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Modalidades de restrições aos direitos fundamentais 1) Generalidades

Tendo-se adotado, no presente estudo, a teoria externa quanto à restringibilidade dos direitos fundamentais, as classificações aqui enunciadas partem da premissa de que mesmo os direitos fundamentais não sujeitos à

227 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos..., op. cit., p. 323. 228 BOROWSKI, Martin. La estructura de los..., op. cit., p. 96.

229 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos..., op. cit., p. 321 et seq. BOROWSKI, Martin. La

estructura de los..., idem, ibidem.

230 BOROWSKI, Martin. La estructura de los..., ibidem, p. 97.

231Isso ocorre, com maior frequência, no âmbito do direito administrativo. É que, quanto às normas de direito privado, o incremento na proteção do direito de alguns, normalmente, resulta numa restrição dos direitos de outros particulares.

reserva legal podem ser objeto de intervenções legislativas de caráter restritivo, as quais deverão mostrar-se compatíveis com a Constituição. Adota- se, também, a tese de que os direitos fundamentais tendem a colidir com outros direitos e bens constitucionalmente protegidos, o que poderá justificar restrições recíprocas operadas in concreto, pela via interpretativa.

Nessa perspectiva, como já se destacou anteriormente, os direitos fundamentais podem ser restringidos em decorrência da atuação interpretativa do Judiciário ou por meio da ação legislativa. Além disso, em certos casos, o Executivo, ao aplicar lei e a Constituição, restringe os direitos fundamentais no plano concreto. Assim, tendo em vista os “sujeitos constitucionais”232

competentes para promover restrições aos direitos fundamentais, estas podem ser: i) legislativas ii) judiciais e iii) administrativas.233 Fala-se, de modo

semelhante, em restrições: i) no momento legislativo e ii) no momento aplicativo.234

Em virtude da supremacia hierárquica e do caráter vinculante dos direitos fundamentais, as restrições a estes opostas haverão sempre de ter fundamento nas normas constitucionais, mesmo quando forem estabelecidas por normas infraconstitucionais. Desde esse ponto de vista, é adequada a classificação adotada por Alexy, que decompõe as restrições em dois tipos: i) restrições diretamente constitucionais e ii) restrições indiretamente constitucionais.

6.2) Restrição legal (abstrata) e restrição aplicativa (concreta)

As restrições aos direitos fundamentais podem ser efetivadas: i) no plano legislativo ou ii) no plano aplicativo.

232 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e..., op. cit., p. 767.

233 No plano dogmático, não costuma ser aceita a ideia de que o Executivo pode promover restrições aos direitos fundamentais, tendo em vista a incidência do princípio da reserva legal nesse domínio. No entanto, é certo que há situações em que o Poder Executivo restringe direitos individuais ao promover a aplicação direta da Constituição. Isso ocorre, por exemplo, no caso do art. 5º, inciso XVI, da Carta Brasileira, que versa sobre o direito de reunião (Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente). Embora o referido preceito faça referência apenas à necessidade de comunicação prévia à autoridade competente, a Administração poderá, em certos casos, intervir a fim de evitar a realização de duas reuniões no mesmo horário e local. Ademais, há hipóteses em que a própria lei confere certa margem de ação ao Executivo para atuar. Um exemplo claro desse caso é o exercício do poder de polícia, que corriqueiramente repercute sobre os direitos individuais. Esse ponto, contudo, remete à complexa discussão em torno do conceito convencional de vinculação do administrador à lei, o qual tem sido objeto de amplo questionamento, e que não cabe aqui aprofundar. Veja-se, a propósito, o item 2 do Capítulo V de PEREIRA, Jane Reis Gonçalves.

Interpretação constitucional…, op. cit..

As restrições legislativas operam no plano abstrato e geral, de modo que implicam alterações no conteúdo objetivo dos direitos fundamentais. O recorte operado pelas leis restritivas determina o âmbito de proteção legal vigente do direito, transformando seu conteúdo constitucional prima facie em conteúdo

legal definitivo.

