• Nenhum resultado encontrado

3 ESTUDOS SOBRE A MODALIZAÇÃO DISCURSIVA

3.3 MODALIZAÇÃO, MODALIDADE E MODO: QUESTÕES CONCEITUAIS

Ao discorrermos sobre os conceitos de modalização, modalidade e modo, dois reconhecimentos iniciais parecem ser necessários. Primeiro, as referências da área de

      

29Neves (2011) ao discutir sobre a modalidade linguística cita Kiefer (1987), Givon (1984) entre outros autores; vale salientar que não nos preocupamos em buscar as discussões desses autores em suas respectivas obras, considerando que o que nos interessa aqui é o posicionamento que Neves vai assumir a respeito da modalidade linguística.

linguística geralmente trazem esses termos, embora com as devidas ressalvas, o que parece indicar que o uso de um deles convoca necessariamente os demais. Segundo, nem sempre encontramos um consenso entre os estudiosos quanto aos conceitos e delimitações desses termos. Com isso em vista e buscando um ponto de apoio, uma revisitação acerca dessas noções teóricas se faz necessária.

John Lyons (1977) é considerado um dos primeiros a tratar da questão da modalidade, ao fazer uma distinção conceitual entre modalidade e modo. Não é por acaso que seus estudos são considerados referências básicas sobre o assunto. Na visão de Lyons (1977), existe uma relação estreita entre esses termos. Ao mesmo tempo, ele percebe que a tais termos são atribuídas as mais diversas e contraditórias interpretações por linguistas e lógicos. E isso desde os mais antigos até os mais atuais trabalhos. Segundo o estudioso, a conceituação desses termos é algo complexo e tem suscitado muitas leituras ao longo da história.

Lyons (1977) comenta que o fato de a semântica linguística ter sido influenciada pela semântica lógica e aquela ter usado o termo “modo” no mesmo sentido da lógica é a razão e causa de confusão no uso desse termo. Para fugir dessa confusão, o autor demarca um sentido no qual emprega o termo, a saber, o mesmo sentido usado pela gramatica tradicional. Lyons (1977, p. 327) delimita o uso do termo modo da seguinte forma: “I am using it solely and consistently in the sense in which it is used in traditional grammar: i. e., with reference to such grammatical categories as ‘indicative’, ‘subjunctive’ and ‘imperative30’”. De forma mais específica, o autor utiliza o termo “modo” para fazer referência às categorias da gramática tradicional como subjuntivo, indicativo e imperativo.

Com relação à modalidade, esse mesmo autor comenta que, na lógica modal, a única modalidade reconhecida é a que tem a ver com as noções de necessidade e possibilidade relacionadas às noções de verdade ou falsidade das proposições: modalidade aletética ou alética. Esses dois termos (aletheutic e aléticas) vêm de uma palavra grega que quer dizer verdade. No entanto, alética é agora o termo mais conhecido e utilizado pelos estudiosos.

A modalidade e o modo em Lyons (1977) são considerados de forma imbricada. Ele aborda a modalidade como consequência da aplicação do modo. Esse autor comenta que os lógicos relacionavam a modalidade mais à necessidade do que à possibilidade. No caso, a necessidade era definida em termos de verdade em todos os mundos possíveis. Já a possibilidade era definida em termos de verdade em alguns universos possíveis. Voltaremos a tecer mais comentários sobre essa classificação bem como sobre outros tipos de modalidade

      

 Eu estou usando unicamente e de forma consistente no sentido em que é usado na gramática tradicional: i. e., com referência a tais categorias gramaticais como ‘indicativo’, ‘subjuntivo’ e ‘imperativo’. (Tradução nossa).

mais adiante, nas seções que se seguem. Por ora, objetivamos apenas sinalizar o tratamento dado ao termo modalidade em relação à modalização e modo.

Palmer (2001) conceitua modalidade como a gramaticalização das atitudes e opiniões (subjetivas) do falante e comenta que há duas propriedades com as quais a modalidade está relacionada, quais sejam, a subjetividade e a não factualidade. Para esse autor, a subjetividade é a característica essencial para definir a categoria modalidade, em outras palavras, essa categoria está preocupada com o estado das proposições que o evento comunicativo descreve.

