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4. Reflexões tensivas sobre a veridicção

4.1 Modalidades Veridictórias

Na epistemologia de nossos dias, o conceito de verdade é substituído, cada vez mais, pelo de eficácia.

(GREIMAS. 1983, p.124).

Por sua tradição saussureana, a Semiótica concedeu à imanência a posição de alicerce de sua estrutura análitica, rejeitando referentes externos que não se fundamentem na lógica interna do discurso e de seus efeitos de sentido. Como já discutido neste trabalho, acolher a transcendência apenas sustentada na imanência é a opção semiótica para abarcar a historicidade. Essa “opção herdada” como DNA, portanto, produziu o que resumem Greimas e Courtés (2008) em uma frase contundente: “a teoria saussuriana forçou a semiótica a inscrever entre suas preocupações não o problema da verdade, mas o do dizer-verdadeiro, da veridicção” (p.529). Já na página seguinte, os autores apontam uma conclusão decisiva para a teoria:

Não mais se imagina que o enunciador produza discursos verdadeiros, mas discursos que produzem um efeito de sentido “verdade”: desse ponto de vista, a produção da verdade corresponde ao exercício de um fazer cognitivo particular, de um f​azer parecer verdadeiro que se pode chamar, sem nenhuma nuance pejorativa, de fazer persuasivo. (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 531).

A consideração semiótica que privilegia o efeito de sentido verdade em vez de uma verdade ontológica implica que sua produção se dá em um fazer-parecer-verdadeiro. A função do discurso não é o dizer verdadeiro, mas o parecer-verdadeiro (GREIMAS, 1983). “Esse parecer não visa mais, como no caso da verossimilhança, à adequação ao referente, mas à adesão da parte do destinatário a quem se dirige, e por quem procura ser lido como verdadeiro” (p. 122). Continuando a reflexão de Greimas em ​Sobre o Sentido II, a adesão desse destinatário (enunciatário) só é possível se o dizer corresponder à sua expectativa, o que significa que essa intenção do parecer-verdadeiro revela não o universo axiológico do destinatário (enunciatário), mas a representação que o destinador (enunciador) faz dele, uma vez que é o artífice do discurso e busca o seu sucesso.

Greimas destaca que o conceito de verossimilhança em uma sociedade é revelador de seu próprio contexto cultural, uma vez que suas balizas são adquiridas como parte do aprendizado para se tornar adulto, ainda que por meio da aquisição de um senso comum que “dá acesso à realidade”, ou ao menos a uma realidade de mundo, que se funda sobre uma racionalidade e não sobre outras. Essa capacidade adquirida impõe resistências que limitam as interpretações possíveis de um texto, e os julgamentos cabíveis sobre ele, “o que se explica se admitirmos que o texto possui suas próprias marcas de isotopias de leituras (e, no caso que nos ocupa, suas marcas de veridicção) que limitam suas possibilidades” (p. 118). O advento das sociedades industriais, no entanto, embaralhou marcas solidamente inscritas que garantiam o contrato social em contextos que Greimas chamou de “culturas homogêneas”. Uma gama de discursos sociais “aparentemente heterogêneos”, como diz o lituano, passou a disputar espaço, cada um com sua própria veridicção.

O fazer persuasivo é o cerne da relação entre as instâncias da enunciação na teoria semiótica: um enunciador busca fazer com que um enunciatário entre em conjunção com os valores projetados em um texto. Assim se forma o sujeito do nível pressuposto, e, para a teoria, está aí a finalidade da própria enunciação. Dessa forma, a preocupação com o que é verdadeiro no texto, isto é, com o que o enunciador arquiteta como verdadeiro, em seu esquema de valores atravessado por uma narratividade, constitui-se imprescindível objeto de análise.

Essa veridicção é “negociada” entre enunciador e enunciatário em um intento persuasivo em que a crença em um se constrói nos valores do outro, para que a intenção de um penetre e modalize a existência do outro. Essa negociação é formada por dois polos: “verdade designa o termo complexo que subsume os termos ​ser e ​parecer situados no eixo dos contrários no interior do quadrado semiótico das modalidades veridictórias” (GREIMAS; COURTÉS, 2008. p.529). Os eixos, no entanto, não gozam da mesma posição nessa subsunção, já que:

O bom funcionamento desse contrato (de veridicção) depende, em definitivo da instância do enunciatário, para quem toda mensagem recebida, seja qual for seu modo veridictório, apresenta-se como uma manifestação (​parecer - ​não parecer

​ )

a partir da qual ele é chamado a atribuir este ou aquele estatuto ao nível da imanência (a decidir sobre o ser ou o não ser) (Ibidem, p. 530)

Ao continuar a discussão no verbete sobre as Modalidades Veridictórias, os autores voltam a apontar, se não hierarquicamente, ao menos sintagmaticamente, a relação entre os dois eixos: primeiro o ​parecer

, e, a partir dele, o ​ser.

