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Estamos tão entretidos em sobreviver que nos consumimos no presente imediato. Para uma grande maioria, o porvir tornou-se um luxo. Fazer planos a longo prazo é uma ousadia a que a grande maioria foi perdendo direito. Fomos exilados não de um lugar. Fomos exilados da actualidade. E por inerência, fomos expulsos do futuro.

Mia Couto

Com uma extensão territorial de 799.380 Km2, sendo 786.380 Km2 em terra

firme e 13.000 Km em águas interiores, a República de Moçambique está localizada na costa oriental da África Austral. O país é composto por onze províncias, as quais são, em ordem alfabética: Cabo Delgado, Cidade de Maputo, Gaza, Inhambane, Manica, Maputo Província, Nampula, Niassa, Sofala, Tete e Zambézia. O idioma oficial é o Português, embora ele não seja falado por todos os habitantes. Segundo consta no Portal do Governo de Moçambique, há outras línguas nacionais, que são Cicopi, Cinyanja, Cinyungwe, Cisenga, Cishona, Ciyao, Echuwabo, Ekoti, Elomwe, Gitonga, Maconde (ou Shimakonde), Kimwani, Macua (ou Emakhuwa), Memane, Suaíli (ou Kiswahili), Suazi (ou Swazi), Xichanga, Xironga, Xitswa e Zulu. Por um lado, essa coexistência de línguas em um mesmo território revela a diversidade que permeia o país, uma vez que a cada uma delas vêm atreladas especificidades culturais. Por outro lado, Moçambique não falar um mesmo idioma gera dificuldades para a educação formal, sobretudo no que concerne ao acesso à leitura, tendo em vista o índice de analfabetismo registrado pelo Anuário Estatístico 2016: 44,9%.

Conforme dados do Instituto Nacional de Estatística, a população total de Moçambique, em 2017, é de 27.128.530, sendo 8.766.777 em área urbana e 18.361.753 em área rural. Tomando-se como referência o ano de 2016, a expectativa de vida é de 54,1; abaixo, portanto, de algumas outras regiões africanas. Contribuem para isso fatores como a desigualdade social entre o Norte e o Sul do país e entre a cidade e o campo, além da falta de uma integração econômica que vise superar o desnível entre essas áreas. Considerando-se o fato de que a maioria da população depende da agricultura para a sobrevivência, as questões climáticas

têm grande impacto na qualidade de vida do país. Assim, a existência de seca, de ciclones ou de cheias repercute fortemente no cenário de subdesenvolvimento, pois, de forma geral, devido à pobreza, faltam condições de enfrentamento das consequências advindas de fenômenos como esses.

De acordo com um estudo feito pelo Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental, historicamente, Moçambique é o país da África Austral mais atingido por desastres naturais. O perfil climático do território é de duas estações distintas, a quente e chuvosa, que se inicia em outubro e termina em março, e a seca e fresca, que vai de abril a setembro. Os ciclones são mais frequentes durante o período quente e provocam chuvas que vêm acompanhadas por trovoadas e ventos fortes, os quais já atingiram até mais de 100 km/h. Tais características geográficas não estão desvinculadas da história, tampouco da realidade social de Moçambique, haja vista a interferência na produção agrícola. Leila L. Hernandez lembra que

Na primeira metade do século XIX, os povos de Moçambique enfrentaram uma grave seca que causou fome, epidemias e grande número de mortos; a invasão de povos do interior do continente [...]; e o aumento do tráfico internacional de escravos. Esses três fatores provocaram graves consequências sociais e políticas, redesenhando o espaço geopolítico de Moçambique (HERNANDEZ, 2008, p.586).

Fatos como esse reverberam por muito tempo, inclusive porque, mesmo que não venha sempre com a mesma intensidade, a seca tem sido frequente no país. Por vezes, ela se estende e dura mais que um ano, como a que se iniciou em 2015, avaliada como a mais intensa das três últimas décadas.

