• Nenhum resultado encontrado

3 PELA PORTA ADENTRO: DEMOLINDO PAREDES E LIMITES

3.4 UMA MIRADA NAS ESCRITORAS OCIDENTAIS

Voltando ao século XIX, o romance se impôs como o gênero de maior sucesso no período e, ao lado de autores famosos como Defoe, Dickens, Richardson, surgem várias escritoras como Mary Edgeworth (1767-1849)58, que escreveu várias produções com protagonistas jovens descrevendo a vida social irlandesa.

Mary Shelley (1797-1851)59 publicou cerca de trinta romances, no entanto, nenhum teve tanta repercussão quanto à primeira experimentação: Frankenstein, em 1818.

As irmãs inglesas Charlotte (1816-1855), Emily (1818-1848) e Anne (1820-1849)60 iniciaram suas produções escrevendo poemas e assinando, em conjunto, com pseudônimos masculinos: Currer, Ellis e Action Bell, respectivamente. Charlotte foi a mais famosa das irmãs por abordar, como temática, mulheres em conflito com seus desejos e sua condição social. Escreveu quatro romances, mas o mais famoso foi Jane Eyre (1847). Emily escreveu poesias e apenas um romance, pelo qual é muito elogiada: O morro dos ventos uivantes (1848). Anne escreveu dois romances: Agnes Grey (1847) e O tenente de Wildfell Hall (1848).

George Eliot (1819-1880)61 foi o pseudônimo masculino utilizado por Mary Ann Evan. Eliot publicou vários livros, entre eles, A essência do cristianismo (1854);

58 Edgeworth nasceu em Oxfordshire, Grã-Bretanha, mas por ser filha de pai irlandês sempre visitou o país que

serviu de inspiração para seus romances.

59 Viveu com o poeta inglês Percy B. Shelley, filha da feminista Mary Wollstonecraft e do filósofo e novelista

(mais conhecido por ser ateu e anarquista) Willian Godwin,

60 As irmãs Brontë nasceram em Yorkshire, filhas de um pastor metodista, Patrick Brontë, cuja esposa, Maria, deixou as meninas, ainda crianças, órfãs. As irmãs foram consideradas expoentes no período de transição do romance “gótico” para o “histórico burguês”. A abordagem, na literatura, sobre a vida privada burguesa nos anos oitocentos foi considerada o grande mérito das irmãs Brontë. Charlotte escreveu mais três romances:

Shirley (1849), Villette (1849) e O professor (1857) publicado postumamente por ter sido recusado pelos

editores. As três irmãs faleceram muito jovens, tiveram vida triste por terem sido educadas apenas pelo pai, que as enviou para o Colégio de Cowan Bridge, famoso pelos métodos desumanos utilizados para educar mulheres.

61 Primeiro biógrafo a ter acesso ao acervo completo da escritora, o americano Frederick Karl publicou George

Eliot: a voz do século, atualmente traduzido pela Editora Record. Karl traz a vida daquela que é considerada a

principal escritora inglesa do século XIX e a coloca como a mais representativa das angústias e ambigüidades da era vitoriana

Middlemarch: um estudo da vida provinciana (1872); e em 1876, Daniel Deronda. Foi tradutora e chegou ao cargo de editora da revista literária Westminster Review.

A escritora francesa George Sand62, teve uma produção vastíssima, indo do gênero romance até inúmeras cartas e documentos. Sua produção aborda temáticas variadas: exaltações de sentimentos e de paixões individuais que, inevitavelmente, confrontavam-se com as convenções sociais e a hipocrisia da moral de seu tempo; denunciou a opressão e a hierarquia social.

O século XIX apresentou a americana Emily Dickinson (1830-1886)63. Muito do que já se escreveu sobre Dickinson se conhece por suas correspondências, principalmente as que foram trocadas com sua cunhada Susan Dickinson, de quem era vizinha. Em 1858, Dickinson começou a encadernar seus manuscritos poéticos, porém seu trabalho foi prejudicado a partir de 1864 pelos problemas nos olhos que a acompanharam até a morte. Embora tenha escrito centenas de poemas, nunca publicou em vida. Em 1955, sua coletânea foi publicada em três volumes: Os poemas de Emily Dickinson.

A França do século XX apresentou grandes escritoras como Sidonie-Gabrielle Colette (1873-1954) mostrada como uma das responsáveis pela conquista da mulher na escrita: viver de sua arte. Após escrever os textos que seu marido assinava, Colette escreveu a série Claudine, entre 1900 a 1903, passando a assinar o seu próprio nome. Em 1904, Dialogues dês betes e La vagabonde; em 1920, publicou Chéri; em 1933, La gatta e em 1945, Gigi.

62 Nascida Amandine Lucie Aurore Dupin (1804-1876), considerada a grande paixão do compositor clássico

Chopin, quando a ele se uniu em 1838 em uma relação amorosa que durou cerca de oito anos, ficou conhecida por suas roupas masculinas e atitudes liberais como fumar, usar cabelos curtos pintados de castanhos, e ter idéias socialistas. Sand tinha consciência de seu próprio talento e dedicou sua vida à arte, graças à mãe e à sua classe aristocrática e não burguesa. Publicou, em 1832, Indiana; em 1833, Mauprat, 1837; Lélia; em 1840, O

companheiro da viagem pela França; Consuelo, em 1843; O charco do diabo em 1846; Francisco, o bastardo

em 1848; A pequena Fadette em 1849; e em 1876, sua autobiografia História da minha vida.

