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6. O que sabemos da guerra

6.2. Os três teatros de operações

6.2.2. Moçambique

Em Moçambique, as zonas iniciais de operações foram os distritos de Niassa e de Cabo Delgado, situados no Norte. Estando os órgãos de Comando e de apoio logístico situados no Sul do país, a mais de 2000km, a distância para o Teatro de Operações acabou por ter implicações significativas, de ordem logística e operacional.

A grande distância que separava as zonas de guerra das zonas onde vivia a população é referida nas cartas de D. C. B. Originário de Lourenço Marques, encontra-se em Montepuez quando escreveu estas cartas:

Montepuez 10/12/69 [carta escrita por D.C.B aos pais]

«Agora mais do que nunca estou cheio de saudades disso tudo e de todos. Fico doente quando me ponho a pensar que estou a uns milhares de quilómetros dessa querida terra e dessa querida gente».

Montepuez 14/12/69 [carta escrita por D.C.B aos pais] «Meus queridos pais,

Aqui estou novamente convosco a escrever-vos com muita mágoa, pois não posso estar ai convosco doutra maneira a não ser por carta. Este maldito papel para vos encontrar terá de voar cerca de 1.500 km».

As vias de comunicação estavam orientadas no sentido dos paralelos e tornaram-se autênticas zonas de combate. Era aí que os guerrilheiros colocavam minas e engenhos explosivos:

A orientação das vias de comunicação associada à acção da guerrilha dificultou tremendamente a acção das tropas portuguesas, desgastando-as e ‘prendendo-as’ ao terreno

(Gomes 2010, p.149)

As zonas das operações possuíam uma baixa densidade populacional porque a população de origem europeia estava sobretudo instalada no litoral, na zona da Beira, em Tete e em Lourenço Marques:

O alheamento da população da Guerra foi uma característica marcante neste conflito e deveu-se essencialmente ao facto de ser uma Guerra com as zonas de operações a grande distância dos centros populacionais.

Montepuez 14/12/69 [carta escrita por DCB aos pais]

«Mãe e pai acreditem que tirando Lourenço Marques o resto é tudo paisagem e mato. Já conheço muito e nada se compara a essa Nova York. Digo-vos isso porque já conheço a Beira, Ilha de Moçambique, Matibane, Mossuril, Praia das Chocas, Nacala, Porto Amélia, Cruzamento da Viúva e Montepuez e nada se compara a isso».

Vila Cabral 15.1.69 [carta recebida por M. V. dum soldado]

«Falando um pouco de cá, começo por dizer que isto apesar de ser a capital do distrito do Niassa, não passa de ser uma porcaria como cidade que é, como cidade tem meia duzia de casas comerciais, dois ou três cafés, um cinema que por sinal é pior de que o Odeon aí do Porto, enfim é uma cidade que nem ao Menino Jesus interessa, pois só se veêm tropas...».

Em Moçambique, a primeira organização nacionalista foi iniciada pelo núcleo de estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM), criado em 1949. Foi impulsionado por moçambicanos que tinham estudado na África do Sul, incluindo Eduardo Mondlane, futuro presidente da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).

Da parte portuguesa, as operações em Moçambique foram determinadas por dois Comandantes-Chefes, que conduziram estratégias militares de teor muito diferente: o General Augusto dos Santos, que dirigiu as operações das forças portuguesas durante sete anos de 1962 a 1969, e o General Kaúlza de Arriaga, Comandante-Chefe entre 1969 e 1973.

Nos primeiros anos de guerra adotaram-se, na estratégia militar, os seguintes objetivos: cortar as linhas de infiltração dos guerrilheiros vindo de países vizinhos, evitar realizar grandes operações, que na guerrilha significava muito desgaste para poucos resultados, e valorizar a ação sobre as populações em detrimento da pura ação militar.

Em 1969, o General Kaúlza de Arriaga alterou radicalmente as estratégias seguidas até então. O General era adepto da ação militar direta, e o seu objetivo era a vitória através da destruição militar do inimigo. Para obter tal vitória, lançou grandes operações, como a famosa ‘Nó Górdio’, em julho de 1970, no Planalto dos Macondes:

A operação ‘Nó Górdio’ empenhou cerca de 8000 homens e traduziu o esforço da manobra militar do General Kaúlza de Arriaga. Esta operação foi militarmente muito bem concebida, […] conjugando meios aéreos, navais e marítimos.

