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3.1 O setor do transporte de cargas brasileiro

3.1.1 Modal rodoviário

Como já mencionado, no Brasil houve uma priorização do modal rodoviário em detrimento aos demais modais. Branco (2007, p.31) salienta que “as políticas de estímulo ao transporte rodoviário vieram acompanhadas de uma redução dos investimentos nas outras modalidades de transporte”. Este direcionamento tornou o país mais dependente do modal rodoviário. E a dependência do setor de rodovias é maior no setor agrícola, tanto para receber os insumos quanto para escoar a produção para os mercados de destino.

A atual configuração da matriz de transportes brasileiras surgiu por volta dos anos 1960 quando surgiu o Plano Rodoviário Nacional, que consistia no redirecionamento dos impostos provenientes da venda de combustíveis e lubrificantes e sobre a propriedade dos veículos. Desta forma, a receita obtida via tributação era direcionada para a expansão da malha rodoviária, que passou de 8.675 km em 1960, para 47.487 km em 1980. No que se refere à rede ferroviária, no período de 1940 a 1970, houve uma redução da quilometragem, passando de 38 mil km para 30 mil km (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO TRANSPORTE, 2011).

Segundo a Confederação Nacional do Transporte (2014a), no ano de 2014 a extensão das rodovias brasileiras era de aproximadamente 1,7 milhões de quilômetros. Deste total, apenas 12% eram consideradas pavimentadas. Entre os anos de 2004 e 2014 houve um crescimento de 13,8% nas rodovias pavimentadas no país. Um crescimento insuficiente quando comparado ao crescimento de 122% da frota de veículos no mesmo período.

Embora o crescimento das vias pavimentadas tenha sido relativamente pequeno entre 2004 e 2014, quando se amplia o horizonte de tempo para a década de 1990 o crescimento das vias pavimentadas é um pouco maior. Entre 1996 e 2011, por exemplo, o crescimento foi de 43%. E quando se compara tal crescimento com a evolução das ferrovias, é possível verificar pela Tabela 1 que enquanto as rodovias apresentaram uma trajetória de crescimento, as ferrovias mantiveram-se estagnadas, apesar das concessões de ferrovias públicas à iniciativa privada. Isto sinaliza a prioridade dada ao modal rodoviário pelas autoridades brasileiras.

Tabela 1 – Evolução da pavimentação das rodovias x evolução das ferrovias Ano Rodovias Pavimentadas (km) Ferrovias (km) 1996 149.000 29.301 2000 164.997 29.060 2005 196.244 28.977 2006 196.280 29.596 2007 202.964 29.817 2008 211.678 29.596 2009 212.148 29.637 2010 212.618 29.747 2011 213.722 30.111

Fonte: Confederação Nacional do Transporte (2011).

Quando se compara a matriz de transportes brasileira com a matriz de outros países, percebe-se que a configuração brasileira se aproxima mais da configuração de países com extensão territorial pequena, como pode ser verificado pela Figura 2. Nestes países, a concentração da carga ocorre no modal rodoviário em virtude das distâncias mais curtas. Mesmo por que, conforme ressalta Caixeta-Filho (1999), o modal ferroviário é o mais indicado para distâncias longas, enquanto o modal rodoviário é o mais indicado para distâncias curtas.

Figura 2 – Participação dos modais de transporte Fonte: Confederação Nacional do Transporte (2011).

Observando os dados da Figura 2, pode-se perceber nos países com dimensão territorial maior, como Rússia e Estados Unidos, que o modal rodoviário não é o principal

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% Rodovia Ferrovia Hidrovia

meio de transporte. Nestes países, o principal modal é o ferroviário. Cabe destacar que, comparando o Brasil e a Austrália, países com dimensões territoriais semelhantes, a preferência é dada ao modal rodoviário, porém a utilização das ferrovias na Austrália é maior que no Brasil.

A questão referente ao desbalanceamento da matriz de transportes brasileira reside no fato de que o uso do modal rodoviário a longas distâncias encarece o preço dos produtos, por meio de um frete mais elevado. E, pelo fato da produção brasileira destinada à exportação ser essencialmente agrícola, há uma elevação do preço do produto, que possui baixo valor agregado. Isto diminui a competitividade do produtor brasileiro na comercialização dos bens produzidos.

E, além do uso intensivo do modal rodoviário, existe a questão da qualidade das rodovias. As condições do pavimento influem significativamente o preço dos fretes, pois em vias mais desgastadas o tempo de viagem é maior, além do aumento do consumo de combustível e desgaste maior dos veículos (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO TRANSPORTE, 2014a). Conforme já destacado por Bartholomeu e Caixeta-Filho (2009), em vias de maior qualidade as emissões de dióxido de carbono são menores que naquelas rodovias em pior estado de conservação.