Já as restrições aplicativas operam no plano concreto e individual, repercutindo na dimensão subjetiva dos direitos fundamentais, sem afetar seu conteúdo objetivo enunciado na Constituição e nas leis restritivas.235

Exemplificando, as normas legais que regulam a interceptação telefônica restringem o sigilo de comunicações na dimensão abstrata, enquanto a decisão judicial que determina tal providência restritiva opera uma restrição in

concreto no direito subjetivo ao sigilo. Em sentido semelhante, o preceito do

Estatuto da Criança e do Adolescente que veda a divulgação de nome ou fotografia de menor a que se atribua a prática de ato infracional restringe o direito à liberdade de expressão e à informação no plano abstrato,236 sendo que

decisão judicial que determine a apreensão de publicação que tenha infringido tal preceito operará uma restrição concreta nos direitos fundamentais em questão.

6.3) A classificação de Robert Alexy

6.3.1) Restrições diretamente constitucionais

Para Robert Alexy, as restrições diretamente constitucionais são aquelas que derivam de forma imediata de normas com hierarquia constitucional. Tais

235 Em sentido semelhante, NOVAIS, Jorge Reis, distingue essas duas modalidades de restrição aos direitos fundamentais, denominando as restrições abstratas de restrições em sentido estrito e as concretas de intervenções restritivas. As restrições aos direitos fundamentais

não expressamente autorizadas pela constituição. Coimbra: Coimbra, 2003, p. 192 et seq.

236 Art. 247 — “Divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional: Pena — multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. § 1° — Incorre na mesma pena quem exibe, total ou parcialmente, fotografia de criança ou adolescente envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou indiretamente. § 2° — Se o fato for praticado por órgão de imprensa ou emissora de rádio ou televisão, além da pena prevista neste artigo, a autoridade judiciária poderá determinar a apreensão da publicação ou a suspensão da programação da emissora até por dois dias, bem como da publicação do periódico até por dois números”. A parte final do § 2º, que autoriza a suspensão judicial da programação e publicação que veiculem a imagem do menor, teve sua inconstitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal Federal na ADIN nº 869-2.

restrições emanam de cláusulas restritivas237 constitucionais, que podem ser expressas ou tácitas.

O exemplo acadêmico tradicional de cláusula restritiva expressa encontra- se no preceito que consagra o direito de reunir-se, o qual, nas diversas constituições democráticas, vem acrescido da expressão “pacificamente e sem armas”.238

Sem embargo, o entendimento de que a referida fórmula exprime uma restrição ao direito de reunião não é uníssono. Discute-se se cláusulas como a mencionada podem ser tratadas como efetivas restrições, ou se, de forma diversa, são “descrições diretamente constitucionais” do conteúdo do direito — ou “limites imanentes expressos”—, 239 que estabeleceriam o seu perímetro de

proteção.

A visão que nega o caráter restritivo desses preceitos, atribuindo-lhe função meramente prescritiva e delimitadora do direito, é tributária da teoria interna. Considera, assim, que as condições estabelecidas no próprio texto constitucional demarcam o conteúdo máximo da norma protetora, traçando “uma linha entre o direito e o não-direito”.240 A partir dessa perspectiva, não

existem “restrições constitucionais”, mas apenas delineamento dos contornos do direito.

É importante destacar que tratar essas fórmulas como restrições ou como delimitações tem consequências hermenêuticas importantes. De acordo com Robert Alexy, a tese que concebe a cláusula “pacificamente e sem armas” como mero elemento da definição do direito de reunir-se “não é necessária por razões conceituais e suas consequências tampouco são desejáveis”.241 Isso

porque, a entender-se que se trata de limites internos, caberá apenas definir, a cada caso, se as reuniões são ou não pacíficas, sem ter-se em conta nessa interpretação o confronto dialético entre o princípio da liberdade de reunião e os princípios que amparam a cláusula restritiva. Isso se manifesta de forma particularmente clara nos casos duvidosos. Na explicação do autor:

237 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos..., op. cit, p. 279.

