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CAPÍTULO 3: ANÁLISE DE DADOS E DISCUSSÃO DE RESULTADOS

3.1 A modalidade no discurso dos professores

Nesta primeira etapa são examinadas as respostas aos questionários sob a perspectiva da gramática sistêmico-funcional de Halliday (1985/1994) e com apoio também em Eggins (1994), centrando o enfoque na modalização, com o intuito de contrastar (1) as respostas às questões abertas, as quais apresentam, via de regra, modais como deve e pode, que com base nas análises, parecem sinalizar, embora não tenhamos outros dados para confirmar tal hipótese, um professor mais autoritário – com (2) a importância atribuída nas respostas dependentes às características de mediação de Feuerstein (2002), as quais apontam para o comportamento esperado de um professor mediador.

Segundo Eggins (1994), conforme mencionado no início do capítulo, a modalização é realizada internamente, no nível da oração, pelo operador finito modal e por adjuntos de modo.

Como podemos observar pelos exemplos a seguir, é freqüente a presença dos modais deve, precisa, tem e pode nas respostas dos questionários sobre mediação:

? (...) faz com que os alunos compreendam a situação na qual devem agir (...). (P11 - Q1)3

? Os alunos precisam entender o que lhe(s) é solicitado (...). (P12 - Q1) ? O educador deve explicar (...). (P1 - Q3)

? (...) e futuramente possam se auto-avaliar. (P1 - Q3)

? Os alunos necessitam (precisam estudar) de vocabulário (...). (P1 -Q4) ? (...) eles têm que objetivar o mercado de trabalho (...). (P2 - Q5)

? (...) eu tenho a necessidade (eu preciso) de aprender a ensinar. (P6 - Q6) ? (...) situações problematizadoras nas quais eles tenham que observar. (P11 - Q7) ? (...) E sta prática tem que ser diária (...). (P2 - Q8)

?(...) Os alunos devem ser orientados para que sempre persistam (...)(P12-Q8) ? (...) o professor poderia apontar estes dois caminhos (...). (P4 - Q9)

Como estamos tratando apenas das escolhas léxico-gramaticais realizadas pelos participantes, é importante ressaltar que a questão semântica não foi abordada na análise dos modais, os quais possibilitam diferentes

significações, dentre elas a necessidade e a possibilidade relacionadas ao modal deve do primeiro e quarto exemplos, respectivamente, mas, conforme já sinalizamos, foge ao escopo deste trabalho.

(a) Modalização

Por oportuno, antes de iniciarmos a presente análise, é importante retomarmos a diferença entre modulação, na qual o artigo de troca são bens e serviços que podem ser expressos por orações interrogativas e negativas de forma não verbal, e modalização, na qual há a troca de informações expressas por orações interrogativas e afirmativas de forma verbal (Halliday, 1985/1994).

Na modalização, as funções de fala ocorrem em dois tipos de possibilidades intermediárias, probabilidade e freqüência, que podem se manifestar implicitamente por operador modal finito, por adjuntos modais ou por ambos, os quais se classificam em alta, média e baixa, segundo o grau de probabilidade e certeza que exprimem.

A maioria dos professores que respondeu ao questionário, ao modalizar, fez uso da alta modalização através dos modais deve, precisa e tem, em contraste com a minoria, que utilizou pode e poderia, o que pode sugerir que eles, supostamente, priorizam uma concepção predominantemente autoritária de ensino e, consequentemente, de professor não-mediador, em detrimento da dialógica, mas tal fato só poderia ser corroborado mediante a obtenção de dados junto aos professores. Vejamos a tabela a seguir, construída com base na totalidade das respostas.

Alta Média Porcentagem

Deve 57%

Precisa 22%

Tem 8%

Pode 11%

Poderia 2%

Tabela 1 - A modalidade nas respostas dos professores

Na análise do questionário sobre mediação de Feuerstein (2002), foram encontradas nas respostas não somente as características de mediação

levantadas por este teórico, mas também algumas características da educação baseada no diálogo para formar um aluno autônomo destacada por Gadotti (2003), Vygotsky (1993) e Freire (1983)