Dados da pesquisa Rodoviária CNT 2014 desenvolvida pela Confederação Nacional do Transporte (2014a) apontam que o Brasil ocupa o 122º lugar no ranking de qualidade das rodovias elaborado pelo Fórum Econômico Mundial. O país está abaixo de diversos países da América Latina, como Chile, Uruguai e Argentina. Os dados da pesquisa também mostram que 62,1% das rodovias brasileiras31 são consideradas regulares, ruins ou péssimas e que em aproximadamente metade das rodovias analisadas existe algum tipo de deficiência no pavimento das vias. As Tabelas 2 e 3 mostram os principais resultados da pesquisa em termos de qualidade das rodovias.

Tabela 2 – Classificação da qualidade das rodovias

(continua) Extensão (km) Total (%) Ótimo 9.978 10,1 Bom 27.383 27,8 Regular 37.608 38,2

Tabela 2 – Classificação da qualidade das rodovias (conclusão) Extensão (km) Total (%) Ruim 16.709 17,0 Péssimo 6.797 6,9 Total 98.475 100,00

Fonte: Confederação Nacional do Transporte (2014a).

Pode-se observar que dos 98.475 km analisados, apenas 37,9% apresentavam um estado de conservação bom ou ótimo. Esta situação reflete a necessidade de maiores investimentos em termos de qualidade das rodovias já que, como mencionado, é neste modal que se concentra o transporte de cargas no país. Sendo assim, uma infraestrutura inadequada dos transportes afeta a atividade produtiva seja por meio do encarecimento dos custos de transporte, seja por meio do tempo de entrega.

Existe uma grande diferença de qualidade em relação às rodovias privadas e as rodovias públicas, que pode ser vista na Tabela 3. Um primeiro aspecto a ser destacado é que, apesar das privatizações, as rodovias públicas ainda são maioria. No entanto, quando se analisa a qualidade das vias, é sob a administração privada que se concentra a maior extensão de rodovias consideradas ótimas.

Tabela 3 – Classificação do estado geral das rodovias: privadas x públicas

Privada Pública

Extensão (km) Total (%) Extensão (km) Total (%)

Ótimo 7.099 37,4 2.879 3,6 Bom 6.962 36,7 20.421 25,7 Regular 4.125 21,8 33.483 42,1 Ruim 657 3,5 16.052 20,2 Péssimo 117 0,6 6.680 8,4 Total 18.960 100 79.515 100

Fonte: Confederação Nacional do Transporte (2014a).

Quando se considera as rodovias de estado ruim, aquelas sob a tutela da iniciativa privada correspondem a 3,5%, enquanto nas rodovias públicas, em 20,2% da extensão analisada apresentou um estado ruim. E, de uma forma geral, as rodovias com

melhor estado de conservação são as privadas, sendo que 74,1% destas rodovias apresentam um estado de conservação bom ou ótimo. No entanto, quando se considera as rodovias públicas, apenas 29,3% da extensão analisada apresenta uma qualidade ótima ou boa.

Os dados da Confederação Nacional do Transporte (2014a) apontam, também, que a condição das rodovias brasileiras eleva o custo operacional do transporte em média 26%, sendo que na região Norte este custo chega a 37,6% e na região Sudeste corresponde a 20,8%, o menor custo das regiões brasileiras. Dados simulados pela pesquisa mostram que o custo operacional dos caminhões seria 95,1% mais alto quando a rodovia é avaliada como péssima em comparação com uma via considerada ótima. Considerando o estado de conservação regular, que é o predominante no país (42,1%), a elevação do custo operacional seria de 41%, comparado com um estado de conservação ótimo.

Assim, esta elevação do custo operacional certamente deve ser repassada para o preço do frete. E, com isso o preço dos bens pode ser reajustado em virtude do frete mais elevado. Desta forma, “(...) parte do custo elevado dos produtos nacionais deve-se a inadequada gestão das rodovias” (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO TRANSPORTE, 2014a, p.338).

Além de questões associadas ao custo do transporte, a qualidade das vias influi ainda na segurança dos usuários. Os dados da Confederação Nacional do Transporte (2014a) mostram que no ano de 2013 ocorreram aproximadamente 187 mil acidentes nas rodovias federais. E 39% dos casos envolviam acidentes com vítimas, o que levou à morte 6.885 pessoas. Embora seja impossível mensurar o valor de uma vida, os dados da pesquisa mostram que o custo dos acidentes em rodovias foi de R$ 17,7 bilhões.