A categoria da veridicção é constituída, percebe-se, pela colocação em relação de dois esquemas: o esquema​parecer

​ /​não parecer é chamado de manifestação, o

do​ser

​ ​ /​não ser, de imanência. É entre essas duas dimensões de existência que

atua o “jogo da verdade”: estabelecer, a partir da manifestação, a existência da imanência, é decidir sobre o ser do ser (forma debreada do saber ser) (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p.533)

Para fundamentar tal entendimento é possível recorrer também a Barros (2011), que igualmente define o ​parecer

como etapa anterior ao ​ser nas modalidades veridictórias: “um

estado é considerado verdadeiro quando um sujeito, diferente do sujeito modalizado, o diz verdadeiro. Parte-se do​parecer

e do​não parecer da manifestação e se constrói ou se infere o ​ser

ou ​não ser

​ da imanência” (p.46).

Retomando o que diz o dicionário sobre a manifestação e a imanência na composição da veridicção como um complexo, ele chega a afirmar que a manifestação chama o sujeito e que a imanência é decidida por ele a partir da solicitação do ​parecer

​ (GREIMAS; COURTÉS, 2008,

p.530). O mesmo encaminhamento está em Baldan (1988):

O contrato de veridicção insere-se, implícita ou explicitamente, no enunciado, mas se reinterpreta na instância do enunciatário, para quem toda mensagem recebida, seja qual for seu estatuto veridictório, apresenta-se em nível de manifestação afetado pelo sinal do "parecer". É a partir desse ​parecer

​ que o enunciatário terá de interpretar o

ser/não-ser inscritos no nível de imanência. O enunciatário é chamado a sancionar o contrato de veridicção, a modalizar, portanto, aquele parecer/não-parecer, sobredeterminando-o por um ser/não-ser. (p.50)

A teoria se vê, então, oportunamente, diante de mais um complexo que se baseia na oposição entre sofrer e agir, destacando que o agir se dá a partir do sofrer: o sujeito sofre um

parecer

e age decidindo um ​ser. A combinação dessas possibilidades de manifestação com os

dois polos da imanência cria os pares verdade e falsidade, e segredo e mentira, que se formam quando uma manifestação “positiva”, do ​parecer

, ou “negativa”, ​não parecer, é seguida de uma

imanência de mesmo “sinal”, usando termos matemáticos.

A passagem da manifestação para a imanência recebe ainda de Baldan outra diferenciação: mais figurativa, a interpretação do ​parecer

interpretação semântica, conseguida através da articulação de um texto escrito ou falado com o seu significado linguístico. A ela se segue a interpretação veridictória, articulada em um metatexto sancionador, que aponta o significado ideológico do discurso. O primeiro “texto”, mais figurativo, está ligado “ao conjunto de acontecimentos que se supõem operados pelo fazer do sujeito enunciado, que vamos chamar de texto figurativo”; já o segundo atua como uma paráfrase metatextual ao texto figurativo “declarando ao modo do​ser

(e/ou do não ser ) o mesmo

saber que aquele produzira ao modo do​parecer

​ ”. Em vez de entrar nos detalhes da proposta da

pesquisadora, entendamos aqui sua compatibilidade com o que foi dito anteriormente: o ​parecer chama o​ser

, que julga o ​parecer. Baldan (1988) esquematiza o quadrado veridictório da seguinte

forma:

a) ​Verdade (PARECER + SER) - "aquilo que é e que parece ser o que é" (produção do saber autêntico).

b) ​Falsidade (NÃO PARECER + NÃO SER) - "aquilo que não é algo nem parece sê-lo" (produção do não-saber).

c) ​Mentira (PARECER + NÃO SER) - "aquilo que parece ser, mas não é" (produção de simulação do saber - parecer saber).

d) ​Segredo (NÃO PARECER + SER) - "aquilo que é, mas não parece ser" (produção de dissimulação do saber - parecer não-saber).

Essas combinações entre ​ser

e ​parecer e seus contraditórios se estabelecem em um

equilíbrio entre a persuasão do enunciador e as representações do enunciatário que guiam suas estratégias para construir um discurso bem sucedido, capaz de obter êxito no fazer persuasivo.