Outra pesquisadora que também se debruça sobre a questão da “modalidade” é Ángela Di Tullio. Essa apresenta uma discussão sobre esse assunto a partir da análise da gramática do espanhol. Para iniciar a discussão, Di Tullio (2005) utiliza algumas orações para exemplificar o que ela chama de dictum e modus. Vejamos as orações:

1. Vas más despacio. (Vais mais devagar).

2. Irás más despacio (ahora). (Irás mais devagar agora). 3. Ve más despacio. (Vá mais devagar).

4. Si fueras más despacio! (Se você fosse mais devagar).

A partir dessas orações, Di Tullio (2005) mostra que todas têm a mesma estrutura léxico-sintática em comum e essa estrutura manifesta o mesmo conteúdo representativo, ou seja, o dictum. Segundo a autora, ao mesmo tempo, constata-se que as diferenças formais manifestam a atitude adotada pelo falante ante o dictum. Essas atitudes são: asseverar, conjecturar, exortar, expressar um desejo. No caso, a autora denomina de “modus”ou “modalidade” a atitude subjetiva do falante.

Um aspecto importante da “modalidade” mencionado pela estudiosa diz respeito ao caráter variável que a modalidade pode adquirir. A autora coloca a questão nos seguintes termos: “La modalidade puede tener alcance variable. Una oración caracterizada por determinada modalidade puede incluir algún segmento como domínio de outra; en una oración aseverativa aparece un fragmento dubitativo31” (DI TULLIO, 2005, p. 99). Conforme se constata nos dizeres da autora, é possível encontrar um enunciado com dois ou mais fragmentos que apontam modalidades diferentes, por exemplo, asseverativa e dubitativa.

Além disso, a “modalidade”, sendo de caráter complexo, inclui pelo menos dois componentes, quais sejam, a atitude adotada pelo locutor com relação ao dictum (declarativa,

      

 Uma oração caracterizada por determinada modalidade pode incluir algum segmento como domínio de outra; em uma oração asseverativa aparece um fragmento diferente. (tradução nossa).

dubitativa etc), e a indicação da presença do locutor como tal. Nessa última situação, temos marca da responsabilidade pela atitude. Pode ocorrer, no entanto, de esses dois componentes aparecerem funcionando associados em alguns casos, mas dissociados em outros. Vejamos duas ocorrências que ilustram os dois casos, respectivamente, citados por Di Tullio (2005):

Venus y Marte son planetas. (Venus e Marte são planetas).

Según Ana, Venus y Marte son estrellas. (Segundo Ana, Venus e Marte são estrelas). Conforme analisa Di Tullio (2005), o segundo enunciado apresenta uma asseveração Vênus e Marte são estrelas, mas o falante, ou seja aquele que emite o texto, não se responsabiliza por ele. Esse falante delega a responsabilidade a um outro, a Ana, indicando segundo Ana.

Além do mais, a autora mostra que a “modalidade” se expressa mediante traços formais como: entonação, o modo verbal, a presença de índices de atitude, a ordem dos constituintes. Cada um desses recursos apresenta de acordo com seus funcionamentos, distintas modalidades: a) intelectuais, que se relacionam com o conhecimento acerca dos fatos ou estados das coisas; b) volitivas; e c) afetivas. Conforme a autora em destaque, essas modalidades compreendem as outras classes: as intelectuais compreendem as asseverativas, as dubitativas e as interrogativas; as volitivas compreendem as exortativas e as desiderativas; as afetivas, por fim, compreendem as classes exclamativas.

Ainda sobre a questão da modalidade, convém citar os dizeres de Castilho e Castilho (2002, p. 201) que são importantes para a nossa investigação. Acerca dos termos modalidade e modalização, é dito que o primeiro ocorre quando “o falante apresenta o conteúdo proposicional numa forma assertiva (afirmativa ou negativa), interrogativa (polar ou não- polar) e jussiva (imperativa ou optativa)”. Já o segundo tem sido usado quando “o falante expressa seu relacionamento com o conteúdo proposicional”.

Essa distinção se aproxima bastante da apresentada por Cervoni (1989). Numa breve definição, esse último diz que em um enunciado é possível distinguir entre um dito – o conteúdo proposicional – e uma modalidade – um ponto de vista do sujeito falante sobre este conteúdo. Esse ponto de vista consiste em expressar uma avaliação sobre a forma escolhida para verbalizar o conteúdo da proposição.

Voltando aos dizeres de Castilho e Castilho (2002), eles reconhecem que a distinção entre modalidade e modalização não é tão simples. Segundo eles,

[...] de qualquer forma há sempre uma avaliação prévia do falante sobre o conteúdo da proposição que ele vai veicular, decorrendo daqui suas decisões sobre afirmar, negar, interrogar, ordenar, permitir, expressar a certeza ou a dúvida sobre esse conteúdo etc. Por isso, resolvemos não distinguir modalidade de modalização e, neste texto, esses termos serão empregados sinonimamente (CASTILHO; CASTILHO, 2002, p. 201).

