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Desenho 3 — Plataforma BOOT esboço da página final 10 

2 PERFORMANCE CIBERDIGITAL: DA ARTE DA PERFORMANCE AO

2.2 ESPAÇO CIBERDIGITAL: NOÇÕES SOBRE CULTURA CIBERDIGITAL,

2.2.3 Mobilidade e Mídia Locativa 5 

Atualmente, a ênfase dos estudos das novas mídias e de suas propriedades de interação, de conexão está se voltando para a pesquisa das mídias locativas. À medida que o acesso ao espaço ciberdigital se faz em mobilidade, as características intrínsecas a esse espaço

tornam-se extrínsecas ao espaço físico e vice-versa, estabelecendo uma comunicação dos espaços e também uma comunicação das coisas (Internet das Coisas41).

Ao falarmos de mobilidade estamos nos referindo a aparelhos de celular, redes wi fi (G) e ad hoc, dispositivos Bluetooth (G), tecnologia GPS, localizadores por triangulação de redes (ex.: Google Latitude), palmtops (G), notebooks, netbooks e etiquetas de identificação por radio frequência, tags RFID (G) (ex.: QR Code). Aqui também podem ser incluídas tecnologias colaborativas, como sensores e microcontroladores, que geralmente integram projetos artísticos que se utilizam desse tipo de tecnologia sem fio. Também estamos falando de uma interconexão histórica, pois, como afirma Lemos (2008, p. 13):

Andar com dispositivos móveis permite leituras e escritas do espaço com informação digital muito próxima da arte do andar dos situacionistas, dadaístas e surrealistas. As mídias locativas e os territórios informacionais atualizam formas de deriva pelo espaço urbano.

Atualizam, também, o estar nômade dos povos ―primitivos‖, colocam-nos mais tempo

em estado de partilha, articulam a desordem própria do errante à ordem cotidiana; como também podem nos tornar reféns do controle das operadoras, do controle de empresas de produtos e serviços e do controle vigilante do Estado. Mas, como a tecnologia não é boa nem má, e sim é aquilo que fazemos dela, cabe a nós decidirmos o rumo que esta deve tomar: se de facilitadora dos processos de comunicação e criação artística ou se de ferramenta de cooptação da autonomia pela vigilância. Nesse sentido, há um documento interessante, escrito por Lemos, que é o Manifesto da Mídia Locativa (ANEXO F), em que ele se coloca em defesa da mídia locativa e do processo de conscientização do seu uso, não pelo simples uso da ferramenta tecnológica, mas pelo pensamento expandido sobre nosso lugar no mundo.

De fato, a mídia locativa pode ser observada por dois lados: ao mesmo tempo em que coloca na mão de qualquer usuário de celular o poder de interferir diretamente na produção do conhecimento tecnológico, também coloca nas mãos do mercado uma arma muito poderosa para se apropriar da vida cotidiana de cada um.

Essa fronteira entre o público e o privado é uma das grandes questões postas através das novas tecnologias e, principalmente, das mídias locativas e dos sistemas de vigilância. Nesse sentido, há um trabalho locativo muito interessante a ser citado: Life Sharing (2000-2003), de Eva e Franco Mattes. Esse trabalho consistiu na disponibilização de todos os dados dos seus computadores ao público, através da interface do seu site, como um reality show virtual de

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Dentro dos principais centros de desenvolvimento para a Internet das Coisas encontra-se o Auto-ID MIT Laboratório, em Massachussets, que se utiliza, para tal, da tecnologia RFID e do Wireless Sensor Networks.

seus arquivos e pastas, propostas de trabalhos e projetos, dentro da estética open source do sistema Linux.