O discurso é esse lugar frágil em que se inscrevem e se leem a verdade e a

falsidade, a mentira e o segredo; modos de veridicção resultantes da dupla

contribuição do enunciador e do enunciatário; suas diferentes posições não se

estabelecem senão na forma de um equilíbrio mais ou menos estável que provém

de um acordo implícito entre os dois actantes da estrutura da comunicação. É esse

acordo tácito que é designado pelo nome de contrato de veridicção. (GREIMAS,

4.2 A Tensividade e o Sensível

Nos caminhos que a semiótica tomou desde a formulação de Greimas para o percurso gerativo de sentido, os esforços do lituano para esmiuçar a narratividade sempre estiveram presentes. Entender o que mais está envolvido nas relações do sujeito, seja o do nível narrativo ou o da enunciação, levaram à virada fenomenológica que integrou a dimensão sensível aos níveis de análise. Ao que se afirmou anteriormente quando se disse que a transformação da narrativa é nas relações com o sujeito, acrescenta-se agora que essa mudança se dá, sobretudo, na percepção que norteia o proprio sujeito na estabilização de sua visão de mundo, enquanto sofre e acolhe as ações dos outros actantes em seu universo sensível. A partir da perspectiva tensiva (ZILBERBERG, 2007, 2010 e 2011) a experiência sensível ganhou papel central na narratividade. Tornou-se impossível pensar na manipulação do destinador ou no embate com o antissujeito sem investigar de que modo esses momentos modificam a percepção do sujeito, o impactam e exigem respostas a partir de experiências, em uma narrativa que se constitui em práxis. O sujeito extrapola a alternância entre o fazer

e o ​ser e se expande para o sujeito do

sentir, e a junção é ampliada para uma relação com o mundo por meio da percepção - articulação entre o inteligível e o sensível, que configura o campo de presença nas tentativas do sujeito de organizar suas noções de espacialidade e temporalidade diante das experiências sensíveis (ZILBERBERG, 2011). A modulação do campo de presença obedece, então, à dimensão da

Intensidade

, do sensível, do estado de alma, que, ao reger a da ​Extensidade, do inteligível, do

estado de coisas, articula a Tensividade.

A regência da Intensidade sobre a Extensidade se dá em um devir, um movimento constante de ascendência ou descendência entre os polos em que uma grandeza ou outra é

exacerbada, na correlação inversa, ou onde as duas variam reflexivamente, aumentando e diminuindo em simultaneidade. Chama-se de valência plena ou valência paroxística o momento em que a intensidade é máxima, e de nula, o oposto, em que ela é mínima. Os adjetivos máxima e mínima cabem porque Zilberberg (2011) representa essa relação em uma função exponencial, para evidenciar que é impossível que cada um dos lados seja totalmente anulado mesmo em uma correlação inversa: por maior que seja a intensidade, ela nunca vai eliminar por completo as subdimensões inteligíveis que compõem o campo de presença. Por outro lado, independente do quanto cresça a extensidade em uma correlação inversa, ela nunca vai esvaziar totalmente a dimensão sensível. O aumento da intensidade, nas suas subdimensões de andamento e tonicidade, recrudesce com o acréscimo de “mais” até que se atinja o “demais”, momento em que o excesso se torna insuportável e que, por definição, já evoca uma busca pela inversão, pela atenuação. O que ocorre então, é o acréscimo de “menos”, minimizando a intensidade, até que seja “pouco demais”, a falta que exige o mais, no restabelecimento. Esse ciclo é o devir, e a cada momento se alternam nele os estilos tensivos da descendência e da ascendência. No primeiro, o sujeito é do sofrer, que, modulado pelo assomo do acontecimento, responde buscando sua resolução, seu apaziguamento. No segundo, o sujeito é do agir, que busca o sensível para preencher a vacuidade e atingir um clímax, um assomo.

A precipitação, no caso da descendência, e o alentecimento, no caso da ascendência, tornam os sujeitos da descendência - arrebatado pelo tumulto do acontecimento - e da ascendência como que alheios um ao outro. De um sujeito do estupor, não costumamos dizer familiarmente que é preciso esperar até que ele ‘volte a si’? Dessa maneira, a descendência e a ascendência apresentam-se como as duas esferas disjuntas da existência semiótica imediata: a vivência, ou seja, o vaivém incessante entre essas duas esferas, põe o sujeito à prova. (ZILBERBERG, 2011, p. 25)