Ao analisar as respostas do ponto de vista léxico-gramatical, porém, verificou-se que, apesar de os dados apontarem para professores que sugerem ser mediadores, a utilização de tem, pode, deve e precisa pode sinalizar que eles não costumam trabalhar a mediação no âmbito do EJA, uma vez que esses modais nos remetem a um professor potencialmente não-mediador e autoritário. Muitas vezes, encontra-se o modal deve acompanhando de uma característica de mediação. Vejamos os exemplos a seguir:

? (...) O indivíduo deve aprender a ser autônomo (...). (P12 - Q11) ? (...) O professor deve ser o mediador (...). (P12 - Q7)

? (...) devem estar cientes de que precisam mudar (...). (P12 – Q9)

Gadotti, Vygotsky e Freire, que valorizam o diálogo e o professor- mediador, declaram que a relação professor-aluno objetiva formar aprendizes independentes e autônomos. Afirmar que o indivíduo deve aprender a ser autônomo parece contraditório, pois cabe ao mediador, em primeira instância, direcioná-lo para que ele possa se tornar um aluno independente.

De maneira análoga, o professor não deve ser o mediador, pois ao ponderar a situação de “eu devo”, este parece sugerir que se impõe o trabalho com a mediação, quando poderia procurar caminhos para trabalhar numa concepção mais democrática de ensino, na qual ele medeia, dialoga com o aluno, eliminando o paradigma de detentor do conhecimento.

Na última sentença, encontra-se a característica de mediação

automodificação envolta por deve e precisa, demonstrando que o aluno, pelo

que se pode depreender da resposta do questionário, tem a obrigação de se conscientizar de que ele precisa mudar.

Por conseguinte, concluímos que, embora os professores acreditem trabalhar a mediação em sala de aula, pelo menos na forma em que é explicitado nas respostas ao questionário, o estudo léxico-gramatical de suas respostas pode sugerir a possibilidade de os docentes ainda lecionarem de maneira mais autoritária e menos dialógica.

(b) Adjuntos de modo

A análise do adjunto de modo freqüência tem como objetivo contrastar a utilização da alta, média e baixa modalização nas respostas abertas com as respectivas respostas dependentes – referentes à freqüência – do questionário de mediação.

Observem-se a seguir algumas ocorrências da presença do adjunto modal analisado nas respostas dos professores:

? (...) na maioria das vezes a explicação é feita antes das atividades (...). (P10 - Q2) ? (...) em outros momentos, (explicação) faz parte do conhecimento (...). (P10 - Q2) ? (...) muitas vezes ele precisa descobrir sozinho (...). (P7 - Q3)

? E u sempre estimulo os alunos a participarem das atividades (...). (P3 - Q6)

? Estas estratégias nem sempre são necessárias de esclarecimentos, muitas vezes o aprendiz por si só consegue detectá-las (...). (P7 - Q5)

? Os alunos já encaram desafios normalmente (ou seja, frequentemente) (...). (P2 - Q7) ? (...) dificilmente colaboro ou participo no ato de estabelecer desafios. (P3 - Q4) ? Objetivos a serem realizados requerem às vezes paciência e insistência (...). (P9 - Q8) ? (...) algumas vezes é importante o acompanhamento do educador (...). (P10 - Q8)

? Essa ajuda (monitorar a própria mudança) não se torna necessária com freqüência, pois este aprendiz (...). (P7 - Q9)

? (...) portanto dever ser (o cooperativismo) incentivado constantemente (...). (P6 - Q10)

Os resultados demonstram que os professores, em sua maioria, expressaram suas opiniões através da alta modalizacão. Observe-se a tabela a seguir, construída com base na totalidade das respostas obtidas, que retrata o número de vezes em que foram utilizadas as modalizações indicadas.

ALTA MÉDIA BAIXA

Ocorrência Freqüência Ocorrência Freqüência Ocorrência Freqüência Na maioria das vezes 1 Muitas vezes 3 Sempre 4 Normalmente 1 Com freqüência 1 Constantemente 1 Em outros momentos 1 Nem sempre 1 Às vezes 2 Algumas vezes 1 Dificilmente 1

TOTAL 65% TOTAL 29% TOTAL 6%

Tabela 2 - Freqüência do uso de adjuntos nas respostas

Neste aspecto, os docentes mostraram-se coerentes em suas respostas, pois a significativa maioria, ao usar a alta, média ou baixa modalização na questão aberta, na questão dependente de freqüência optou, respectivamente, pela opção sempre, às vezes e nunca, demonstrando, à vista disso, consciência e cautela para responder ao questionário.

