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Mobilidades do/no turismo: pensando nas mobilidades de todos os agentes sociais

2 A MULTITERRITORIALIDADE E O FENÔMENO DO TURISMO

2.3 OS AGENTES SOCIAIS PRODUTORES DO TURISMO E O TERRITÓRIO TURÍSTICO

2.3.1 Mobilidades do/no turismo: pensando nas mobilidades de todos os agentes sociais

O turismo em sua essência se compõe dos movimentos e das paradas dos turistas pelo espaço. É no espaço de origem da demanda que se originam os fluxos turísticos, mas é no espaço de destino onde ele se concretiza, produzindo novas territorialidades, transformando o espaço em multiterritorial (RODRIGUES, 2006). Nessas paradas e nesses espaços de fluxos o turista também se territorializa e se realiza como ser humano em um local que não é o seu lugar permanente de vida, fazendo desse trecho de espaço o seu lugar temporário, o lugar turístico (FRATUCCI, 2014).

Muitas vezes os dois vetores, emissivo e receptivo, ocorrem no mesmo território, produzindo hibridismo, demarcando fragmentos que se superpõem e se retroalimentam recursivamente. Esta flexibilidade territorial do mundo contemporâneo possibilita que alguns grupos, em geral, os mais privilegiados economicamente experienciem uma multiplicidade de territórios, seja no sentido da sua sobreposição num mesmo local, seja na sua conexão em rede pelo espaço planetário (RODRIGUES, 2006).

Portanto, é essencial reconhecer que o turismo implica diversas formas de viagens que perpassam pela movimentação (ou a imobilização). Mais do que movimentar pessoas (turistas) entre polos geradores e destinos turísticos, observamos o movimento de “ideias e modelos de sociedade, capitais, trabalhadores, rejeitos (inclusive poluição ambiental), quase sempre sem uma divisão clara entre um ou outro” (ALLIS, 2016, p. 103).

As mobilidades também precisam ser examinadas ao longo da duração do ciclo de vida, com o intuito de perceber as ligações e relações entre as diferentes formas de mobilidades "temporárias" (turismo) e "permanentes" (migração de conveniência) (HALL, 2005).

Os indivíduos e grupos se movimentam realizando processos de des/reterritorialização, tanto em seu caráter simbólico quanto funcional, (HAESBAERT, 2004), os quais podemos também entender a partir das discussões contemporâneas sobre mobilidade. Tendo como orientação o novo paradigma das mobilidades, assumimos que “os fenômenos sociais mais importantes só serão

satisfatoriamente analisados se eles forem colocados em movimento” (URRY, 2007, p. 7 apud ALLIS, 2016).

A mobilidade é tão espacial quanto geográfica, e é ao mesmo tempo também tão central para a experiência humana do mundo quanto para o lugar (escala reduzida). É praticada, experimentada, incorporada, representada pela interface entre os corpos físicos móveis, e também pelas mobilidades representadas. Faz parte do processo de produção social do tempo e do espaço, em que pessoas móveis nunca são simplesmente pessoas, são um modo de ser/estar no mundo (CRESSWELL, 2006).

As nossas próprias identificações e referências espaço-simbólicas são feitas não apenas no enraizamento, no fixo, mas também na mobilidade, tendo como pano de fundo um espaço em movimento, no e pelo movimento, que por sua vez é dotado de significado e de expressividade para quem o constrói e/ou para quem dele usufrui (HAESBAERT, 2004).

Ponderações sobre mobilidades contemporâneas parecem explicar, direta ou indiretamente, muito do fenômeno turístico, mas nem sempre suas especificidades são levadas em consideração pelos estudiosos do tema. Isso porque quase sempre o turismo é estudado de maneira limitada, com maiores atenções as suas vertentes econômicas ou operacionais, como a restrição aos estudos dos transportes (ALLIS, 2016). Além disso, não se deve limitar o debate das mobilidades aos turistas, pois o fazer turismo é apenas uma forma de mobilidade temporária, e por isso é relacionada também a outras formas de movimento (HALL, 2008 apud ALLIS, 2016), como dos outros agentes sociais produtores do turismo.

Esta questão nos lembra Fratucci (2014), quando o autor afirma que o espaço apropriado pelo e para o turismo é maior que o território do turista, uma vez que é resultado do somatórios dos territórios sobrepostos de todos os seus agentes sociais produtores.

Esse exercício de ampliação do olhar nos permite reconhecer e valorizar todos os envolvidos no acontecer do turismo, não só no fazer turístico. Deve-se abranger o fenômeno socioespacial em todos os seus meandros, e não somente à prática da atividade econômica pelo turista. Todavia, dado o fenômeno do turismo depender majoritariamente dos processos de apropriação e descolamentos do turista, de seu local de residência ao destino escolhido, os outros processos de territorialização e deslocamentos não têm sido estudados mais a fundo.

