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CAPÍTULO VI: A crise política bate no fundo

VI.4 Ministros já não controlam departamentos

À mesma hora do agudizar da crise em Belém, o ministro da Defesa convoca uma reunião no seu departamento para as 11:00 com os ministros do Exército, Andrade e Silva, da Marinha, Pereira Crespo, o secretário de Estado da Aeronáutica, Tello Polleri, o subsecretário de Estado do Exército, Viana de Lemos, e o chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, Costa Gomes.

Na abertura do encontro datado de Lisboa, cuja ata está assinada por Viana de Lemos, o ministro da Defesa comunicou que o objetivo era o de estudar se se deveriam continuar a adotar medidas de segurança nas Forças Armadas para fazer face à situação presente e qual o grau que essas medidas deviam assumir. Punha o problema à consideração dos ministros militares.

O ministro do Exército informou que nessa manhã, às 8:00, se havia passado ao estado de alerta, estando prevista a passagem ao estado de prevenção simples às 21:00, retomando-se a situação de alerta na manhã seguinte, enquanto a situação ou a previsão de reações a decisões que viessem a ser tomadas o justificasse.

O ministro da Marinha concordou, na generalidade, com esta opinião mas afirmou que optava pela manutenção de um único estado de segurança, que poderia ser o de prevenção simples, para evitar as perturbações causadas pelas mudanças frequentes.

O secretário de Estado da Aeronáutica declarou que preferia igualmente um único estado de segurança no que foi depois secundado pelo ministro do Exército.

De seguida falou o CEMGFA que principiou por se queixar da falta de informações com que o Comando Geral de Segurança Interna lutava, pois não as recebia dos estados maiores dos três ramos nem das Forças de Segurança e poucas da

Direção-Geral de Segurança. Afirma que a situação é muito grave e resultante de terem sido tomadas medidas de força que considerava inoportunas face ao momento presente.

Desta parte da intervenção de Costa Gomes, parece notar-se que o CEMGFA, que deveria ser um dos mais bem informados do regime, enquanto responsável pelo Comando-Geral de Segurança Interna, debate-se com falta de informação e nota que haveria aqui uma intenção de, deliberadamente, não o informar por parte dos ministros militares e da DGS.

Durante a reunião, Costa Gomes historiou o caminho do “movimento de capitães” iniciado como reação contra a publicação do Decreto Lei n.º 353, e que deu origem à apresentação de várias reivindicações. Após ter tomado posse a nova equipa governamental, havia constatado uma tendência que permitia concluir que os espíritos se estavam acalmando, mas ultimamente essa tendência havia sido destruída.

Primeiro, os incidentes da Beira, entre a população civil e os militares, haviam provocado um largo sentimento de solidariedade militar que se estendera a outras províncias ultramarinas e à metrópole, movimento esse que se consubstanciava num manifesto com 470 assinaturas.

Considera igualmente como fator responsável pelo agravamento da situação o facto de se ter realizado uma reunião de comandos no ministério do Exército a que não “teve a honra” de assistir e bem assim as medidas tomadas ultimamente com a transferência de alguns oficiais.

Considerava a situação extremamente grave devido à não aceitação por muitos militares das vias hierárquicas, pois os generais não tinham prestígio, mais concluindo que, certamente, nenhum dos membros do Governo ali presentes controlava a evolução de qualquer situação dentro do seu departamento.

Aliás, pedia autorização para, na presença do ministro da Defesa, apresentar estas considerações ao presidente do conselho. O ministro da Defesa respondeu que o CEMGFA tinha acesso ao presidente do conselho e que podia pedir audiência sem que ele estivesse presente e considerava que os seus comentários excediam em muito o

âmbito da reunião e que até se poderiam relacionar com o equacionamento da política do Governo.

Sobre esse assunto, relembrou Silva Cunha, a política estava definida e aos membros do Governo ou às pessoas da sua confiança apenas restava um caminho que era segui-la sem hesitação.

Pessoalmente e no que se referia à agitação dos capitães distinguia três hipóteses: aceitar as suas reivindicações, o que implicaria o abandono imediato das funções governamentais, por tal ser incompatível com o compromisso de honra prestado quando o aceitou; pretender que se ignora ou não se percebe o que se está a passar deixando as coisas avolumarem-se e ignorando que há quem não se queira bater e prefira situações mais cómodas e tentar por todos os meios dominar a situação. Tendo em consciência a certeza de que a política do Governo era a que convinha à nação não podendo logicamente aceitar as duas primeiras soluções.

Silva Cunha punha um travão na discussão, expressando desejar que o debate não se generalizasse neste âmbito e se limitasse apenas ao assunto que fora objeto de convocação.

O ministro do Exército apoiou firmemente a posição do ministro da Defesa que considerou a única admissível. Esclareceu igualmente que a posição assumida relativamente aos oficiais que foram transferidos não podia de forma alguma ser considerada dúbia, uma vez que haviam infligido os deveres 1.º,25.º e 27.º do artigo n.4 do RDM o que os tornava passíveis de procedimento disciplinar.

O ministro da Marinha, para além de exprimir a sua concordância, pedia que lhe perdoassem a vaidade mas que, após cinco anos de permanência na sua pasta não podia aceitar a afirmação de que não seria capaz de controlar o seu departamento. O secretário de Estado da Aeronáutica apoiou a posição e a tese dos ministros da Defesa e do Exército afirmando que, pessoalmente, nunca quereria estar à frente de um departamento em que o comando se efetuasse de baixo para cima, afirmou igualmente não duvidar que podia controlar o seu departamento.

O CEMGFA afirmou que, embora fora do âmbito da reunião, tinha pretendido apresentar as suas considerações e que o fizera por julgar grave a situação nos três

teatros de operações, dizendo a propósito que o general Bettencourt Rodrigues (comandante-chefe na Guiné) regressava a Bissau cheio de apreensões.

Finalmente, foi decidido que o CEMGFA comunicasse aos três ramos que, até nova ordem, as unidades se manteriam em estado de alerta.103(anexo)