O P9, diferentemente dos demais, ao responder a pergunta número 8, referente à característica acreditar em resultados positivos, despertou-nos a atenção, ao comentar que “os objetivos a serem realizados às vezes requerem

paciência”, muito embora ele sempre estimule o aluno a acreditar que pode

realizar a atividade. Normalmente, as metas estabelecidas na aprendizagem requerem perseverança e tranqüilidade, pois o aluno estará dando um passo a mais no seu conhecimento, caminhando em direção ao novo.

O uso preponderante da alta e da média modalização, entretanto, corrobora a análise anterior e também aponta para professores não-mediadores, pois, ao se analisar o contexto de sua utilização, percebe-se que está

relacionada à possível ausência de mediação em sala. Vejam-se os seguintes exemplos:

? Muitas vezes, em véspera de prova eu ajudo os alunos (...). (P3 - Q5)

? E ssa ajuda não se torna necessária com freqüência, pois este aprendiz (...). (P7 - Q9) ? (...) muitas vezes ele precisa descobrir sozinho (...) (P7-Q3)

?(...) Estas estratégias (estratégias para aprender) nem sempre são necessárias de esclarecimentos (...). (P7 - Q5)

Os trechos acima apontam, pelo que podemos inferir ao analisar as respostas, que a alta modalização utilizada encontra-se em oposição à idéia de mediação abordada pelos teóricos apresentados no presente trabalho.

No primeiro exemplo, “muitas vezes” está relacionado com uma ajuda ao aluno que acontece somente em véspera de prova.

No segundo caso, reporta-se a uma ajuda do professor classificada como frequentemente desnecessária, contrariando a afirmação de Feuerstein (2002), segundo a qual o professor precisa, para mediar desta maneira, identificar constantemente os caminhos pelos quais os aprendizes possam se tornar conscientes do próprio progresso.

Na última situação, verifica-se que o professor nem sempre transmite ao aluno estratégias para aprender, idéia que se opõe à característica de mediação construída por Feuerstein (2002), o qual declara ser importante que os professores ensinem aos aprendizes uma abordagem lógica e sistemática para resolver problemas.

c) Metáforas de modalidade

Por fim, passa-se ao estudo da modalização realizada externamente, em um nível além da oração (beyond the clause), como aponta Halliday (1985/1994), cujo objetivo é verificar se os professores estão omitindo ou realmente exprimindo sua opinião, através das metáforas gramaticais objetivas e subjetivas, respectivamente.

Observem-se a seguir alguns exemplos de metáforas de modalidade realizadas implicitamente:

? Depois de um certo tempo em sala de aula eu percebi (considerei que era importante (...). (P3 - Q1)

? (...) entendo (acho) este trabalho de forma dialética. (P4 - Q2) ? (...) considero o rol dessas atividades, os exercícios (...). (P6 - Q2) ? (...) acho fundamental a troca de estratégias (...). (P4 - Q5)

? (...) Na minha opinião (eu acho) no momento que o educador participa (...). (P10 - Q7) ?(...) Acredito ser fundamental (...). (P4-Q8)

Os dados levantados indicam que os professores, ao colocarem sua opinião, expressaram-se predominantemente com baixa e média modalidade, conforme demonstra a tabela a seguir, construída com base na totalidade das respostas obtidas:

Baixa Média Freqüência

Percebo 1 Entendo 1 Considero 6 Acredito 2 Acho 1 Na minha opinião 1

Tabela 3 – As metáforas modais nas respostas

Os dados obtidos sinalizam para professores que omitem a sua responsabilidade, uma vez que, nas poucas vezes em que usam o pronome eu, fazem-no através da média modalização.

Dentre todos os respondentes que modalizaram para se comunicar, de acordo com a Tabela 3 acima, 83% (oitenta e três por cento) exprimiram sua opinião através de baixa modalização e 17% (dezessete por cento) por meio de média modalização.