238 Veja-se: Art. 8º (1) da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha: “Todos os alemães têm o direito de reunir-se, pacificamente e sem armas, sem anúncio nem autorização prévias”. Art. 5º, XVI, da Constituição da República Federativa do Brasil: “todos podem reunir- se pacificamente, sem armas, ...”. Art. 21, 1 da Constitución Española: “Se reconoce el derecho de reunión pacífica y sin armas. El ejercicio de este derecho no necesitará autorización previa”; e o Art. 45, 1 da Constituição da República Portuguesa: “Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização”.

239 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais..., op. cit., p. 284. 240 STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais..., op. cit., p. 30. 241 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos..., op. cit., p. 278.

(...) nos casos duvidosos, para constatar que uma reunião não é pacífica, se recorre ao conceito de “não pacífico”. Dentro do marco dessa interpretação, é também sempre necessário sopesar o princípio jusfundamental da liberdade de reunião, entre outros, com os princípios contrapostos que impulsionaram o legislador constitucional a ditar a cláusula restritiva definitiva diretamente constitucional. Isto mostra que a cláusula nada mais é que uma decisão do legislador constitucional em favor de determinadas razões contrárias a proteção jusfundamental. Mas, as razões contra a proteção jusfundamental, qualquer que seja sua formulação, pertencem ao âmbito das restrições. Se se renunciasse a essa adscrição, existiria o perigo de que o jogo de razões a favor e contra fosse substituído por intervenções mais ou

menos intuitivas.242

De fato, nos casos duvidosos resta evidenciado o teor restritivo da expressão “pacificamente e sem armas”, à medida que uma interpretação ampliativa ou não de seu significado terá repercussão direta na determinação da esfera de incidência do direito de reunião. Por isso, a solução que confere maior grau de proteção ao direito fundamental é justamente entender cláusulas dessa natureza como restrições. Tal visão, nas hipóteses controvertidas, levará ao raciocínio ponderativo, e permitirá sopesar a dimensão positiva da norma (todos tem direito a reunir-se), com seu aspecto negativo (pacificamente e sem armas).

As cláusulas restritivas implícitas são aquelas que defluem da necessidade de conciliar os direitos entre si e com outros bens constitucionalmente protegidos. Nesse sentido, Robert Alexy aponta como exemplo de cláusula

restritiva implícita a formulação da Corte Constitucional segundo a qual “tendo

em conta a unidade da Constituição e a totalidade de valores protegidos por ela, [...] os direitos fundamentais de terceiros que entram em colisão e outros valores jurídicos de hierarquia constitucional podem excepcionalmente limitar, em casos particulares, também direitos fundamentais irrestringíveis”.243

6.3.2) Restrições indiretamente constitucionais;

As restrições indiretamente constitucionais “são aquelas cuja imposição está autorizada pela Constituição”,244 sendo estabelecidas por normas de status

infraconstitucional. Essa autorização pode constar de uma cláusula expressa ou decorrer implicitamente do sistema constitucional. No caso das reservas legais,

242 Idem, ibidem. 243 Idem, ibidem, p. 281. 244 Idem, ibidem, p. 282.

as autorizações ao legislador para intervir nos direitos fundamentais podem ser

simples ou qualificadas. Nas primeiras, a Constituição confere ao legislador uma

competência genérica e não detalhada para disciplinar o direito, mediante fórmulas do tipo: “na forma da lei”, “nos termos da lei”, “lei regulará” etc. Nas segundas, a autorização para que o legislador limite o direito vem acompanhada de diretivas que condicionam a atividade legislativa. Em nossa Constituição, um exemplo desse tipo de autorização é a reserva de lei limitadora da liberdade de exercício de profissão, que deflui da expressão “atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” (art. 5º, XIII).

