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Mito e Imaginário: propostas conceituais

CAPÍTULO 1. DISCUSSÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA

1.4. Mito e Imaginário: propostas conceituais

Nossa intenção principal com esta tese é analisar alguns mitos e passagens que englobam os deuses ctônicos e compreender como estes se configuram na sociedade helênica. Para isto, definirmos um conceito é primordial: o conceito de “imaginário”. Porém para entendermos o conceito de imaginário não basta analisar a historiografia que tratou desta problemática; se faz necessário definir um outro conceito, o de mito, que por sua vez deve ser entendido como estruturas complexas. Esta teia teórica nos dará subsídios para a análise da conjuntura estudada, bem como um contributo para a apreciação das diversas fontes que esta investigação pretende abarcar.

Comecemos com a questão do estruturalismo, por entendermos que é um conceito que permeará as discussões historiográficas realizadas neste tópico em quase toda sua totalidade. Os principais autores que trabalharemos para conceitualizar o “mito” – o filólogo Marcel Detienne e o historiador Jean-Pierre Vernant – partem de uma análise estrutural para o estudo da religiosidade grega. Também nos utilizaremos de Walter Burkert, que parte de uma perspectiva mais antropológica para estudar os mitos. Com estes três autores, acreditamos que conseguiremos abarcar a conceituação

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FLORENZANO, Maria Beatriz B. (1996), p. 14.

de “mito” em suas diversas especificidades.

Não é sem motivos que o estruturalismo atinge os historiadores da Antiguidade e estudiosos dos mitos gregos tardiamente. Uma ciência que, ao menos em sua elaboração primária, diminui a importância da História e os processos históricos não poderia soar bem aos historiadores. Georges Dumézil foi um dos únicos estruturalistas que, no final da década de 30, estudava as religiões numa perspectiva histórica, comparando sistematicamente mitos antigos celtas, gregos e romanos116 creditando assim um valor que outros pensadores do método estrutural não legaram à história e contrapondo as afirmações de Lévi-Strauss. O autor irá analisar os mitos indo-europeus como uma estrutura “trifuncional”, diferentemente das analises de infraestrutura influenciando a superestrutura:

Sua proposta inicial foi a de que os mitos (...) remetiam a uma estrutura segundo a qual essas mesmas sociedades se imaginavam constituídas pela hierarquia de três funções – mediação sagrada, ímpeto guerreiro e fecundidade laboriosa (...)117

O pensador Dumézil propõe uma nova “mitologia comparada” – já que um antigo método comparativo entre mitologias já existia – que não possui o intuito de tentar uma comprovação de que uma mitologia seria melhor ou mais elaborada que a outra, através de campos linguísticos e etimológicos. O autor vai creditar à particularidade de cada povo a formação de sua própria mitologia:

O empreendimento intelectual de Dumézil começa com deuses articulados, deuses em agrupamentos, assembléias de potências divinas. Esses deuses dos quais a antiga “mitologia comparada” queria apreender a essência e a etimologia sobre a base de equações lingüísticas, o novo comparativismo, também ele estabelecido no circuito do mundo indo-europeu, privilegia neles a ordem de sua enumeração, suas relações hierárquicas, as formas de oposição e de complementaridade, que permitem explorar os dados “teológicos”, como a tríade pré-capitolina (Júpiter, Marte, Quirino), a tríade dos deuses de Upsala (Odhinn, Thörr, Freyer), a lista dos Âditya na Índia antiga, a das Entidades (os Amasa Spanta) do zoroastrismo no antigo Irã.118

Dumézil irá influenciar uma gama de historiadores e estudiosos a partir dos anos 70, que iniciam uma análise histórico-estrutural: Pierre Vidal-Naquet, Jean-Pierre

116 DOSSE, François (2007), p. 70. 117 PATLAGEAN, Eveline (1988), p. 296. 118 DETIENNE, Marcel (2004), p. 96-97.

Vernant e Marcel Detienne para a antiguidade e Jacques Le Goff e Georges Duby para o medievo. A aceitação por parte de Le Goff e Duby favorece um vasto prolongamento de descobertas do estruturalismo para a terceira geração da Escola dos Annales. Embora Vernant fosse discípulo de Louis Gernet e Marcel Mauss, este enxerga em Dumézil uma análise estrutural com um pensamento histórico, ideal para as análises históricas da sociedade e do mito grego.