A maioria dos professores, porém, emitiu sua opinião através de metáforas de modalidade expressas objetivamente, conforme indicam os trechos a seguir:

? (...) é muito importante esclarecer dúvidas (...). (P1 - Q1)

? (...) é importante para os alunos entenderem o porquê (...). (P3 - Q1)

? (...) a clareza na exposição das idéias para o processo de ensino-aprendizagem é fundamental. (P4 - Q1)

? É fundamental instruções claras (...). (P6 - Q1)

? É necessário que os alunos entendam claramente (...). (P8 - Q1) ? É importante deixar claro os objetivos (...). (P10)

? E nsinar a fazer é imprescindível, porém a auto confiança é fundamental ser adquirida (...). (P2 - Q4)

? (...) é preciso que sua auto-estima esteja em alta (...). (P12 - Q4)

? (...) auto -confiança que é necessária para superar os constantes desafios (...). (P6 - Q7)

? A socialização do indivíduo é de fundamental importância (...). É preciso reconstruir nossas identidades (...). (P4 - Q10)

A tabela a seguir retrata a freqüência com que foram realizadas as metáforas:

Metáforas de modalidade realizada

explicitamente % É muito importante 10 É importante 35 É fundamental 14 É necessário 10 É imprescindível 3 É preciso 25 É de fundamental importância 3

Tabela 4 – Freqüência de uso das metáforas de modalidade

Dentre as metáforas de modalidade, com base nas respostas dos professores analisadas, pode-se afirmar que a grande maioria foi expressa explicitamente em detrimento de uma minoria expressa implicitamente, através do pronome “eu”, conforme exemplos como eu considero, eu acredito.

Os dados levantados explicitam que os professores, de uma maneira geral, omitem o pronome eu ao expressarem suas opiniões, sendo que, quando o fazem, manifestam-se através da baixa modalização, o que pode sugerir, por um lado, a pouca assertividade com relação às respostas e a considerar a tese de que eles, embora acreditem trabalhar a mediação, podem ainda personificar a figura do professor como entidade detentora do conhecimento e autoridade máxima. Por outro lado, podemos também levantar a hipótese de que a omissão do sujeito é uma das possibilidades de escolha à disposição do falante no sistema lingüístico; o que pode possibilitar, em um estudo futuro, a ampliação da análise de tais escolhas.

Em resumo, a análise das respostas abertas, em uma primeira leitura, e como veremos a seguir, aponta para professores mediadores, visto que foram recuperados os traços mediadores de Feuerstein e as características da mediação que prioriza a relação dialógica para formar um aluno independente

destacadas por Gadotti (2003) Vygotsky (1984,1994) e Freire (1976,1983, 1986,2002,2004), como nos exemplos a seguir:

? (...) é importante que tenha claro o objetivo... (P1 – Q1)

? (...) é papel do educador auxiliar o aluno a criar habilidades...(P10 – Q3)

Entretanto, a análise da modalização realizada internamente, com o exame das respostas do ponto de vista léxico-gramatical – permitindo-se constatar não somente a utilização constante dos modais tem, pode, deve e precisa, como também o uso prevalecente de adjuntos modais de freqüência expressos através da alta e média modalização (muitas vezes e às vezes, respectivamente) associados a idéias de docentes que caminham contrariamente à teoria de mediação abordada no presente trabalho – aponta para professores potencialmente não mediadores. Vejamos os exemplos a seguir:

? (...) O indivíduo deve aprender a ser autônomo (...). (P12 - Q11) ? Muitas vezes, em véspera de prova eu ajudo os alunos (...). (P3 - Q5)

Em complemento, o estudo da modalização realizada externamente, através das metáforas gramaticais, parece sugerir que os professores estão omitindo a sua responsabilidade, visto que apenas uma pequena proporção se expressa através de metáforas de modalidade realizadas implicitamente através do pronome eu, em oposição à grande maioria que se coloca através de metáforas de modalidade realizadas objetivamente.

Segundo Fairclough (2001:200), a modalidade subjetiva evidencia o grau de afinidade e comprometimento do falante com a proposição expressa, em contraposição à modalidade objetiva, que não deixa claro o ponto de vista representado. À vista disto, pode-se concluir que a grande maioria dos professores que participaram da presente pesquisa parece demonstrar, a partir de suas escolhas léxico-gramaticais no texto escrito, pouca afinidade e comprometimento com suas respostas, uma vez que fez pouco uso do pronome eu. Este fato leva-nos a acreditar que, apesar de considerarem a relação dialógica como ideal a ser perseguido na relação professor-aluno, os

respondentes não conseguiram ainda se desvincular de uma postura mais autoritária e menos democrática em sala de aula.

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