Em virtude dessa realidade, os aproveitadores encontraram e ainda vêm encontrando um contexto favorável para a exploração. Acrescentem-se a isso os séculos de dominação portuguesa, a guerra pela independência e a existência de guerra civil. No que tange à educação formal, alicerce para o desenvolvimento socioeconômico, o ensino foi regulamentado nas colônias lusas apenas em 1845, segundo registros de Miguel B. Gómez (1999), o que contribuiu decisivamente para que os europeus se apossassem não só do território dos moçambicanos e dos demais africanos colonizados por Portugal, e sim dos mais diversos espaços. Em agosto do referido ano,

um decreto diferenciava o ensino nas colônias do ensino na Metrópole e criava as escolas públicas nas colônias. Em 14 de agosto de 1846, foi publicada a primeira providência legal para se organizar a instrução primária no “Ultramar Português”. Depois de 1845, criaram-se, por decreto, as primeiras escolas primárias na Ilha de Moçambique, no Ibo, Quelimane, Sena, Tete, Inhambane e Lourenço Marques. Mas esses decretos, ou actos legislativos, não foram para além do papel, como, em 1865, o reconhecia o então Ministro do Ultramar (GOMÉZ, 1999, p. 39).

Esses dados traduzem a morosidade com que a educação era tratada no colonialismo, revelando uma contradição, tendo em vista ser interesse da Metrópole usar o ensino para “moldar” o africano, a fim de que este fosse domesticado e replicasse os valores e os interesses lusitanos.

Uma das consequências ocasionadas pela adoção de uma proposta educacional limitada e excludente, como a oriunda da política colonial, foi a falta de preparo da população para lidar com as dificuldades naturais do país. Isso porque o colonizador investia em meios para tirar proveito dos minerais e de algumas espécies animais, a exemplo do ouro e do marfim, mas não colocava como prioridade a prevenção para os fenômenos comuns ao território. Ele explorou a diversidade natural local, e o fez sem o devido controle e sem que houvesse um retorno financeiro para os autóctones. Assim, considerando-se que maior parte dos moçambicanos sobrevivia e ainda sobrevive da agricultura e que muitos dependem da pesca, os períodos de seca ou de cheia, se duradouros, vêm sendo também períodos de fome e de morte. Em consequência, apesar da oficial independência, Moçambique ainda guarda rastros fortes do passado de colônia.

3.3.1 Do Espaço-Colônia ao Espaço Independente

O que advogo é um homem plural, munido de um idioma plural. Ao lado de uma língua que nos faça ser mundo, deve coexistir uma outra que nos faça sair do mundo. De um lado, um idioma que nos crie raiz e lugar. Do outro, um idioma que nos faça ser asa e viagem.

Mia Couto

Foi entre os anos de 1497 e 1499 que o leste do continente africano começou a receber a visita de portugueses. Conforme Hernandez, isso foi possível por conta da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia, fato que deu “início a uma ligação marítima regular entre o Ocidente e o Oriente” (HERNANDEZ, 2008, p.582). Antes da descoberta desse caminho, o comércio internacional ocorria por via terrestre e se tornava bastante oneroso, por isso o navegador lusitano recebeu a missão de abrir uma rota via mar, segundo D. Denoon (2010, p.807). Na viagem, Vasco da Gama passou por diferentes regiões do território moçambicano: Inhambane, Ilha de Moçambique, Quelimane e Sofala, o que lhe permitiu entrar em contato com a diversidade etnolinguística inerente a esse espaço africano e com os mercadores que se encontravam lá, com o fim de realizar trocas de produtos, como o ouro e o ferro, por exemplo.

De acordo com Lopes e Macedo, “a Ilha de Moçambique foi ponto estratégico na rota das ‘grandes navegações’ e núcleo inicial da colonização portuguesa” (LOPES; MACEDO, 2017, p.207), pois os lusitanos logo reconheceram o fato de o espaço ser geograficamente estratégico, uma vez que era ponto de escala na rota para a Índia. Com isso, Portugal foi o primeiro a instituir uma colônia permanente na região. Porém, Denoon salienta que “Tratava-se de um império essencialmente feudal em que cargos importantes e lucrativos eram vendidos pela Coroa mediante uma renda anual” (DENOON, 2010, p.821). Assim, a tendência era o não fortalecimento desse império, tanto que, ao final do século XVI, a hegemonia portuguesa no Oceano Índico foi fragilizada por potências comerciais rivais. Afora isso, a abertura de rotas mais diretas para a comunicação entre a Europa e a Ásia levaram o canal de Moçambique a perder sua relevância.