63 Dois importantes fatos históricos devem ser levados em consideração ao falarmos sobre a poetisa: primeiro,

nasceu em um estado impregnado de rigor calvinista – Massachusetts, o que deve ter influenciado sua visão de mundo; segundo, viu a Guerra Civil americana. Esses acontecimentos explicam a reclusão em que viveu com sua irmã Lavínia. Ambas não casaram e tomaram conta dos pais até a morte deles, o que a fez ser considerada uma grande reclusa, no entanto, essa situação era muito comum para as mulheres na sociedade norte-americana oitocentista.

A escritora inglesa Virgínia (Stephen) Woolf (1882-1941)64 sofria de freqüentes crises nervosas e tentou o suicídio duas vezes: o primeiro, logo após a morte do pai, e o segundo, depois do lançamento do seu primeiro livro, Viagem de descoberta, em 1915. Woolf publicou, em 1919, Noite e dia; em 1925, Mrs. Dolloway; em 1927, Rumo ao farol; em 1928, Orlando, que retrata a Inglaterra da era elisabetana. Nesse período, Woolf fez inúmeras conferências para colégios femininos em Cambridge, mostrando sua veia feminista, fruto das discussões advindas do grupo Bloomsbury. Em 1931, publicou As ondas; em 1937, Os anos, e em 1941, após profunda crise depressiva, Woolf fez uma terceira e última tentativa de suicídio: morreu afogada com pedras amarradas aos pés.

Katherine Mansfield (1888-1923)65 pertenceu ao mesmo círculo intelectual de Woolf, e em 1922 publicou The garden party and other stories, seu mais famoso livro de contos.

Marguerite de Crayencour (1903-1987)66 assinava com o pseudônimo Yourcenar. Seu romance mais famoso é Memórias de Adriano, publicado em 1951, seguido de A obra ao negro, de 1968.

A francesa Simone (Lucie-Ernestine-Marie-Bertrand) de Beauvoir (1908-1986)67 foi uma escritora emblemática da luta feminista. Entre tantas publicações, vale salientar, em

64 Nasceu em Londres, numa família numerosa cujo irmão Tobby teve grande influência em sua vida – com ele,

teve a oportunidade de participar de um círculo intelectual considerado sofisticado e atuante na Inglaterra: o Bloomsbury, que, após a Primeira Guerra Mundial, investiu contra as tradições sociais, culturais e políticas da era vitoriana. Em 1912, casou-se com Leonard Woolf, de quem adotou o nome artístico: Virgínia Woolf. Com ele, Woolf não teve filhos e pôde se dedicar à editora criada pelo marido: “The Hogart House Press”, responsável pelas publicações da escritora, e de outros autores como Katherine Mansfield e T.S. Eliot. Virgínia Woolf gravou seu nome na Inglaterra vitoriana, deixando uma extensa bibliografia que inclui ensaios, correspondências e mais o romance Entre os atos, prova de sua vida dedicada à literatura.

65 Neozelandesa, filha de família burguesa, estudou em Londres, onde publicou seu primeiro livro de contos, In a

german pension, em 1910, aos 22 anos. Em 1915, têm início os indícios da doença que lhe tiraria a vida:

tuberculose. Em 1918, saiu o segundo livro, Prelude; seguido de Je ne parle pas français; em 1921, Bliss and

other stories; Após sua morte, foi considerada uma das maiores contistas da literatura inglesa pela capacidade de

observar com sensibilidade os seres humanos, tendo sido publicados seu diário, suas cartas e seu álbum de recortes.

66 Yourcenar é anagrama de seu sobrenome. Sua terra natal é Bruxelas, Bélgica, mas mudou-se com o pai viúvo

para Paris em 1914, em plena Primeira Guerra; na Segunda Guerra mudou-se para os Estados Unidos, onde se naturalizou norte-americana, em 1947. Sua escrita é marcada pelo estilo clássico, erudição e tema psicológico. Foi tradutora de vários romances ingleses e americanos para a literatura francesa. Em 1981, foi a primeira mulher a tornar-se membro da Academia Francesa.

67 Em 1945, fundou, juntamente com Sartre, o jornal Les Temps Modernes, época em que se juntou a um grupo de filósofos–escritores que se deixaram influenciar pela atmosfera existencialista. Com se companheiro, o

1945, O sangue dos outros; em 1949, O segundo sexo, um dos manifestos pioneiros da luta feminista, propondo novas bases para a discussão do relacionamento entre homens e mulheres; em 1954, Os mandarins, ano em que ganhou o prêmio Goncourt; em 1964, Uma morte muito suave e em 1981, A cerimônia do adeus, memórias de sua vida com o filósofo.

A escritora Marguerite Duras (1914-1996)68 publicou seu romance famoso em 1984, O amante, recebedor do prêmio Goncourt, neste mesmo ano. Também escreveu peças de teatro, entre elas, Hiroshima, meu amor.

A partir deste rápido passeio pelos países imperialistas europeus e pelos Estados Unidos, pode-se perceber que os historiadores não puderam conter ou silenciar as vozes da autoria feminina dada à força de seus discursos – quase sempre contra-discursos ou até mesmo situadas no discurso dominante –, pois seus temas denunciavam, estrategicamente, a condição da mulher nas suas culturas. De certo modo, como mostro a seguir, esses discursos se refletem na cena literária brasileira.