Coriolano e Fernandes (2014) iniciam um debate relevante sobre as mobilidades turísticas as quais não se restringem aos turistas. Com base nas discussões sobre migração temporária, mobilidade sazonal e mobilidade turística, direcionam a análise do turismo para além dos movimentos sazonais dos fluxos voltados ao lazer (mobilidade sazonal). Mostram possibilidades de aprofundamento nos estudos sobre os movimentos pendulares e de movimentos sazonais de trabalhadores (mobilidade cotidiana, sazonal, residencial, profissional, social), bem como movimentos relacionados com a mudança de residência motivados pela mobilidade do trabalho ou pelo desejo de mudança de vida (residencial, profissional, social).

Levando também o olhar para as lógicas reticulares e zonais do território, ao combinarmos ambas, somos capazes de perceber mais nitidamente o dinamismo, o movimento, as possíveis conexões e a profundidade do espaço apropriado para o turismo. As ações e articulações dos agentes produtores entre si e com outros agentes culminam com a formação de redes regionais, mais ou menos densas e flexíveis, que comportam todos os processos de produção dos espaços turísticos (FRATUCCI, 2008).

O turista, agente principal do fenômeno, se apropria apenas dos pontos do espaço que deseja visitar e onde deseja realizar a experiência programada, pontos com os quais ele compõe uma rede mais ou menos densa, conforme suas expectativas e o destino visitado. Por sua vez, o trade turístico se apropria desse mesmo espaço, a partir de uma lógica reticular ou zonal norteada pelos interesses de reprodução do capital, conforme a sua maior ou menor adesão com o espaço do destino turístico. O empresário exógeno, normalmente representado por grandes empresas e empreendimentos, tende a adotar uma lógica mais reticular, flexível, enquanto o empresário local, quase sempre de menor porte, adota a lógica zonal, mas permanente, tendo em vista sua relação com aquele território extrapolar os interesses econômicos, abrangendo suas relações pessoais de vida (FRATUCCI, 2008).

Já os agentes produtores representantes do Estado, obrigatoriamente devem adotar uma lógica zonal, uma vez que suas políticas, diretrizes e ações devem envolver todo o território sob o seu comando institucional. Eventualmente, o Estado lança mão de projetos, políticas ou diretrizes que priorizam determinadas parcelas do seu território em detrimento de outros. Complementando esse jogo complexo de

territorialização, os trabalhadores do setor turístico ora se apropriam do espaço de forma zonal, misturando seu lugar de vida com o seu espaço de trabalho, ora se apropriam apenas reticularmente, vislumbrando o destino turístico apenas como espaço de trabalho. E, por fim, a população dos destinos turísticos sempre se territorializa a partir de uma lógica zonal, mas estável, uma vez que tem naquele trecho do espaço o seu lugar de vida (FRATUCCI, 2008).

Os agentes que possuem a lógica reticular mais presente, como os trabalhadores e os turistas nos permitem afirmar que seus movimentos são sempre pendulares. Os primeiros podem ser diários ou temporais (trabalhadores que migram temporariamente), enquanto os segundos realizam movimentos pendulares mais ou menos longos e sazonais. Ao partirmos do princípio que tais agentes sociais realizam um movimento cíclico, sempre de retorno ao ponto de partida, podemos observar algumas questões similares e divergentes. Esse caráter de movimento multiterritorial dos agentes relacionados ao fenômeno nos ajuda a compreender mais atentamente como os espaços apropriados pelo e para o turismo, levando em consideração seus processos territorializantes.

A ideia de espaço turístico tende a ir contra a unilateralidade da análise geográfica do fenômeno e por isso, inserir os subsistemas que o compõe é essencial para caminhar em direção à totalidade de seu entendimento. Os indivíduos e grupos que usam do espaço, de um modo geral, possuem distintas motivações e apropriações de acordo com seus diferentes territórios que se sobrepõe de maneira mais flexível ou não.

Portanto, estudar as transterritorialidades dos agentes sociais produtores do turismo pode nos auxiliar no entendimento das “interações estabelecidas entre eles e deles com os outros sistemas que forma o meta-sistema onde se inserem” (FRATUCCI, 2008). Entendendo que um mesmo indivíduo ou grupo exerce processos relacionados com a transterritorialidade, ao transitar por distintas territorialidades em movimentos de entrada, saída e/ou trânsito/estar-entre, tanto no sentido funcional quanto simbólico (HAESBAERT; MONDARDO, 2010), se levarmos em consideração esses “outros” territórios podemos obter artifícios para analisar os outros sistemas que compõem a realidade (o todo, espaço).