No projeto BOOT, a mobilidade se caracteriza, como foi dito anteriormente, pela vinculação de espaços físicos e virtuais, cidade e plataforma, através do uso de um celular 3G com GPS que se mantém em transmissão de vídeo em tempo e-real, enquanto a performer atravessa o centro da cidade marcado por tags QR Code por onde passa. E, na plataforma, o internauta, que interfere no caminhar da performer enviando estímulos sonoros, pode localizar a área em que esta se encontra através do aplicativo Google Latitude. Dessa forma, os espaços e os corpos se tornam intercambiáveis, misturam-se e se recombinam, propõem uma temporalidade efêmera, circunstancial, integrada a esses dois espaços. BOOT é um exercício, é uma plataforma beta42, é um lugar de instabilidade e de pesquisa. Ou, como afirma Lemos (2008, p. 13):

Trata-se efetivamente de uma reconfiguração do urbano, de uma nova relação entre a esfera midiática e o espaço urbano. Com as mídias locativas, as trocas informacionais não emergem nem dos meios de massa (rádio, TV, jornais), nem do ciberespaço acessado em espaços fechados (espaços privados ou semipúblicos), mas de objetos que emitem localmente informações que são processadas através de artefatos móveis. Na ciberurbe, novas práticas de mobilidade comunicacional surgem criando novas relações sociais com o espaço.

Essas novas relações propõem uma tensão entre o espaço localizado, geográfico, da cidade, e o espaço dinâmico virtualizado do urbano, e, no caso desta pesquisa, de um espaço virtualizado digital e ubiquitário. E essa tensão é responsável pelo diálogo que esses espaços podem estabelecer e pela dinâmica em que os corpos circulantes destes espaços reconfiguram suas próprias ações cotidianas. Ou seja, as mídias locativas são responsáveis por um entendimento de localização muito mais flutuante e de construção subjetiva que a definição geográfica. Localização esta que liga o território à fluidez proposta pelas mídias móveis.

Desta forma, pode-se perceber que, mesmo dentro das limitações da arte e da tecnologia no Brasil, como também em outros países, há uma gama enorme de tipos de trabalhos e pesquisas sendo desenvolvidos, cada qual com as suas especificidades no que concerne às escolhas artísticas, mas, de forma geral, centrados no papel político que o conhecimento tecnológico propõe. Sejam as propostas locativas de indexação da cidade, sejam trabalhos de

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Beta é uma versão em desenvolvimento de um produto ou software. Atualmente, a nomenclatura utilizada em ordem crescente de desenvolvimento inclui versões: alfa, beta, RC e final (ou gold). Plataformas beta podem se dividir em closed beta (que é o caso do trabalho aqui desenvolvido), de funcionamento aberto a especialistas do meio; ou open beta, aberta para uso geral, a exemplo do Orkut.

imersão em realidade virtual, o sentido destas pesquisas é propor um olhar diferenciado tanto para a realidade quanto para a tecnologia e suas ferramentas.

Em resumo, a tecnologia apresenta-se como uma invenção do desejo humano, ou seja, é esse desejo que atribui sentido ao desenvolvimento tecnológico. Nesta análise, as mídias locativas são representantes do desejo de errância e conexão, e são tais conexões que conferem e amplificam a ideia de rede inerente à Internet. Se, por um lado, o espaço ciberdigital difunde aspectos do espaço físico, por outro, várias propostas artísticas buscam reconfigurar este espaço, subvertendo elementos intrínsecos a ele. Tais reconfigurações procuram deslocar as estruturas de suas formas pré-concebidas e atribuir às mesmas novos significados. Em BOOT, as propostas subversivas aliam-se ao seu caráter autobiográfico e à temporalidade do acontecimento, propondo uma interconexão de elementos da body art, da intervenção urbana e do happening, em consonância com características da teleperformance e das mídias locativas em uma plataforma interativa. De forma geral, os processos de reconfiguração e a articulação de várias formas de arte telemática atuam como formadores da performance ciberdigital. E, por fim, a reflexão sobre a humanização da tecnologia aparenta ser a chave para compreender o discurso do corpo no espaço ciberdigital, em suas propriedades visuais, sonoras e conceituais. No próximo capítulo será abordado o conceito de Terceiro Corpo a partir dos elementos de tempo, espaço e interação; e serão sugeridas três vertentes de análise para o Terceiro Corpo: o Corpo Visível ou Imagético, o Corpo Sonoro e o Corpo Conceitual ou Invisível. Para tal, serão discutidas questões relativas à Física, às Ciências Cognitivas, às Redes Sociais, ao Twitter e ao Chatroulette; como também, analisados os trabalhos Egoscópio, No Fun e UMBRELLA.net.