Em termos de desenvolvimento local, ainda conforme Denoon, “A exploração de Moçambique foi ineficaz. Em vez de introduzir novos modos de produção, os negociantes portugueses e indianos esforçaram-se por tornar-se intermediários” (DENOON, 2010, p.821). Praticava-se a agricultura de subsistência, atividade que, em algumas regiões do país, é mantida até a atualidade, o que explica, em parte, a existência das imensas dificuldades enfrentadas em períodos de estiagem ou de cheia. Por estar voltado ao comando do fluxo de ouro, ferro, cobre e marfim, na primeira metade do século XVI, Portugal foi adentrando no território, até que, em 1544, fundou a feitoria de Quelimane, na Zambézia, “reforçando o controle direto das minas, além de se constituir um porto de trato para onde eram levados os escravos que depois seguiam para Índia, Portugal e Brasil” (HERNANDEZ, 2008, p.584). Daí, em pouco tempo, os portugueses conseguiram chegar a Lourenço Marques, que hoje corresponde a Maputo, capital moçambicana.

No século XVII, em virtude do cultivo da cana-de-açúcar, o número de mercadores de escravos começou a aumentar, de maneira que esse se tornou um negócio vantajoso. Antes desse período, entretanto, de acordo com Alberto da Costa e Silva (2002), não foram encontrados indícios de que o escravo tenha sido uma “mercadoria” de grande importância nas exportações portuguesas da África Índica. Com a ampliação do cultivo de açúcar, café e algodão em outros locais, a exemplo de Cuba e do Brasil, o comércio de escravos se expandiu, tornando-se mais rentável do que o de ouro e o de marfim. Em decorrência, milhares de negros foram capturados e exportados como produtos.

Em 1762, cerca de 1.100 escravos saíram de Moçambique. Em 1799, esse número subiu para aproximadamente 4.500, e em 1813 era de oito mil, passando, em 1820, a cerca de 19 mil, o que fez de Lourenço Marques um dos principais portos de exportação de escravos da costa oriental africana (HERNANDEZ, 2008, p.587).

Os referidos números, associados à seca e à falta de articulação social, no século XIX, ocasionaram o fechamento das feiras de ouro, e tudo isso se refletiu em fome, em banditismo e na ampliação do tráfico de escravos, que se tornou a principal atividade econômica local.

Esse cenário acarretou a existência de conflitos que repercutiram nas organizações políticas internas, haja vista a contribuição de muitos africanos no trato negreiro. Afora isso, a própria atividade de comércio de escravos fragmentou as estruturas de funcionamento das aldeias, levando, sobretudo os moçambicanos do interior, a modificarem seus padrões de moradia e a saírem para locais onde, na maioria das vezes, as terras não eram férteis. Desse modo, os espaços constituintes do país tiveram um processo de construção distinta entre si, de maneira que às diferenças naturais entre as regiões foi acrescida uma desigualdade social intensa. “A cidade abrigava um grande grupo de militares, religiosos [...] e funcionários portugueses. Mais tarde, em 1850, chegaram indianos, muçulmanos, negros livres e escravos” (Ibid, p.588-589), favorecendo a crioulização cultural nesse local e um certo distanciamento em relação a outros lugares.

Acerca desse multiculturalismo, Leila Hernandez destaca que

[...] é possível considerar que Moçambique condensava a heterogeneidade própria das Áfricas, no geral. Apresentava povos falando línguas diferentes, com tradições religiosas e noções de propriedade distintas, valores diversos e vários modos de hierarquização de suas sociedades, articulando-se e rearticulando-se de acordo com seus próprios interesses, resultando em organizações políticas várias, que ora se uniam, ora entravam em disputa, definindo o ascenso ou o declínio de grandes ‘impérios’ [...], de ‘reinos’ [...] e de ‘Estados’ [...] (HERNANDEZ, 2008, p.590).

Ressalta-se que essa diversidade vem sendo valorizada, no período pós- independência, tendo em vista o resgate de tradições que foram abafadas pela ideologia colonialista e imperialista. Para tanto, recorre-se às tradições orais, por meio das quais se partilhava o conhecimento em Moçambique e nos demais territórios do continente africano. Salienta-se também que, além dos autóctones, encontravam-se no mesmo espaço, entre outros povos, portugueses, árabes, franceses, indianos, brasileiros. À heterogeneidade local, somavam-se, então, interferências de vários países, promovendo o entrelaçamento de culturas e de histórias. Situação semelhante ocorreu com os moçambicanos que foram retirados de seu espaço e levados para outros lugares; eles também vivenciaram a mescla de culturas, ao influenciarem e serem influenciados.