Esses acréscimos de mais e de menos são, como diz o próprio autor, “o dinherinho trocado” que circula entre os discursos. Ele destaca: “ ​É preciso flagrar as condições nas quais uma direção tensiva, isto é, afetante, fragmenta-se em momentos distintos, interdefinidos, e contudo dependentes no que diz respeito à direção tomada” (ZILBERBERG, 2011, p. 49). Um movimento ascendente é um acréscimo de mais, um “mais mais”, e uma retirada de menos, um “menos menos”, de modo que os menos são substituídos por mais, tonificando o discurso. Já a descendência, em oposição, é um “mais menos”, que acompanha um “menos mais”,

atonizando-o. As etapas que constituem esses acréscimos e subtrações identificam momentos em que a tensividade progride ou muda de sentido, de modo que:

1) A atenuação incide sobre um ponto inicial em que o “mais” é freado em seu acréscimo, evoluindo para a minimização. Enquanto a primeira é um “cada vez menos mais”, a segunda é um “cada vez mais menos”. A atenuação marca a virada da descendência, que, na minimização, ganha fôlego;

2) Em um ponto inicial em que o menos passa a ser subtraído, tem-se o restabelecimento, um movimento ascendente inicial de “cada vez menos menos”. Essa inflexão muda o rumo, abre caminho para o recrudescimento, com seu “cada vez mais mais” (ZILBERBERG, 2011, p. 60).

Não é oportuno se alongar nessa sintaxe no momento, mas, vale a lembrança de que a representação gráfica desse esquema é uma função exponencial para apontar que o funcionamento dessas categorias prevê um limite para o acréscimo e a subtração de mais e de menos, que são justamente as valências nula e paroxística, também representáveis por demais e pouco demais.

O acréscimo de mais no recrudescimento encontra um momento em que o excesso de mais configura o “demais”, e o reconhecimento desse exagero já traz como objeto uma atenuação, uma resposta em que o sujeito afirma a suficiência de sua vivência. Um “basta!”, se falarmos de tonicidade, ou um “calma!” se tratarmos do andamento.

O que dizer exatamente da substituição do mais pelo demais? Se o mais pode ser atribuído ao restabelecimento e recrudescimento, o demais seria o significante que marcaria, na intensificação de uma vivência, a irrupção da primeira atenuação [...] O demais, representando um basta! Viria a interromper o curso ascendente dos mais que se sucedem, se concebermos a cadeia das vivências tensivas como sucessão orientada, sequenciada, rítimica, ora de mais, ora de menos. Na medida em que esse demais atualiza uma interrupção, ele toma ou ganha um valor de acontecimento. (ZILBERBERG, 2011, p. 114)

O mesmo se dá com o pouco demais. O acréscimo sucessivo do menos, dispersando a dimensão sensível, produz a afirmação de insuficiência do sujeito: o restabelecimento que resulta da minimização. “As qualidades excessivas nos são inimigas e não sensíveis: não mais as sentimos e sim as sofremos” (VALERY, 1954. p.1159 apud ZILBERBERG, 2011, p. 105). A reação do sujeito de afirmar a suficiência ou a insuficiência, no que diz respeito à tonicidade, ou de se antecipar ou reagir tardiamente, no que diz respeito ao andamento, une as categorias de sentidos diferentes em sequência. Depois de apresentar as categorias aspectuais e os movimentos de aumento e diminuição da intensidade no âmbito do sistema hjelmsleviano, Zilberberg afirma que, no processo, eles são objetos um do outro, que as oposições paradigmáticas se projetam no eixo sintagmático, de modo que a atenuação vem para abrandar o recrudescimento, para recusá-lo, assim como o restabelecimento faz com a minimização, pondo em sequência a ascendência e a descendência. Nessa cadeia em que os termos opostos se sucedem em sintagmas é que se dá a modulação do campo de presença do sujeito, sua percepção.

Os termos do paradigma básico vão se tornando alternadamente objetos uns para os outros. Assim, um aumento tem por objeto interno uma diminuição e de igual modo uma diminuição tem por objeto interno um aumento. Essa imbricação fornece à sintaxe intensiva razão e necessidade, marcando-a com a modalidade antecipadora do precaver [prevenir] e ou então com a modalidade reparadora do prover [subvenir], conforme o caso. Se a diminuição for provável, o sujeito tentará precaver-se contra ela; se ela já estiver em curso, o sujeito buscará absorver a falta que vai ganhando amplitude”. (ZILBERBERG, 2011. p.101)