Diante do exposto, a avaliação sobre o conteúdo é expressa também pela própria forma e escolha dos elementos linguísticos que compõem o conteúdo da proposição, em outras palavras, a avaliação reside na própria proposição. Diante disso, os autores assumem uma posição de não fazer distinção quanto ao uso dos termos, empregando-os, assim, sinonimamente.

Em outro momento, esses mesmos autores pontuam uma leve distinção no tratamento conceitual. Para eles, a modalização é um fenômeno da linguagem que expressa um julgamento do falante sobre o conteúdo proporcional. Afirmam ainda esses autores que os elementos linguísticos que materializam a modalização são denominados de modalizadores. Esses elementos são agrupados, conforme esses estudiosos, em três tipos de modalização: Epistêmica, Deôntica, e Afetiva. (Esses tipos de modalização serão discutidos com mais detalhes em outro tópico).

Observamos nessa sutil distinção que Castilho e Castilho (2002) e Nascimento (2005) assumem uma postura que nos parece bastante cautelosa e adequada: eles empregam os termos modalidade e modalização sinonimamente. Assim, adotamos esse mesmo posicionamento, ou seja, utilizaremos em nossas análises esses termos de forma equivalente.

Reconhecidamente, delimitar e conceituar modalização/modalidade não é uma tarefa fácil. Neves (2011) percebeu com perspicácia que conceituar modalidade é o primeiro problema a ser enfrentado pelo pesquisador que se debruça sobre esse assunto. A categoria modalidade, segundo a autora, não apresenta uma natureza absolutamente pacífica.

Essa mesma pesquisadora chega a questionar a existência de enunciados não- modalizados, considerando que os enunciados modalizados apresentam alguns aspectos característicos como a presença de marcas, de termos que configuram uma modalização. Essa autora, ao colocar a essência da modalidade na relação entre locutor, enunciado e realidade objetiva, apresenta a possibilidade de não existirem enunciados não-modalizados. Assim, assevera que, na concepção comunicativo-pragmático, “[...] a modalidade pode ser considerada uma categoria automática, já que não se concebe que o falante deixe de marcar de

algum modo o seu enunciado em termos de verdade do fato expresso, bem como que deixe de imprimir nele certo grau de certeza sobre essa marca”. (NEVES, 2011, p. 152).

Argumentando em favor do entendimento de que todo enunciado apresenta uma marca de avaliação por parte do locutor, Neves (2011) faz uma reflexão a esse respeito, com base em Bellert (1971), e, postula que, em cada enunciado, necessariamente, se atribui uma atitude modal. Essa postura em reconhecer a natureza do enunciado não tem, conforme a autora, recebido o tratamento merecido por parte da tradição linguística, tendo em vista que essa não tem tratado o enunciado como apresentando essencialmente uma atitude modal. Ao discorrer sobre os modalizadores que marcam a modalização, a autora nos diz que eles se apresentam por uma diversidade de formas, ou seja, as diversas línguas apresentam diferentes recursos que marcam a modalização.

Na sequência, Neves (2011) mostra como a modalidade foi tratada inicialmente pela lógica antiga a partir dos conceitos de “possível”, de “real” e de “necessário”. Tais conceitos são, portanto, concebidos inicialmente como modalidades, sendo que a tendência é perceber o real como uma espécie de modalidade zero. Para ilustrar esse entendimento, Neves (2011, p. 152) utiliza os seguintes casos:

Falso foi meu sonho. Aparece como menos modal do que

É possível que falso tenha sido o meu sonho. (ML) E menos ainda que

É necessário que falso tenha sido o meu sonho. Por outro lado, simples afirmação de um fato como ocorre em

No próximo correio ele virá. (ARR)

é sentida como menos modal do que a afirmação de uma obrigação, como  No próximo correio ele deverá vir.

ou de uma crença, como

Acho que no próximo correio ele virá.

Esses exemplos ilustram a concepção oriunda da lógica antiga de que existe entre os enunciados acima uma tendência para mais ou para menos em termos de modalidade e que quanto mais próximo do real menos modalidade temos, ou seja, o enunciado se aproxima da

modalidade zero. Os enunciados exemplificados acima também mostram como a modalidade é marcada por meio de termos como possível, necessário e acho.

