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6 A REESTRUTURAÇÃO DO CAPITAL E O IMPACTO NA POLÍTICA DE

6.2 A missão institucional da universidade

A universidade é, indiscutivelmente, uma instituição criada com propósitos claros de contribuir com o desenvolvimento das pessoas, em particular, e das sociedades, de modo geral. A universidade é a instituição que tem a incumbência de efetivar a Educação Superior no País, embora devamos ressaltar que tal atribuição não é exclusiva dela. Na sociedade contemporânea, identificada como a Sociedade do Conhecimento, a Educação Superior vai sendo cada vez mais demandada por todos, fortalecendo, desse modo, o papel desempenhado

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pelas universidades. Tal demanda é explicitada na primeira Conferência Mundial sobre o

ensino superior, realizada em Paris, no período de 05 a 09 de outubro de 1998. O documento

final dessa Conferência registra que,

No limiar de um novo século, há uma demanda sem precedentes e uma grande diversificação na educação superior, bem como maior consciência sobre sua importância vital tanto para o desenvolvimento sociocultural e econômico como para a construção do futuro, diante do qual as novas gerações deverão estar preparadas com novas habilitações, conhecimentos e ideais. (CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR, 1999, p. 19, grifos do autor).

Esse documento explicita que a universidade está imbuída de uma relevância vital para o desenvolvimento das pessoas e das sociedades. Esse caráter vital da universidade se justifica porque o núcleo do trabalho acadêmico da universidade é o saber.

Da citação anterior, consideramos pertinente destacar a relevância social da universidade “na construção do futuro”. Tal argumento é procedente, porque próprio da natureza do trabalho acadêmico é fazer descobertas, instigar o espírito investigativo, crítico, favorecer o diálogo, proporcionar informações, desenvolver habilidades, promover reflexões. São tantas outras ações que não cabe aqui as descrever. É oportuno nesse momento apenas reconhecê-las como ações imprescindíveis à vida na sociedade hodierna. Essa natureza do trabalho empreendido pela universidade faz com que cada vez mais pessoas em todos os países busquem a universidade.

Na verdade, são múltiplas e abrangentes as ações demandadas à universidade na segunda dezena do século XXI. Para refletir sobre a missão da universidade, na contemporaneidade, registramos o pensamento de Silva (2011, p. 1, grifo nosso) expresso nos seguintes termos:

A universidade deve estender sua ação humanizadora a todos os espaços sociais, aos sindicatos, às associações, às academias, ao ensino básico, ao ensino médio, aos museus, às casas de cultura. Ela deverá estar onde estiverem as pessoas, deverá contribuir para a proteção de cada ser humano, de cada ser vivo, na grande família das espécies. Além disso, à universidade caberá escrever um novo capítulo da história. O capítulo da criatividade, da reinvenção, da reconstrução. Ela sugerirá novos caminhos, indicará atalhos, iluminará as zonas de penumbra com a pesquisa, a discussão, a informação e a reflexão. Essa deve ser e será certamente a função social da universidade.

Os escritos do autor são relevantes para esse texto por mostrarem algumas atribuições das quais a universidade não pode se furtar. A primeira delas é a pesquisa. Esta retrata o espírito da universidade. É impensável a universidade sem pesquisa, isso porque é

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próprio dessa instituição a descoberta, e esta descoberta, no âmbito acadêmico, está atrelada ao trabalho científico, que requer sistematização e isso ocorre por meio da busca científica. Ao longo dos anos, as descobertas decorrentes da procura científica muito contribuem para o desenvolvimento das sociedades.

Quanto à discussão, a universidade tem se constituído historicamente como espaço de interlocução dos diferentes sujeitos. O debate na academia possibilita o encontro dos diferentes pontos de vista, o que propicia o crescimento de todos. Sob tal aspecto a universidade leva a cabo as lições de Freire (1999), quando assinala que ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, as pessoas se educam entre si por intermédio do diálogo. É partindo dessa premissa que a universidade se caracteriza como espaço de “encontro”, locus do “diverso”.

Quanto à informação, sendo esta o substrato que nutre as mentes e que forma a base para as descobertas, elas ocupam espaço de destaque no âmbito acadêmico. A universidade torna-se, por excelência, um locus privilegiado no trato de informações (apropriar-se da informação e transformá-la em conhecimento). Na contemporaneidade, o uso da tecnologia no acesso e intercâmbio de informações constitui imperativo na rotina da universidade.