Como se pode verificar, com a expansão europeia, a mistura étnica foi acentuada, inclusive porque a necessidade de mão-de-obra aumentava,

demandando um maior número de escravos. Costa e Silva (2002) expõe que, no Portugal quinhentista, os cativos não eram exclusivamente negros, havia árabes, turcos, berberes e, em menor quantidade, indianos, ameríndios, chineses e malaios. Com o passar do tempo, porém, a quantidade de pretos escravizados aumentava nas cidades portuguesas, e o negro se tornou, “ao avançar o Seiscentos, no sul da Europa e na maior parte das Américas, o escravo por excelência” (COSTA E SILVA, 2002, p.850). O mencionado historiador correlaciona esse fato ao ressurgimento da versão muçulmana para o falso anátema de Noé contra os filhos de Cam e ressalta que a maldição foi destinada apenas a Canaã, e não a Cuxe, do qual os africanos seriam descendentes. Conforme a narração propagada, a condenação feita por Noé para os dois foi a de que “os seus descendentes seriam escravos e negros – e escravos porque negros” (Ibid, p.850).

Esse caso contribuiu para que fosse reproduzido o pensamento racista de que os brancos eram superiores, porque mais inteligentes e civilizados, à proporção que os pretos eram indolentes, canibais e supersticiosos, por isso só ascenderiam à plena humanidade pelo aprendizado na servidão. Devido a essa visão preconceituosa e a interesse de domínio sobre o outro, o africano foi inferiorizado e reduzido à condição de cativo, que poderia ser armazenado e vendido. Logo, de fornecedor de produtos e de cliente de europeus, o negro passou a ser sinônimo de escravo. Nas palavras de Costa e Silva,

Só se escraviza o outro, o estranho que está fora de nossa sociedade, e esse outro, com a expansão oceânica dos portugueses e espanhóis, tornara-se o não-europeu, de cor, feições e cabelos diferentes, que se multiplicara nas populações das Ásias, das Américas e das Áfricas. E de todos esses outros [...] aquele que se mostrou fisicamente mais dessemelhante aos europeus foi, aos olhos destes, o negro africano (Ibid, p.852).

Desse modo, relegados a uma condição de vassalagem, os africanos, inevitavelmente, demonstravam fragilidades, à medida que os europeus se fortaleciam, tanto em relação ao lucro quanto no tocante ao domínio do povo.

De acordo com as referências cronológicas registradas por René Pelissier (2000), em dezembro de 1836, foi decretada a abolição do tráfico de escravos a partir dos territórios portugueses. Seis anos depois, veio o Tratado anglo-português

que considerava pirataria o tráfico de escravos. Em 14 de dezembro de 1854, houve a abolição parcial da escravatura; quatro anos após, definiu-se a supressão dela, fixada para o ano de 1878. No início de 1869, a escravidão foi abolida, mas com obrigação de trabalho até 1878, quando se deu, oficialmente, o fim da escravatura em Moçambique. Portugal, entretanto, permaneceu exportando pessoas, não mais como escravas, e sim como mão-de-obra.

Pode-se considerar que a principal atividade econômica do governo português, em fins do século XIX, foi a contínua exportação de mão-de-obra para alimentar grandes empresas [...]. De 1875 a 1910 o recrutamento aumentou de maneira acelerada, chegando, em 1910, a cerca de cem mil homens, número que não se manteve até 1975, por ter sido reduzido para 40 mil pela África do Sul (HERNANDEZ, 2008, p.592).

Esses dados suscitam a leitura de que, embora a escravatura tenha findado, a exploração de africanos por outros países não se encerrou. O cenário atual comprova isso.

A ocupação efetiva do território moçambicano pelos portugueses não foi um processo rápido, tampouco fácil. Os passos principais para essa conquista lusa foram a prisão de Gungunhana28 – último imperador do Império de Gaza – e a sua

deportação, bem como o domínio desse espaço. A partir de então, a Coroa passou a controlar praticamente todo o país, feito que ela conseguiu concluir em 1915. A mudança de encaminhamento veio com o regime salazarista, segundo o qual Portugal deveria resgatar e redirecionar seus projetos no ultramar. De acordo com essa nova proposta, a Moçambique cabia a produção de algodão para a indústria têxtil. Isso significava que, conforme os interesses do colonizador, o papel do povo oriundo desse espaço africano era o de prestador de serviços, os quais eram definidos pelo empresário e, portanto, pagante. Internamente, a produção era de alimentos, voltados para a população urbana, composta principalmente por brancos. Leila Hernandez (2008) destaca que a agricultura familiar foi mantida, ainda que de forma rudimentar, acarretando uma mudança na divisão do trabalho. As mulheres passaram a assumir tarefas como a limpeza de terreno para o plantio, atividade que abarcava da derrubada de árvores à recuperação de terras onde já