Além disso, como bem sintetizou Neves (2011), ao defender a modalidade em termos opositivos, ou melhor, ao advogar a existência de enunciados não-modais, e com base em Ducrot (1993), a autora recupera a oposição estabelecida no pensamento ocidental entre objetivo e subjetivo, entre a simples “descrição das coisas e a tomada de posição em relação a essas coisas, ou em relação à própria descrição dada, já que há a tendência de pensar que, se a descrição é correta, ela está em conformidade com as coisas, e que as coisas são o que se diz delas.” (NEVES, 2011, p. 153).

Com isso, a autora comenta que Ducrot reconhece a existência da não-modalidade em enunciados que apenas descrevem as coisas, fornecendo informações dessas coisas de forma objetiva. Já a modalidade se efetivaria quando o enunciado expressa uma tomada de posição sobre tais coisas. Neves (2011, p. 153) discute o posicionamento de Ducrot da seguinte forma: “Afinal, fica posto que, na noção de modalidade, se possa separar, ao menos teoricamente, o objetivo e o subjetivo, e, desse modo, que haja uma parte isolável da significação que seja pura descrição da realidade”.

Ao procurar delimitar a identidade recente da modalidade no âmbito da linguística e em comparação com a perspectiva da lógica antiga, Neves (2011) mostra que, enquanto na lógica tradicional a modalidade proposicional se define a partir das relações de verdade que se estabelecem entre as proposições em si e algum universo de realização e que “ficam estabelecidas as subcategorias ‘verdadeiro’ e ‘falso’”, na Linguística assume-se uma postura diferente, pois esta considera o contrato comunicativo estabelecido entre os interlocutores, uma vez que é a partir desse contrato que surge o conteúdo proposicional em si. Nesse âmbito, ressalta a importância de aspectos como a pressuposição e o conhecimento compartilhado pelos interlocutores do ato comunicativo.

Retomando conclusões advindas dos estudos de Givón (1984), Neves (2011) nos diz que a relação entre a investigação linguística e as bases lógicas é indissociável, mas a investigação linguística se define em função da inserção das modalidades linguísticas em um evento comunicativo. É nesse evento que as proposições se compõem, ou seja, a modalização é um “elemento dentro das relações entre falante e ouvinte, suas intenções comunicativas e suas reconstruções de intenções” (NEVES, 2011, p. 158). De significativa importância é a redefinição das modalidades proposicionais postulada pela autora:

Reconstruídas como parâmetros comunicativos, as modalidades proposicionais, tanto da tradição antiga (por exemplo, a necessidade) como da mais recente (por exemplo, a pressuposição) se redefinem, substituindo-se a verdade e a falsidade das proposições pelas atitudes, crenças e expectativas dos participantes da comunicação, considerados os enunciados reais como atos de fala que contêm proposições (NEVES, 2011, p. 158).

A partir dessas considerações, percebemos uma redefinição no que diz respeito ao tratamento das proposições no âmbito da Linguística. Desse modo, a autora postula uma substituição dos valores verdade e falsidade das proposições pelas atitudes, crenças, expectativas dos falantes da comunicação, ou seja, a análise das proposições é feita considerando os atos de fala, a situação comunicativa e os participantes envolvidos.

Cabe citar, ainda, os estudos de Koch (2010; 2011) sobre a modalização como mecanismo marcador da argumentação na língua, numa perspectiva linguística. Essa autora assume uma postura que vai além do exame puramente sintático e/ou semântico, ou seja, ela analisa a questão do ponto de vista da pragmática linguística.

Nessa concepção, uma análise de caráter linguístico considera a interação entre interlocutores, tendo em vista que o processo interacional é perpassado por ações, desejos, intenções, ou melhor, sempre estamos querendo persuadir o outro, sendo necessário atuar sobre ele por meio da linguagem. Nesse jogo com a linguagem, “procuramos dotar nossos enunciados de determinada força argumentativa” (KOCH, 2010, p. 29).

Desse modo, para produzir enunciados com tal força argumentativa os falantes mobilizam os modalizadores. Nessa mesma perspectiva, Koch (2011) entende a modalização como fenômeno pelo qual o falante revela sua atitude perante o enunciado que produz. Além disso, segundo esta autora, as modalidades são motivadas pelo contexto situacional.

Para Koch (2010, p. 29, grifo da autora), os mecanismos linguísticos que marcam a argumentação na língua, mais precisamente os modalizadores, “têm a função de determinar o modo como aquilo que se diz é dito”. Essa mesma autora salienta o fato de que a própria organização estrutural do discurso é projetada a partir das relações de modalidade. É dessas relações que se depreende a importância pragmática dos modalizadores. Numa análise de texto, e, portanto numa concepção linguística da modalização, é fundamental conhecer as leis que presidem e estabelecem as relações entre conceitos.