A reflexão também envolve um aspecto intrínseco à universidade, nos diferentes momentos históricos vividos pela academia, quando esta se desenvolvia convivendo com o peso da religião, da cultura ou do mercado. Tal instituição sempre se valeu do ato de pensar, refletir, como uma arma, quer seja para o entendimento dos fatos, quer seja para se opor a eles. A reflexão possibilita um desvelar das realidades mascaradas. E a universidade é por excelência uma instância crítica da sociedade. Na sociedade “fetichizada” pelo capital, onde tudo é transformado em mercadoria, a reflexão se mantém como ferramenta indispensável à construção da visão crítica.

Essas são algumas atribuições próprias da universidade, porém, é inegável que muito ainda temos a dizer a respeito de tal instituição. Nessa perspectiva, são bem-vindas as contribuições de Boaventura (2011, p. 7):

[...] são muitos e diferentes os objetivos sociais reservados historicamente às universidades, fenômeno que ocorre ainda, mesmo dentro de um mesmo país como é o caso do Brasil. O que se pode afirmar, sem funcionalismo mecanicista, é que as universidades têm refletido historicamente o quadro social de sua época e incorporado em suas agendas a temática fornecida pela sociedade onde se encontram inseridas.

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Certamente, muitas são as demandas sociais contemporâneas e estas irão a cada momento histórico determinar a missão institucional da universidade. Nesta tese destacamos a demanda por melhoria do padrão de qualidade do ensino básico propiciado pela escola pública às crianças brasileiras; escola que é parte significativa do sistema educacional brasileiro. Sobre a contribuição da universidade ao sistema educacional, Buarque (1999, p. 9, grifo nosso) afirma,

A educação brasileira começa a ser repensada em seus alicerces de sustentação, com vistas à ampliação de seu sentido ético e social. A rigor, uma educação de qualidade só se torna digna desse adjetivo se os seus eixos norteadores resistirem ao exame pautado por critérios que possam atestar sua relevância para as pessoas e as sociedades. Na busca dessa condição, sobressai o papel da universidade. Nenhum sistema educacional terá condições de galgar novos patamares prescindindo de sua contribuição. Ela é, indiscutivelmente, uma das instituições mais éticas na história da cultura humana.

O argumento referente à contribuição da universidade ao sistema educacional, em particular à escola pública, é procedente e, não oferece contestação. Tal argumento é facilmente comprovado, quando se evidencia que o trabalho empreendido pela universidade se desenvolve na tríade ensino, pesquisa e extensão. Quanto ao ensino, a contribuição da universidade é ímpar, ao formar quadro de pessoal docente para atuar em todos os níveis e modalidades de ensino; no concernente à extensão universitária, esta é também uma contribuição singular pois é na prática uma interlocução direta da universidade com a sociedade; no concernente à pesquisa, no âmbito da educação, as descobertas decorrentes das investigações desenvolvidas pela universidade são informações relevantes pelo fato de abordarem problemáticas que são demandas contemporâneas do sistema educacional como um todo, e, em particular, da escola (a produção científica do Programa de Pós-Graduação em Educação da FACED/UFC é um exemplo dessa realidade em que as demandas contemporâneas da escola são objeto da pesquisa acadêmica. Essa informação encontra-se detalhada no cap. 7 deste relatório de pesquisa).

Retomando as reflexões acerca da contribuição da universidade à sociedade no século XXI, destacamos a missão conferida ao ensino superior nesse momento histórico. Essa missão institucional que é da universidade, e que, portanto, é extensiva aos programas de pós- graduação, se encontra registrada na Declaração Mundial sobre Ensino Superior no século

XXI: visão e ação. Nesta tese, destacamos apenas os artigos relacionados a missão da

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O Artigo 1º - A missão de educar, formar e realizar pesquisas – estabelece que a Educação Superior deve incubir-se da missão de gerar e difundir conhecimentos à sociedade,

[...] Promover, gerar e difundir conhecimentos por meio da pesquisa e, como parte de sua atividade de extensão à comunidade, oferecer assessorias relevantes para ajudar as sociedades em seu desenvolvimento cultural, social e econômico, promovendo e desenvolvendo a pesquisa científica e tecnológica, assim como os estudos acadêmicos nas ciências sociais e humanas e a atividade criativa nas artes. (CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR, 1999, p. 22).