A classificação elaborada por Robert Alexy tem o mérito de pôr em evidência o fundamento constitucional de toda e qualquer restrição a direitos. Entretanto, a referida categorização dicotômica, embora assentada em pressupostos teóricos corretos, apresenta o inconveniente de abarcar em uma única classe situações tão diversas como as restrições que advêm dos conflitos de direitos e as estatuídas de forma explícita no texto constitucional.

No presente estudo, emprega-se uma classificação alternativa que, sem discrepar, na essência, da de Alexy, decompõe as restrições em três categorias, tendo em consideração dois aspectos: i) se a restrição é diretamente estatuída pela Constituição ou se é apenas autorizada por esta; ii) se a restrição (ou possibilidade de restrição) é prevista de modo expresso ou está implícita no texto constitucional.

Combinando tais critérios, extraem-se, da ordem constitucional, três modalidades de restrições: a) Restrições expressamente estatuídas pela Constituição; b) Restrições expressamente autorizadas pela Constituição; c) Restrições implicitamente autorizadas pela Constituição.

6.4) Uma proposta complementar de classificação

6.4.1) Restrições expressamente estatuídas pela Constituição

As restrições expressamente estatuídas pela Constituição são aquelas dispostas por meio de cláusulas restritivas explícitas. Na Constituição de 1988, colhe-se o tradicional exemplo do direito de reunião, que vem restringido pelas expressões “pacificamente” e “sem armas” (art. 5º, XVI). São também exemplos de restrições expressas a vedação ao anonimato estampada no art. 5º, IV, que consagra a liberdade de expressão; o estabelecimento da liberdade de ir e vir

em tempo de paz, previsto no art. 5º, XV; a vedação de associações de caráter paramilitar contida no art. 5º, XVII, que enuncia a liberdade associativa; e a

possibilidade de instituir-se pena de morte em caso de guerra declarada, como previsto no art. 5º XLVI.245

245Há, ainda, outros preceitos que contêm restrições expressas: v. art. 5º XI, XIV, XXI, XXIII, XLV, LI .

Tais restrições são normas hauridas de dispositivos constitucionais construídos de forma dialética, vale dizer, mediante a enunciação do direito protegido e, simultaneamente, de uma exceção.

6.4.2) Restrições expressamente autorizadas pela Constituição

As restrições expressamente autorizadas pela Constituição são as estabelecidas por atos infraconstitucionais com fundamento em competências conferidas de forma explícita no texto constitucional. Nesse caso, o constituinte não restringe o direito: apenas prevê a possibilidade de restrição, atribuindo aos órgãos de poder a competência para intervir nos direitos em certas circunstâncias e sob determinada forma jurídica.

Além disso, em determinados casos, a Constituição confere a possibilidade de o Judiciário restringir os direitos, mediante decisões constritivas de posições jurídicas individuais constitucionalmente protegidas. É um exemplo dessa modalidade de autorização o art. 5º inciso XI da Constituição de 1988, que prevê a inviolabilidade domiciliar “salvo em flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

Outra modalidade de restrições autorizadas constitucionalmente são as relacionadas aos mecanismos de estabilização da ordem constitucional inerentes ao regime excepcional de estado de necessidade (Estado de Defesa e Estado de Sítio). No caso do Estado de Defesa, a Constituição confere ao Presidente da República o poder de institui-lo por meio de decreto — a ser apreciado pelo Congresso —,246 o qual poderá impor restrições aos direitos de

reunião e ao sigilo de correspondência, de comunicação telegráfica e telefônica (art. 136, § 1º). Quanto ao Estado de Sítio, só pode ser decretado após prévia autorização do Congresso Nacional, mas as restrições a direitos autorizadas são ainda mais abrangentes, compreendendo a liberdade de locomoção, o direito de reunião, a liberdade de expressão e comunicação, a inviolabilidade domiciliar e o direito de propriedade (art. 139).