28 São encontradas também as grafias “N'gungunhana”, “Ngungunyane” e “Ngungunhane”, que é usada por Ungulani Ba Ka

tinha havido plantio. Assim, tendo em vista a produção modesta e os baixos preços pagos pelo governo luso, os produtores agrícolas não tinham razões para continuar no mercado interno. Na verdade, aos denominados “indígenas”, não cabia outra opção, além das formas de trabalho compulsórias: “[...] o cultivo de um hectare de algodão, o trabalho em obras públicas três vezes por ano ou o ‘chibalo’, isto é, o trabalho forçado nas grandes plantações” (Ibid, p.596). Considerando-se os períodos de seca, incompatíveis com a produção agrícola, milhares de moçambicanos deixaram a região norte do país e, antes de saírem, incendiaram suas palhoças; outros formaram comunidades de refugiados, ao passo que outro grupo escondia parte do que produzia, sobretudo na produção de algodão.

Observa-se, com isso, que o moçambicano resistia ao jugo do colonizador. Nessa perspectiva, foi fundado, em 1920, o Congresso Nacional Africano de Moçambique. Em resposta, no ano de 1926, a Lei da Imprensa começou uma censura, limitando as atividades jornalísticas. Cinco anos após a instauração desse controle, o jornal O Brado Africano veiculou um editorial destacando que era necessário pôr fim às discrepâncias e às explorações do colonialismo. Em 1936, a censura de Salazar calou O Brado. Apesar de mais essa tentativa de silenciamento por parte do colonizador, havia outros núcleos de resistência ao colonialismo, a exemplo do das igrejas, em especial as independentes africanas.

Essas congregações tiveram um papel bastante relevante em Moçambique. Segundo a visão do português, elas incentivavam uma postura racista contra os brancos e explicitamente avessa ao domínio luso. Por esse prisma, estimulava-se uma consciência nacionalista. Sobre essa questão, Hernandez salienta que, no período pós-Segunda Guerra Mundial,

caracterizado pelo questionamento radical ao colonialismo e de luta pelas independências africanas, a Missão Suíça, com seu trabalho de reflexão crítica e formação de novos quadros de lideranças foi sempre uma ameaça para o governo português, que não poupou esforços para vigiar e restringir o seu trabalho, assim como o dos protestantes em geral [...], sobretudo a partir da metade da década de 1960, prendendo e torturando missionários (Ibid, p.602).

Muitos líderes dessas Igrejas realizavam também trabalhos de alfabetização, ação de grande importância para a autonomia dos africanos e para a luta pela

independência. Ademais, o domínio da leitura e da escrita é fundamental no processo de “construção” da, no contexto, ainda futura República. Por isso os portugueses se sentiam intimidados e reagiam de forma violenta.

Em entrevista a Dalila Mateus, Jossefate Machel – irmão de Samora Moisés Machel, segundo presidente da FRELIMO e primeiro da República de Moçambique – fez o seguinte registro, acerca da educação formal:

Fiz a escola primária na Manhiça, na missão católica. A minha igreja, que era a igreja dos meus pais, era a Igreja Metodista Livre. Mas existia uma lei dizendo que, se fôssemos doutra igreja que não a católica, já não podíamos fazer a quarta classe. Para a fazermos era preciso ser católico e baptizado. Fui, pois, obrigado a ser católico e baptizado, para poder fazer a quarta classe. Era outra maneira de não nos deixarem avançar (MATEUS, 2006).

A obrigatoriedade de adesão dos moçambicanos ao catolicismo, para poderem continuar os estudos, era fruto da ditadura do Estado Novo português. Assim, por meio da Igreja Católica, António Salazar buscava reprimir pensamentos que se contrapusessem à ideologia colonial. Inclusive, conforme depoimento de Jossefate Machel, para estudar nas escolas da missão era preciso cultivar a terra. Ou seja, se