Pretendemos com estas elucidações partir de uma análise estrutural dos mitos gregos e do imaginário helênico. Discordamos de vários pontos do estruturalismo clássico, como o caráter atemporal creditado aos mitos e contestado somente por Dumézil. Todavia, temos como certo que os pesquisadores estruturalistas que utilizaremos para analisar tanto as categorias do “imaginário” como as do “mito” não devem ser seguidos unicamente; eleger o método estruturalista como única categoria de análise – coisa que nem Vernant nem Detienne, e muito menos Burkert, realizaram – seria perigoso; a História correria um sério risco de ser legada a mera ilustração. Possuímos plena consciência das falhas deste método estrutural quando das questões estritamente históricas e, conseguindo adaptá-lo a uma realidade mais histórica, cotejando com outros métodos como o próprio marxismo, a linguística e o culturalismo, acreditamos que poderemos chegar a uma centrada análise de nosso objeto; ele essencialmente histórico.

Iremos então para esta categoria tão difundida por muitos e ainda criticada por alguns: o “imaginário”. Este não deve ser visto como mentira ou ilusão. O “imaginário” e as imagens partem de um pressuposto real. As imagens projetadas exercem uma função na mente do indivíduo que as enxerga, criando assim uma imaginação que influenciará o indivíduo. Destarte, o “imaginário” não vem somente ligado a alguma espécie de poder para influenciar um grupo, ele existe independente das estruturas dominantes.

O homem cria suas imagens, que ora são influenciadas pelo poder, ora não: ao construir os deuses, o homem toma como referência uma realidade dada que caleidoscopicamente reordena, reestrutura e recria. Nesse processo, o imaginário tem como referência o real, dando-lhe outros sentidos fornecidos pelo material simbólico que utiliza119

O positivismo difundiu a tendência de que o “imaginário” e a imaginação se

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pautavam em argumentos falsos e este conceito passa a ser desvalorizado pelos campos da ciência em voga até então120. Evelyne Patlagean considera que o “imaginário” como objeto da história nasce com o enfraquecimento do positivismo pautado na ideia de progresso, da racionalização proposta pelas Luzes e do romantismo estético nacionalista121. As obras de Michelet, da segunda metade do século XIX, abrem um caminho para uma reflexão diferenciada na historiografia. Embora o autor esteja pautado na noção positivista de nação – estudando os movimentos do povo francês – Michelet analisa o “povo miúdo” da França em várias especificidades, incluindo a personagem da bruxa, a visão de natureza e a feminilidade. Porém é no século XX – entre as duas guerras mundiais – que o “imaginário” como conceito histórico começa a ganhar forma:

O imaginário nele encontra seu lugar na jovem história das mentalidades e instrui-se com os trabalhos dessa última: o além do homem medieval em Marc Bloch, a representação do mundo dos contemporâneos de Rabelais em Lucien Febvre. E, sobretudo, o imaginário de uma época, em todo o seu contexto mental, cultural e social, torna-se objeto essencial de uma história da arte em que se destacam os trabalhos citados adiante, de Émile Male e do maior, Henri Focillon.122

Contrariando alguns marxistas que insistem em afirmar que o “imaginário” foi um conceito conservador criado para a valorização de uma superestrutura alienante, temos no próprio Karl Marx algumas importantes reflexões sobre o conceito, como nos mostram François Laplantine e Liana Trindade:

O conceito de imaginário em Karl Marx explica, através da noção de alienação, a autonomia das instituições econômicas ou religiosas, como produtos independentes das ações humanas, expressando as contradições reais entre o produtor e o produto que passa a ser reificado. O imaginário seria, então, a solução fantasiosa das contradições reais.123

Esta relação de “imaginário” como um projeto de alienação pelas instituições de poder já foi revista pelos estruturalistas. A superestrutura marxista – no caso o “imaginário” – não é necessariamente produto da infraestrutura – no caso as instituições

120 DURAND, Gilbert (2001), p. 10. 121 PATLAGEAN, Eveline (1988), p. 292. 122 Idem, p. 293. 123

econômicas, políticas e religiosas – mas sim integrante de um sistema estrutural global, podendo influenciá-lo ou ser influenciado. O marxismo enxerga o “imaginário” em constante mutualismo com a ideologia. São as ideologias dominantes que influenciam as imaginações humanas. Embora concordemos que por diversas vezes o “imaginário” esteja ligado à ideologia de um grupo, acreditamos que este independe de uma ideologia dominante para existir. Percebemos ao longo da história que diversas vezes este ideológico transformou o imaginário de um grupo de indivíduos de acordo com os valores que interessam ao grupo social dominante e de acordo com o que deve ser transmitido para seus adeptos, como é o caso da estrutura religiosa.