Esse sujeito que se transforma ao longo do programa narrativo, assim como o sujeito que se constrói no nível da enunciação na relação enunciador-enunciatário, está constantemente reorganizando seu campo de presença, a partir das experiências sensíveis que se impõem (sobrevir) ou que são buscadas por ele (pervir), trocadas em miúdos em ascendências e descendências. Seu direcionamento na narrativa estabelece um programa a partir da manipulação do destinador, um percurso que só pode existir e se movimentar resolvendo conflitos que se apresentam em um contraprograma, materializados nas dificuldades impostas sobretudo pelo antissujeito. Quando o programa avança, impõem-se a lógica implicativa, da ordem do “se... então”. O que é esperado ocorre, e a extensidade predomina. Mas, quando surge o contraprograma, quando ele para o programa e até o vence, a lógica é a do “entretanto”, a de que algo era esperado, “só que”, diferentemente, se deu a concessão. Ela é mais intensa pela possibilidade de estabelecer o acontecimento, partindo do sobrevir, em que o sujeito sofre a sensação e a apreende retrospectivamente - a percebe e responde a ela quando já foi atingido.

De acordo com Zilberberg, essa alternância entre implicação e concessão é responsável, em grande medida, pela dinâmica dos discursos. Ao percorrer a lógica implicativa, o sujeito progride de acordo com os valores do destinador. Na falha da implicação, se impõe a concessão, e o sujeito é convocado a reagir à quebra nesse caminho esperado, reorganizando-o e reorganizando-se. A concessão, portanto, vem de um sobrevir que afeta o sujeito como parte de um discurso do ​acontecimento

, que se opõe ao discurso do ​exercício(implicativo), e modifica o

campo de presença, que se reconstrói nesse reposicionamento do sujeito sensível. Para projetar esse momento concessivo no texto e caracterizar essa ruptura no que era esperado pelo sujeito, o enunciador recorre a estratégias de aumento da tonicidade e do andamento, deslocando o devir com um aumento da intensidade, e impondo o assomo. Por outro lado, quando há o desenrolar da implicação, em que o sujeito está em um modo de eficiência do pervir, buscando ao invés de sofrendo o sensível, a extensidade predomina inicialmente, e as categorias aspectuais levam ao aumento gradual e esperado da jornada rumo ao clímax. Zilberberg (2007) identifica o que constitui o acontecimento e, correlatamente, as opções opostas que compõem o exercício.

Como se pode perceber, em nossa abordagem, o acontecimento é um sincretismo compreensível como interseção dos três modos seguintes: o sobrevir para o modo de eficiência; a apreensão para o modo de existência; a concessão para o modo de junção. [...] Se uma dada categoria, nesse caso o acontecimento,

se apresenta como uma integração de modos que por si mesmos são oferecidos em alternância, qual seria o correlato que corresponderia à integração do conseguir como modo de eficiência, da focalização como modo de existência, e enfim da implicação como modo de junção? (ZILBERBERG, 2007, p.14)

Antes de chegar a essa conclusão, o autor apresenta esses três modos, cada um baseado em uma oposição cujos lados tendem ao exercício ou ao acontecimento.

● O modo de eficiência, que opõe o sobrevir e o conseguir (pervir em ZILBERBERG, 2011), designa “a maneira pela qual uma grandeza se instala num campo de presença. Se esse processo for efetuado a pedido, segundo o desejo do sujeito, nesse caso teremos a modalidade do conseguir. Se a grandeza se instala sem nenhuma espera, denegando ex abrupto as antecipações da razão, os cálculos minuciosos do sujeito, teremos a modalidade do sobrevir

​ (ZILBERBERG, 2007, p. 18)”;

● Dependente do anterior, o modo de existência, que opõe como diretores a apreensão e a focalização, é explicado em “A palavra visée, que o dicionário Micro-Robert define nesses termos: “Ter em vista, esforçar-se para atingir (um resultado). Ele visava esse posto há muito tempo”, subentende o modo de eficiência do conseguir, em virtude do traço imanente/esforço. A focalização se inscreve como mediação entre a atualização e a realização. O caso da apreensão não deixa de se assemelhar ao da focalização, pois designa o estado do sujeito de estado “às voltas com” o sobrevir, em “admiração” cartesiana, em poucas palavras, o estado do sujeito inicialmente espantado, impressionado, depois, dali em diante, marcado pelo “que lhe aconteceu”, estado que corresponde à potencialização, à formação desse mistério: o sobrevir. Assim, a apreensão produz uma “boa” transição entre o sobrevir e a potencialização”

​ (Idem, p. 22)​.

● Dependente dos dois anteriores, o modo de junção, que opõe a implicação e a

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