico do MPF 2011

Fonte: (MPF, 2017)

Depois de quase três décadas, o Ministério Público Federal decide reagir à sensação de que a instituição pouco se desenvolvia no sentido de dar impulso ao seu papel de transformador social e de ampliador de acesso à justiça e a cidadania. Mas qual a importância dessa reação?

Essa reação é relevante na medida em que o combate recente à corrupção, inclusive também um dos objetivos do planejamento estratégico, coincide com o aumento da aproximação da Instituição com a grande mídia.

Será que esse combate à corrupção pode estar relacionado com o fortalecimento da Instituição, tal como proposto pelo Planejamento Estratégico? Será que há alguma relação entre esta aproximação junto à mídia e os objetivos de ampliação de acesso à justiça e ampliação da cidadania? Será que o modelo de gestão escolhido é capaz de convencer e reunir os esforços necessários à realização da missão estratégica? É o que pretende indicar os objetivos secundários deste trabalho, pois o modelo de gestão empregado pelo MPF não está livre de controvérsias.

Conforme explanado na introdução e nos objetivos da pesquisa, este trabalho também analisa se a opção de empregar instrumento de gestão tido como controverso para realizar objetivos de ampliar justiça e cidadania é assertiva. Por isso, após discutir nas seções seguintes temas deste trabalho, quais sejam, justiça e cidadania, a discussão sobre a administração pública e instrumentos de gestão é retomada.