Outra espécie de análise do “imaginário” que obteve grande importância, porém hoje já está em muitos aspectos superada, é a psicologia analítica de Jung. Jung, juntamente com outros pensadores como Gilbert Durand e Mircea Eliade, aproximam- se do estruturalismo nas análises dos mitos imaginários, haja vista que não creditam importância as diversas especificidades históricas e reduzem as diferentes culturas a uma mesma natureza universal de fenômenos culturais. Jung acrescenta uma nova categoria na análise do “imaginário”: os símbolos. Entretanto há uma indiferenciação conceitual entre imagens e símbolos124; estas duas noções são, para Jung, a mesma coisa, arquétipos inconscientes que se encontram igualmente nas diversas sociedades.

Georges Balandier apresenta-nos um elaborado panorama do “imaginário” na modernidade e na contemporaneidade. Deixaremos um pouco de lado a história linear e faremos o movimento de começar compreendendo como o imaginário se configura na sociedade contemporânea para somente então traçarmos esta categoria na Grécia Antiga. Balandier inicia o sexto capítulo de sua obra O Contorno: poder e modernidade afirmando: “A modernidade parece abolir o imaginário: pelo menos, subverte suas paisagens.”125

. Balandier, quando chega a essa afirmação, está se referindo ao mundo tecnológico em que estamos inseridos, que movem e modificam rapidamente as imagens projetadas e nossos referenciais desta, modificando assim o nosso próprio imaginário. A imaginação de um indivíduo ou de um grupo fica comprometida, pois passamos a ter o que o autor chamou de “visão instrumental”; tudo passa a ser avaliado em termos de funcionamento, pela sua eficácia tecnológica126. O capitalismo muito auxiliou nesta manutenção da modernidade, mas não somente ele. O contemporâneo

124 Idem, p. 17, 125 BALANDIER, George (1997), p. 227. 126 Idem, p. 227.

tende a desvalorizar as relações interpessoais de imaginação e fantasia entre os indivíduos de uma mesma estrutura:

Além das dificuldades de ordem econômica, o homem moderno submete-se à dificuldade das organizações e burocracias, das tecnoestruturas. Ele define suas atividades, sua relação com as instituições, sua moradia, determina seu espaço no interior dos grandes complexos urbanos, gerencia seu cotidiano.127

As frequentes descrenças do homem moderno afetam seu caráter mental que produz o “imaginário”. As religiosidades populares são substituídas por religiosidades oficias que já mostram em que o homem deve crer, como ele deve crer e o que ele deve pedir as suas divindades, empobrecendo assim sua capacidade de dialogar com seus deuses e, consequentemente, com seu “imaginário”. A banalização cultural que homogeniza as culturas e a empobrecem apaga as raízes mais significativas da criatividade e produção imaginária de um grupo. A cultura cria a novidade. Esta novidade entra no cotidiano do homem moderno com sua excessiva produtividade e provoca a rápida desvalorização dos objetos modernos, mascarado por uma ideologia de mudança e confecção do que é novo128. Esta ideologia seria a tecnoideologia, que contribuí para o desaparecimento de sistemas de pensamentos tradicionais.

