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CAPÍTUO II PROBLEMATIZAÇÃO E SENTIDO CRISTÃO DO SOFRIMENTO

5. A missão salvífica de Cristo

Na sua atividade messiânica no meio de Israel, Cristo tornou-Se incessantemente próximo do mundo do sofrimento humano. Passou fazendo o bem, e adaptava este modo de

161

Cf. AA.VV. Brotéria, Cristianismo e Cultura, 3º Volume, Série Mensal, 2005, 251.

162 Cf. JOÃO PAULO II, Carta Encíclica « Retemptor Hominis», O Redentor do Homem, Roma, 4 de março,

1979, nº10.

163 Cf. BENTO XVI, Carta Encíclica, «Deus Caritas est», Deus é Amor, Roma, 25 de dezembro, 2005, nº39. 71

proceder em primeiro lugar para com os que sofriam e os que esperavam ajuda. Curava os doentes, consolava os aflitos, dava de comer aos famintos, libertava os surdos da surdez, os cegos da cegueira, os leprosos da lepra, a todos do demónio e de diversas deficiências físicas. Por três vezes restituiu mesmo a vida aos mortos. Era sensível a toda a espécie de sofrimento humano, tanto do corpo como da alma.164 Recordemos a resposta de Jesus aos discípulos de João Batista: reparai que os cegos vêem, os coxos andam e a Boa Nova é anunciada aos pobres (Mt 11,5).165 Ao mesmo tempo proclama: fui enviado a anunciar a Boa Nova aos pobres (Lc 4,18). Às vítimas da rejeição e do desprezo, declara: «bem-aventurados vós, os pobres» (Lc 6,20), fazendo-lhes inclusive, sentir e viver já uma experiência de libertação, estando com eles, partilhando a mesma mesa (Lc 5,30; 15,2), tratando-os como iguais e amigos (Lc 7,34), procurando que se sentissem amados por Deus, e revelando deste modo imensa ternura pelos necessitados e pecadores (Lc 15,1-32).166

Com um ministério de amor, somos chamados a semear a alegria. O Cardeal Walter Kasper chama aos sacerdotes os servidores da alegria. Esse foi o sentido profundo do ministério de Jesus: «manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja perfeita» (Jo 15,11). Realmente a alegria que semeamos é a do Reino de Deus, tem a sua fonte no encontro amoroso com o Senhor, é a alegria da salvação que brota da experiência de se sentir amado por Deus em Jesus Cristo. Por isso, os Sacerdotes são os servidores da alegria e não a sua fonte. Os discípulos ficaram cheios de alegria quando viram o Senhor.167

Jesus coloca no centro da sua missão, do seu ensino as oito bem-aventuranças. O Evangelho de S. Mateus e de S. Lucas nos apresentam a listas de bem-aventuranças: (Mt 5,3- 12; Lc 6,20-23). Lucas apresenta-nos também umas mal-aventuranças, umas maldições (Lc 164 Cf. JOÃO PAULO II, Carta Apostólica «Salvifici Doloris», sentido cristão do sofrimento humano, Roma, 11

de fevereiro de 1984, nº16.

165 Cf. AAVV., Jesus Cristo é o Senhor, Secretariado Nacional da Educação Cristã, Lisboa, 19928, 121. 166

Cf. JOÃO PAULO II, Carta Encíclica «Redemptoris Missio», Missão de Cristo Redentor, Roma, 7 de dezembro, 1990, nº14.

167 Cf. José da Cruz POLICARPO, Obras Escolhidas; Igreja, Mistério e Missão, Editora, Universidade

Católica,Vol.13, Lisboa, 2010, 81-82.

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6,24-26) que anunciam pela negativa a mesma mensagem. Ainda nos Evangelhos encontramos outras proclamações de felicidade ou bem-aventurança: Maria é ditosa e feliz por ser a Mãe do Senhor e por ter acreditado no cumprimento da palavra de Deus: «Feliz daquela que acreditou que teriam cumprimento as coisas que foram ditas da parte do Senhor, porque olhou para a humilde condição da Sua Serva» (Lc 1,45.48). São felizes todos os que escutam a palavra de Deus e a põem em prática (Lc 11,28), como são felizes os que acreditam sem terem visto (Jo 20,29).

Os dois Evangelistas situam as bem-aventuranças no conjunto de um grande discurso inaugural de Jesus sobre o Reino. São como que uma síntese, um resumo de toda a Boa Nova de Jesus e devem ser lidas e interpretadas à luz de todo o conjunto do Evangelho. Ao lermos as duas versões das bem-aventuranças, percebemos as suas diferenças, não apenas no número, mas também na perspetiva própria de cada Evangelista. Longe de nos perturbarem, essas diferenças completam-se mutuamente e enriquecem a nossa compreensão.168

O livro do Apocalipse também proclama, bem-aventurados e felizes aqueles que seguem o Cordeiro, Jesus Cristo, e que são convidados para o encontro com o Senhor (Ap 1,3; 19,9; 20,6; 22,7).