Por fim, há as restrições legislativas constitucionalmente autorizadas. Diversos direitos fundamentais são positivados por meio de preceitos que veiculam autorizações expressas ao legislador para interferir em seu âmbito de proteção. Tais cláusulas, que conferem competências ao legislador para intervir nos direitos, são denominadas reservas legais. Essas reservas são, basicamente, de dois tipos: simples e qualificadas.

246 Art. 136, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil. “O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.”

Fala-se em reserva legal simples quando o preceito constitucional limita-se a prever a intervenção legislativa sem determinar qual será o objeto ou a finalidade da lei, por meios de fórmulas genéricas do tipo: na forma da lei, nos

termos da lei etc. Diversamente, tem-se a reserva legal qualificada nos casos em

que o constituinte, além de prever a possibilidade de ação legislativa, determina previamente qual deverá ser o objeto e a finalidade da lei reguladora.247

6.4.2.1) Reservas legais simples

As reservas legais simples são caracterizadas pelo fato de traduzirem a exigência formal de que as restrições aos direitos sejam estatuídas por meio de lei.248 Na Carta de 1988, encontram-se diversos exemplos desse tipo de reserva.

Pode-se mencionar, verbi gratia, o inciso XV do artigo 5º que consagra a liberdade de locomoção nos termos da lei; bem como o inciso XVIII do artigo 5º, segundo o qual “a criação de associações e, na forma da lei, de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”; e, ainda, o inciso LVIII, do mesmo artigo, que estabelece que “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”.

São também entendidas como reservas legais simples as cláusulas pelas quais a Constituição determina que a lei venha a concretizar certos conceitos e institutos jurídicos que reclamam densificação. É esse o caso do preceito que estipula “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos [...]” (art. 5º, XLIII). Nessa hipótese, como destaca Gilmar Ferreira Mendes, “a Constituição conferiu ao legislador ampla liberdade, o que permite quase a conversão da reserva legal em um caso de interpretação da Constituição segundo a lei. Os crimes hediondos passam a ter um tratamento agravado pela simples decisão legislativa”.249

6.4.2.2) Reservas legais qualificadas

247Na doutrina italiana fala-se em reserva absoluta e reserva reforçada. No primeiro caso, “o legislador ordinário tem (obrigatoriamente) competência plena e exclusiva na matéria”, e a Constituição não restringe sua “relativa discricionariedade substancial”. No caso da reserva reforçada, “a intervenção do legislador deve ser especificamente e unicamente direcionada à busca dos escopos e objetivos exatamente indicados na Constituição”. LILLO, Pasquale. Diritti

fondamentali e libertà della persona. Torino: G. Giappichelli, 2001, p. 142.

248 É claro que a lei há de ser, também, materialmente constitucional, observando a exigência de proporcionalidade.

As reservas legais qualificadas não se limitam a enunciar o requisito formal de que a intervenção seja efetivada por lei, mas também estipulam, de antemão, o objeto, a finalidade ou o âmbito temático da lei reguladora. Um preceito que consagra tal espécie de reserva é o inciso XIII, do artigo 5º, da Constituição de 1988, segundo o qual “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Outro exemplo encontra-se no inciso XII, que contempla a inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, salvo “por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Pode-se mencionar, ainda, o inciso LX, que enuncia: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.

6.4.3) Restrições implicitamente autorizadas pela Constituição

Como se viu, as intervenções legislativas em direitos fundamentais não se resumem àquelas explicitamente previstas, cabendo admiti-las sempre que a indeterminação dos preceitos constitucionais ou a necessidade de preservação da unidade da Lei Maior torne imperativa a regulamentação infraconstitucional dos direitos.

Há, basicamente, duas categorias de intervenções legais implicitamente autorizadas. De um lado, reconhece-se a competência do Parlamento para promover a harmonização dos diversos — e, por vezes, antagônicos — bens e valores constitucionais, o que poderá implicar, em certos casos, a compressão de uns em detrimento de outros. Noutro giro, há hipóteses em que a Constituição, sem prever de modo explícito a reserva legal, indica restrições aos

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