Segundo o autor todas estas mudanças ocorridas na modernidade e fixadas na contemporaneidade não se mostram capazes de aniquilar completamente o “imaginário”. Os indivíduos continuam a criar imagens que exercem a manutenção de uma vida pessoal e coletiva. O homem moderno vive em um dualismo e assume esta divisão. Laplantine e Trindade afirmam que de um lado existe a subjetividade, do outro a objetividade. De um lado a paixão, do outro a razão; o indivíduo passa a se dividir entre o imaginário fantástico que festeja e a ciência racional que trabalha129. As pessoas continuam, a partir de suas apreensões, a terem desejos e aspirações. Todavia a modernidade transforma o conceito no que o autor chamou de “tecnoimaginário”130

. O “tecnoimaginário” diferir-se-ia do conceito de “imaginário” clássico por unir imaginário e tecnologia, aliando a força das imagens à “magia” das máquinas modernas. A informática é o melhor exemplo. Mesmo com uma tecnologia que reforçaria o pensamento racional, a magia desta tecnologia mexe com as fantasias e a projeção de

127 Idem, p. 228. 128 Idem, p. 231. 129

LAPLATINE, Françoise; TRINDADE, Liana (2003), p. 71.

imagens de um computador – cada vez mais perfeitas – parece reafirmar ainda mais o encanto do homem por imagens que este não conseguiria explicar tecnicamente. Em outra obra – O Dedado: para finalizar o século XX – Balandier aponta que este “tecnoimaginário” faz do imaginário um refém das imagens. O “imaginário” só pode traçar um caminho próprio a partir do momento que se alia às imagens projetadas pela modernidade131.

Já o “imaginário” na Antiguidade não parte das mesmas premissas do

imaginário na modernidade. O “imaginário” na Antiguidade inicia-se com um

principio: o “mito” – seja ele religioso, político ou ideológico. Não é preciso dizer que o “tecnoimaginário” ainda não vigorava nas sociedades antigas; então o “imaginário” ficaria ligado a categorias míticas e imagens que permitiriam a manutenção de um poder sobre um determinado grupo. Aqui nos interessam primordialmente os mitos religiosos e como as esferas políticas e ideológicas manipularam este imaginário religioso como manutenção de suas relações de poder, por entendermos que, diferentemente da nossa sociedade, a religião permeava todas as outras esferas sociais, estando em constante mutualismo, sem determiná-las: “uma sociedade, como a grega, em que a religião estava totalmente imbricada em todos os campos da vida pública e social”132.

A noção de “imaginário” era conhecida pelos antigos da mesma forma que pelos modernos, embora os Antigos creditassem uma função diferente a este conceito, como Platão. Não iremos aqui discorrer sobre a noção de “imaginário” para a filosofia antiga, por sabermos que isto implicaria na confecção de uma nova dissertação; veremos aqui somente de que forma o “imaginário” e o “mito”133se relacionavam. Podemos perceber que os Gregos possuíam uma análise própria de seu imaginário contemporâneo – além dos escritos filosóficos – pelas obras literárias escritas que chegaram até nós e estudadas pelos atuais pensadores:

Apesar das diferenças a respeito da atualidade e as épocas em que o conflito social foi objeto de observação teórica, os antigos também eram capazes de percebê-lo dentro de suas condições, como enfatizou Lukács (1966-67, III, 51), estudando a astúcia de Odisseu e, sobretudo, a tragédia grega, forma privilegiada de percepção do conflito, com projeção coletiva na manifestação cultural que se

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BALANDIER, George (1999), p. 133.

132

ZAIDMAN, Louise Bruit; PANTEL, Pauline Schmitt (2002), p. 5.

133

Para compreender a noção de imaginário em Platão e em outros filósofos ver: DURAND, Gilbert. O

Imaginário: ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. Trad. René Eve Levié. São Paulo: Difel

produziu na antiguidade134.

Os diversos mitos interligar-se-iam com várias de suas personagens e com várias esferas de utilidade:

(...) Assim, no mito de Hermes, o mitema do mediador emerge da bastardia do deus das encruzilhadas, das trocas e do comércio. Filho de Zeus e uma mortal, Hermes é o protetor do bastardo Dioniso, o

intermediário de Zeus junto a Alcmena, o intérprete entre Zeus e as

três deusas, e o pai de um ser ambíguo: Hermafrodita...135

Gilbert Durand chamou de “mitema” esta teia de divindades e suas funções, que estão em itálico na citação – grifadas pelo próprio autor – que se entrelaçam nesta pequena análise do mito de Hermes. Lançando mão da ideia estrutural de comparação, analisaremos os mitos religiosos – primordialmente os ctônicos – em um entrelaçamento de divindades que variam conforme sua importância nas narrativas míticas, mas nunca uma sobressaindo-se sobre a outra.