Um aspecto relevante, elencado por Koch (2011) em outro texto, diz respeito, primeiro, às diversas possibilidades de lexicalização de uma mesma modalidade e, segundo, à possibilidade da ocorrência de diferentes modalidades veiculadas por meio de um mesmo

item lexical. Vejamos exemplos citados por Koch (2011, p. 71) e interpretados por Nascimento e Silva (2012):

Diversas possibilidades de lexicalização de uma mesma modalidade: (1) É possível que o dólar caia esta semana.

(2) O dólar pode cair esta semana.

(3) Provavelmente o dólar cairá esta semana.

Observa-se nos enunciados acima que o locutor legitima espaço para registrar sua opinião; para obter mais credibilidade, o locutor situa seu enunciado no campo gradual do possível, logo, como uma hipótese a ser confirmada. Nesses exemplos a possibilidade epistêmica se materializa linguisticamente pelos modalizadores: possível, pode e provavelmente; trata-se, portanto, de uma modalidade epistêmica quase-asseverativa.

Diferentes modalidades veiculadas por meio de um mesmo item lexical: (4) Paulo pode levantar este embrulho sem esforço.

(5) Paulo pode ir ao cinema hoje, eu lhe dei minha permissão. (6) Cuidado, esta jarra pode cair.

É possível observar que o verbo poder no exemplo 4 é utilizado como um modalizador epistêmico habilitativo, porque o falante revela ter conhecimento da capacidade de Paulo levantar este embrulho sem esforço. Em 5, o verbo poder expressa uma permissão para que o conteúdo do enunciado ocorra. Portanto, aqui o item lexical funciona como modalizador deôntico de possibilidade. No exemplo 6, o verbo poder se apresenta como um modalizador quase-asseverativo, pois nesse caso o conteúdo do enunciado é apresentado como uma possibilidade de natureza epistêmica “esta jarra pode cair” = é possível (ou provável) que essa jarra caia.

O fato de um mesmo item lexical expressar diferentes modalidades encontra resposta no próprio uso da linguagem, no processo comunicativo. Desse modo, para identificar o tipo de modalidade, é preciso proceder a uma análise semântico-discursiva do item em questão. Cabe dizer que, conforme registra Koch (2011), as modalidades são partes da atividade ilocucionária, pelo fato de que estas refletem a atitude do falante perante o enunciado que produz.

Ao lançar mão de modalidades, portanto, o locutor marca um posicionamento em relação ao enunciado. Segundo Koch (2011), a partir dos modalizadores, o locutor se coloca com relação ao enunciado que produz. O locutor marca “seu maior ou menor grau de engajamento com relação ao que é dito, determinando o grau de tensão que se estabelece entre os interlocutores”, explica Koch (2011, p. 85).

Essa mesma autora ainda acrescenta que o ato de o locutor mobilizar modalizadores, estabelecendo tensão entre os interlocutores,

[...] possibilita-lhe, também deixar claro os tipos de atos que deseja realizar e fornecer ao interlocutor ‘pistas’ quanto às intenções; permite, ainda, introduzir modalizações produzidas por outras ‘vozes’ incorporadas ao seu discurso, isto é, oriundas de enunciadores diferentes, torna possível, enfim, a construção de um ‘retrato’ do evento histórico que é a produção do enunciado. (KOCH, 2011, p. 85).

Conforme se percebe nessas reflexões, a presença de modalizadores no discurso promove determinados sentidos, servindo, ainda, para estabelecer a interação entre os interlocutores. Tais modalizadores estão ligados aos eventos de produção do enunciado e funcionam, como já dito, para indicar intenções, sentimentos e atitudes do locutor com relação ao discurso.

Ressaltamos que, em estudos mais recentes, Nascimento (2010) assinala que a modalização é uma ação de linguagem que realizamos e que essas ações estão sempre permeadas por intenções e argumentatividade. Dessa forma, a modalização se apresenta como uma “teoria que explica como o locutor deixa registrado, no seu discurso, marcas de sua subjetividade através de elementos linguísticos e, portanto, imprime o modo como esse discurso deve ser lido” (NASCIMENTO, 2010, p. 37).

Feito esse apanhado sobre a noção de modalização/modalidade/modo, convém dizer que, no âmbito da perspectiva teórica aqui adotada, é consenso o fato de que a modalização compreende um fenômeno da linguagem em que o locutor expressa um posicionamento sobre o conteúdo do enunciado (o dito) ou sobre a forma como o locutor se posiciona frente ao dito