De um ponto de vista clássico, os resultados operacionais foram positivos, uma vez que as tropas portuguesas, num ambiente muito difícil, conquistaram as posições planeadas.

(Gomes 2010, p. 156)

De Mueda, D. C. B. escrevia aos pais nos dias da grande operação 'Nó Górdio'. Temos, com as suas palavras, uma imagem direta da importância e da utilização de forças que essa operação requereu:

Mueda 3/7/70 [carta escrita por D. C. B. aos pais] «Querido irmão e pais

Venho-vos comunicar que já estou em Mueda há dois dias e que amanhã iniciarei a operação ao “Batalhão Gungunhana” que uma das bases mais importante se não for a mais importante. Não tenham medo, porque vão 4 companhias de Comandos, 1 de artilharia e 1 de morteiros, 1 de engenharia 1 de G.E etc...

Estou-vos a escrever, mas isto não é para falar a ninguém. Aproveito também para vos dizer que só devem receber carta minha só quando terminar estas operações pois, depois do ataque à Base, vamos permanecer nela até ao fim do mês para limpar a zona à roda da mesma, por conseguinte se tudo correr bem no fim deste mês ou no princípio do mês que vem recebem notícias minhas.

Por hoje mais nada pois são 10 horas da noite e vou-me deitar para amanhã estar bem disposto. Ah! Sabe que já tomamos a base Limpapo aos turras e capturamos 17 toneladas de armamento foi uma grande vitória. Na base Beira quando os Comandos lá chegaram não havia lá ninguém pois os turras deram à solinha com medo. E tenho quase a certeza que no Batalhão Gungunhana?? já lá não está ninguem».

11/7/70 [carta escrita por D. C. B. aos pais]

«Antes de mais espero que estas minhas linhas vos vá encontrar em perfeitas condições de saúde. Espero também que o Luís tenha continuado a ir ao médico é bom que não se esqueça que me prometeu e por conseguinte não pode volta com a promessa atrás.

Estou-vos a escrever da base inimiga que já atacamos no dia 8. Encontramos algumas toneladas de armamento. De vez em quando choveu umas morteiradas, lá vai a malta toda a correr para os abrigos».

Mas após a operação 'Nó Górdio', a violência armada continuou no Norte de Moçambique, e a FRELIMO aproveitou as condições mais favoráveis para deslocar o seu esforço para a zona de Tete, onde estava a ser construída a barragem de Cahora Bassa, ‘a grande obra de regime português e o símbolo interno e externo da sua determinação em ficar em África para sempre’ (ibid., p. 157).

Transcrevemos de seguida as conclusões apresentadas pelo General Kaúlza de Arriaga sobre a guerra em Moçambique. Esse discurso foi proferido em Nampula, em novembro de 1972:

a) A luta conduzida por Portugal em Moçambique integrava-se na confrontação entre o neo- imperialismo comunista e o Ocidente, embora tivesse, também, como causa a psicose terceiro-mundista de independência e, ainda, outras causas menores.

b) A luta conduzida por Portugal em Moçambique era construtiva e defensiva e foi levada a efeito pela forma mais humana, o que já a legitimaria e a tornaria moral e justa.

Na mesma luta a grande maioria das populações, sentia-se portuguesa ou, pelo menos, opunha-se à Frelimo, o que fundamentava definitivamente a sua legitimidade, moralidade e justiça.

c) Em 1970/1971, a vitória total, na área então chave que era Cabo Delgado, esteve à vista e, talvez mesmo, o fim da luta em Moçambique.

d) Em meados de 1973, a situação mantinha-se em equilíbrio no Niassa; verificaram-se certo recrudescimento da subversão e algumas perturbações sem significado especial em Cabo Delgado; o sucesso português relativo a Cahora Bassa era total, mantendo-se imutável o ritmo da sua construção; a Frelimo tinha conseguido infiltrações no istmo de Tete e nos distritos de Vola Pery e da Beira, reduzidas mas de grande projecção psicológica; as forças portuguesas metropolitanas, apesar do esforço de desmoralização, desagregação e destruição que sobre elas incidia, mostravam-se na sua generalidade firmes e razoavelmente capazes, os Comandos, incluindo os moçambicanos continuavam excepcionais[...]; a Frelimo encontrava-se esgotada.

A vitória numa Guerra contra-subversiva dificilmente se consegue através de uma ação principalmente militar, inadequada para conquistar as populações. As operações militares, ao causarem inúmeras baixas civis, minaram o apoio da população, essencial em situações de guerrilha.