Esse artigo preconiza, ainda, que a Educação Superior deve “contribuir para o desenvolvimento e a melhoria da educação em todos os níveis, em particular por meio da capacitação de pessoal docente”.

O Artigo 5º - Promoção do saber mediante a pesquisa na ciência, na arte e nas

ciências humanas e a divulgação de seus resultados – preconiza que os saberes produzidos no

âmbito acadêmico devem ser devolvidos à sociedade,

[...] As instituições devem certificar-se de que todos os membros da comunidade acadêmica que realizem pesquisa recebam formação, apoio e recursos suficientes, os direitos intelectuais e culturais derivados das conclusões da pesquisa devem ser utilizados para proveito da humanidade e protegidos de modo a se evitar seu uso indevido (CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR, 1999, p. 25).

O Artigo 6º- Orientação de longo prazo baseada na relevância da educação

superior- estabelece que a avaliação da educação superior considere as demandas sociais e o

que as instituições realizam.

[...] A relevância da educação superior deve ser avaliada em termos do ajuste entre o que a sociedade espera das instituições e o que estas realizam. Isto requer padrões éticos, imparcialidade política, capacidade crítica e, ao mesmo tempo, uma articulação melhor com os problemas da sociedade e do mundo do trabalho, baseando orientações de longo prazo em objetivos e necessidades sociais.

[...] A educação superior deve ampliar sua contribuição para o desenvolvimento do sistema educacional como um todo, especialmente, por meio do melhoramento da formação do pessoal docente, da elaboração de planos curriculares e da pesquisa sobre a educação.

[...] A educação superior deve reforçar o seu papel de serviço o seu papel de serviço extensivo à sociedade, especialmente as atividades voltadas para a eliminação da pobreza, intolerância, violência, analfabetismo, fome, deterioração do meio-ambiente e enfermidades, principalmente por meio de uma perspectiva interdisciplinar e transdisciplinar para a análise dos problemas e questões levantadas. (CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR, 1999, p. 25-26).

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O cuidado com a contribuição do ensino superior às questões educacionais são reiteradas por Saint-Pierre (1999, p. 80):

Refletir sobre o futuro do ensino superior é refletir sobre o desenvolvimento humano. Dentre os três indicadores escolhidos para construir o índice desse desenvolvimento - a saber, o índice de longevidade, da renda per capita e o índice da escolarização e de alfabetização – é esse último que nos preocupa cada vez mais.

Em síntese, podemos dizer que a produção do conhecimento nas Ciências Humanas, a socialização do saber produzido e a articulação entre o ensino superior e as necessidades sociais são finalidades do Ensino Superior. Essas constituem parte da missão institucional da universidade que foram estabelecidas na primeira Conferência Mundial, e são ratificadas na segunda Conferência Mundial sobre Ensino Superior 2009: as novas dinâmicas

do ensino superior e pesquisas para a mudança e o desenvolvimento social. O documento

final da segunda Conferência é um Comunicado composto por 52 itens, dos quais destacamos, 16 - Ênfase maior nas áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática assim como em Ciências Sociais e Humanas é fundamental para toda a sociedade.

17 - Os resultados das pesquisas científicas devem se tornar mais disponíveis através das T.I.C, além do acesso aberto à literatura científica.

18 - O treinamento oferecido pelas instituições de ensino superior devem tanto responder como antecipar as necessidades sociais. (CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE ENSINO SUPERIOR, 2009, p. 3).

Conforme registrado anteriormente, faz parte da missão institucional da universidade contribuir com o desenvolvimento e melhoria do sistema educacional em todos os níveis. Neste trabalho, trazemos para o debate acadêmico a necessidade de melhoria do padrão de qualidade do ensino oferecido pela escola pública. A universidade, ao propiciar contribuições à escola pública, desenvolvendo pesquisas no campo educacional e socializando os achados de tais pesquisas, estará cumprindo o preceito de articular o ensino superior às necessidades sociais. Mais do que cumprindo sua missão, a universidade também estará reafirmando seu compromisso social com a sociedade brasileira que a financia. O item seguinte aprofunda a discussão acerca do compromisso social da universidade.