No Antigo Testamento, encontramos várias proclamações de felicidade, sobretudo na literatura sapiencial e nos Salmos; é proclamado, feliz aquele que põe a sua confiança no Senhor (Sl 84,13), aquele que espera em Javé, que teme o Senhor (Sl 112,1) e cumpre a Sua lei (Sl 119,1), aquele que segue a sabedoria. São felizes os que habitam na casa do Senhor (Sl 84,5). «Os pobres são felizes não por serem pobres nem para que continuem pobres, mas porque chegou Jesus que os torna felizes, libertando-os dos seus sofrimentos, criando gestos e atitudes de solidariedade e de amor ao próximo em necessidade (parábola do Bom Samaritano): bem-aventurados vós os pobres, porque vosso é o reino de Deus (Lc 6,20). São felizes os que choram não porque, Jesus, queira que fique no seu sofrimento, se resigne e nada

168 Cf. AA.VV., Jesus Cristo é o Senhor, Secretariado Nacional da Educação Cristã, Lisboa, 19928, 120. 73

se faça, mas porque com Jesus encontrarão de novo a alegria da vida. Mas a felicidade do pobre não é tornar-se rico: «ai de vós os ricos porque recebestes a vossa consolação» (Lc 6,24), mas ter um coração de pobre: «bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus»169.

Esta catequese de Jesus sobre as bem-aventuranças, não se pretende criar um apoio para o cristão e não são um apelo à resignação e à privacidade. São antes de mais um vigoroso desafio a uma nova maneira de viver e construir o Reino de Deus: na abertura de nós mesmo aos outros através da partilha, da solidariedade, da preocupação pelos mais necessitados, através do empenhamento ativo nas causas da paz, na justiça, do respeito por todos, através da proclamação do Reino de Deus por palavras e pela vida.170

A liberdade e a salvação, oferecidas pelo Reino de Deus, atingem a pessoa humana tanto nas dimensões físicas como espirituais. São dois gestos que caraterizam a missão de Jesus: curar e perdoar. As múltiplas curas provam a Sua grande compaixão perante as misérias humanas; significam também que no Reino de Deus, não haverá doenças nem sofrimentos, e que a sua missão, desde o início, visa libertar desses males as pessoas. Na perspetiva de Jesus, as curas não são só para o corpo no seu exterior mas são também sinal da salvação espiritual, isto é, da libertação do pecado. Quando realiza gestos de cura, Jesus convida-nos à fé, convida-nos à conversão, ao desejo do perdão (Lc 5,24). Os gestos de libertação da possessão do demónio, mal supremo e símbolo do pecado e da rebelião contra Deus, são sinais de que o Reino de Deus chegou até vós (Mt 12,28).171

Por isso, a missão do Filho Unigénito consiste em vencer o pecado e a morte. Cristo venceu o pecado com a sua obediência até à morte, e venceu a morte com a sua ressurreição como referi anteriormente.172 A II Oração Eucarística, no seu prefácio esclarece essa missão

169Ibidem,121. 170 Cf. Ibidem, 121. 171

Cf. JOÃO PAULO II, Carta encíclica «Redemptoris Missio», Missão de Cristo Redentor, Roma, 7 de dezembro de 1990, nº14.

172 Cf. João PAULO II, Carta Apostólica «Salvifici Doloris», sentido cristão do sofrimento humano, Roma, 11

de fevereiro de 1984, nº14.

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de Cristo com as seguintes palavras: «Enviado por vós como Salvador e Redentor, fez-se homem pelo poder do Espírito Santo e nasceu da Virgem Maria. Para cumprir a vossa vontade e adquirir para vós um povo santo, estendeu os braços e morreu na cruz; e, destruindo assim a morte, manifestou a vitória da ressurreição»173. E na IV Oração Eucarística: «Para cumprir o vosso plano salvador voluntariamente Se entregou à morte, e com a sua ressurreição destruiu a morte e restaurou a vida»174. Não há comunhão de amor sem o dom do próprio corpo. Jesus na Ceia Pascal, exprime a profundidade de comunhão com a humanidade de todos os tempos, anunciando o dom do seu próprio corpo dizendo, isto é o meu corpo entregue por vós (Lc 22,19). Corpo entregue a nós e por nós, numa comunhão de amor que anuncia a nossa salvação.175

É exatamente o que professamos no credo nos seus artigos: por nós Homens e para a nossa salvação, desceu dos Céus. E encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e Se fez homem, padeceu e foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia conforme as Escrituras… e espero a vida do mundo que há-de vir. Estamos todos cheios de esperança, por isso tem sentido a nossa fé em Jesus Cristo, tem sentido anunciar a Sua morte e proclamarmos a Sua ressurreição.

Deus quer que todo o ser humano se salve e chegue ao conhecimento da verdade (1 Tim 2,3); querer a salvação de todos, a vida eterna, é não querer a perdição de ninguém, que é a morte eterna, «que Te conheçam a Ti, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a Quem enviaste. A vida no verdadeiro sentido, não a possui cada um em si próprio, sozinho, nem mesmo por si só: aquela é uma relação, é relação com Aquele que é fonte da vida. Se estivermos em relação com Aquele que não morre, que é a própria vida e o próprio amor, então estamos na vida»176. Assim, a salvação é o objeto próprio da esperança escatológica, é

173 MISSAL ROMANO, Gráfica de Coimbra, 1992, 523. 174

Ibidem, 539.

175 Cf. José da Cruz POLICARPO, Obras Escolhidas; Igreja, Mistério e Missão, Editora, Universidade

Católica,Vol.13, Lisboa, 2010, 83.

176 BENTO XVI, Carta Encíclica « Spe Salvi», Salvos na esperança, Roma, 30 de novembro, 2007, nº27. 75

uma certeza absoluta, predicável como tal e, em geral, da história e da comunidade humana, a condenação é uma possibilidade, fatível e só em casos particulares.