O “mito” passa a ser analisado pelas humanidades, como nos coloca Ernest Cassirer, pelos campos tradicionais da filosofia e da antropologia do século XIX136. Kant irá creditar ao “mito” uma posição de importância que não era creditado pelos cientistas até então e irá influenciar os estudos antropológicos de James Frazer e E. B. Tylor e, posteriormente, será criticado por Lévy-Bruhl. As teorias do “animismo” de Tylor consideravam o homem primitivo e seus mitos como puristas e ingênuos. Tylor terá suas teorias reelaboradas pelos estruturalistas ao longo do século XX, por considerarem que as análises positivistas de Tylor – que consistiam na tradicional análise “investigador/objeto” – por acreditarem que os mitos são interligados e se relacionam, se manipulam e se transformam psiquicamente e não simplesmente acontecem pela mente primitiva de sociedades selvagens. Os estudos realizados por positivistas durante o século XIX levou a uma conclusão de que o “mito” não passava de uma reunião de histórias absurdas e extraordinárias, estranhas ao ideal cristão ou cientifico dos intelectuais da época. O próprio Jean-Pierre Vernant, em entrevista concedida à revista francesa L’Histoire, aponta que desde a Renascença os mitos gregos vem sofrendo releituras para legitimar as ações humanas:

134 PLÁCIDO, Domingo (1995), p. 28. 135

DURAND, Gilbert (2001), p. 86.

O erro constante poderia ser o de incluí-los tão perto. Graças à Renascença, na verdade, uma boa parte da cultura européia, cansada da hegemonia cristã quis acreditar ser filha direta da Grécia antiga. Disso surgiu o tema do “milagre grego”, que teve duas expressões sucessivas e complementares. A razão foi inventada pela Grécia antiga, disseram os homens do século XVIII. A invenção do individualismo democrático, acrescentaram algumas mentes dos séculos XIX e XX.137

Na primeira metade do século XX muitas das ações do homem foram legitimadas por um resgate e uma releitura feitas da Antiguidade, como o fascismo italiano de Mussolini pautado na soberania do exército romano de outrora. Alguns grupos anticristãos franceses também realizaram releituras da religiosidade greco- romana para contestar o cristianismo em voga138.

Partindo de um outro ponto de análise, utilizaremos neste trabalho também os estudos de Walter Burkert. Embora não completamente distante das análises estruturalistas, Burkert parte de um viés mais antropológico para o seu estudo do “mito”, o que nos é muito útil no que tange às compreensões da origem social e até biológica dos mitos. Em uma de suas obras mais importantes, Homo Necans:

Interpretationen Altgriechischer Opferriten uns Mythen (1972), Burkert discute a

importância do ritual, ou seja, antropologicamente falando, da prática social, na construção do “mito”, elucidação que nos é cara, pois partimos do pressuposto de que o “mito”, enquanto uma teia social, não deve ser dissociado das práticas cotidianas inerentes à religiosidade humana.

Em uma discussão associando questões biológicas a sócio-históricas, Burkert aponta que as origens do “mito” e da própria religião, de uma forma mais complexa, surgem no homem baseados em um sentimento de receber algo, de tirar proveito de uma situação que, pelas vias cotidianas da sobrevivência, não chegariam. Daí está o ato de dar e receber presentes durante um culto, as oferendas de agradecimento e as preces139. Muito mais que uma simples construção social, o “mito” e as práticas religiosas partem de uma necessidade quase que fisiológica do homem que, a partir do Paleolítico Médio, passou a enterrar seus mortos e depositar pedras e objetos nos túmulos140.

De posse destas informações e com o apoio das teorias antropológicas de Burkert, assim com o estruturalismo de Vernant e Detienne, abarcaremos este conceito

137 VERNANT, Jean-Pierre (1989), p. 85. 138 BELEBONI, Renata (2000), p. 70. 139 BURKERT, Walter (1996), p. 178. 140 LÉVÊQUE, Pierre (1996), p. 15.

de “mito” quando nos debruçarmos em nossa documentação e compreendermos todas as especificidades que circundam as divindades Gregas, tanto em suas representações como no cotidiano social grego, por meios das oferendas e dos rituais.

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