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3 ESTUDOS SOBRE A MODALIZAÇÃO DISCURSIVA

3.4 TIPOS E GRAUS DE MODALIDADE

3.4.5 O Fenômeno da Coocorrência de Modalização

Em estudo desenvolvido por Castilho e Castilho (2002) sobre os advérbios modalizadores, o fenômeno da coocorrência de modalizadores é citado pelos respectivos autores. Ao analisar os advérbios realmente, obrigatoriamente e praticamente, estes autores constataram em suas análises que a modalização deôntica pode coocorrer com a modalização epistêmica asseverativa. Nas palavras desses estudiosos, “os modalizadores asseverativos funcionam como ‘modalizadores curinga’, incompatibilizando-se apenas com os modalizadores quase-asseverativos e com os modalizadores de avaliação afetiva” (CASTILHO; CASTILHO 2002, p. 204).

Nessa mesma perspectiva, Neves (2011, p. 175), ao aprofundar seus estudos a respeito dos modos de expressão da modalidade no eixo da conduta (deônticos), apresenta uma contribuição a respeito do fenômeno da coocorrência. Ela afirma que “a modalização deôntica é propícia à coocorrência de mais de uma marca modal, um verbo modal e um advérbio modalizador”. Para ilustrar esse fenômeno, a autora usa os seguintes exemplos:

Se toda uma cidade busca esses mesmos criminosos, por outras ações cometidas, isso

tem que necessariamente ficar em segundo plano.

O candidato à bolsa de estudos precisa necessariamente estar desenvolvendo uma tese que tenha relação com o Canadá.

Para a autora, quando a modalidade deôntica coocorre com a epistêmica, elas não têm o mesmo âmbito de incidência, mesmo que estejam ambas alojadas numa mesma camada da constituição do enunciado. Assevera ainda que “a expressão da modalidade epistêmica pode afetar a expressão modal deôntica, enquanto a relação inversa é impossível” (NEVES, 2011, p. 175).

O fenômeno da coocorrência de modalizadores também é desenvolvido nas investigações de Nascimento (2010) e Nascimento e Silva (2012). O primeiro observa que a coocorrência da modalização deôntica com outros modalizadores permite que se estabeleçam graus na natureza deôntica dos enunciados, bem como demonstra como se obtêm diferentes efeitos de sentido no enunciado. Para o autor, trata-se de uma estratégia semântico- argumentativa e pragmática que permite ao locutor não só imprimir pontos de vista mas indicar para seu interlocutor como quer que seu enunciado seja lido ou ainda dizer como o interlocutor deve portar-se diante da enunciação.

Em pesquisas mais recentes, Nascimento e Silva (2012, p. 94) asseveram que na “Língua Portuguesa, é possível a combinação de mais de um tipo de modalizador, em um mesmo enunciado, gerando efeitos de sentido diferentes”. Estes estudiosos fazem uso dos exemplos abaixo para explicar como se dá esse fenômeno.

(23) Realmente é proibido entrar na sala depois das 10. (24) Com certeza você precisa ler esse livro.

Conforme análise desenvolvida por estes estudiosos, os enunciados em destaque apresentam o fenômeno da coocorrência manifestado pelos modalizadores deônticos “é proibido” e “precisa” coocorrendo com os modalizadores epistêmicos asseverativos “realmente” e “com certeza”. Para esses autores, o efeito de sentido que se gera nesses enunciados, a partir da coocorrência, é a acentuação do caráter de proibição expressa pelo modalizador “é proibido” e do caráter de obrigatoriedade expresso pelo modalizador “precisa”.

Assim, no entendimento dos respectivos autores, o fenômeno da coocorrência de modalizadores nos faz refletir sobre a própria natureza da linguagem. Dessa forma, “o falante tem ciência de que a língua é dinâmica e lhe permite diferentes combinações e possibilidade de uso e, por essa razão, permite-se jogar com os recursos que a língua lhe oferece, enquanto a usa, a fim de atingir as mais diferentes intenções” (NASCIMENTO; SILVA, 2012, p. 99).

Por fim, com o propósito de abordar a modalização como um fenômeno que vai do enunciado ao texto e ultrapassa as fronteiras da proposição para o discurso como um todo, Nascimento e Silva (2012) propõem um resumo a partir de reflexões de diferentes estudiosos e classificam os tipos e subtipos de modalizadores numa perspectiva semântico-argumentativa e pragmática. Tal classificação será ilustrada no quadro 04 a seguir.

Quadro 04 Tipos e subtipos de modalização

Tipos de Modalização Subtipos Efeito de sentido no enunciado ou enunciação

Epistêmica – expressa avaliação sobre o caráter

de verdade ou

conhecimento.

Asseverativa Apresenta o conteúdo como algo certo ou

verdadeiro.

Quase-asseverativo Apresenta o conteúdo como algo quase certo ou verdadeiro.

Habilitativa Expressa a capacidade de algo ou alguém

realizar o conteúdo do enunciado. Deôntica – expressa

avaliação sobre o caráter facultativo, proibitivo,

volitivo ou de

obrigatoriedade.

Obrigatoriedade Apresenta o conteúdo como algo obrigatório e

que precisa acontecer.

Proibição Expressa o conteúdo como algo proibido, que

não pode acontecer.

Possibilidade Expressa o conteúdo como algo facultativo ou

dá a permissão para que algo aconteça.

Volitiva Expressa um desejo ou vontade de que algo

ocorra. Avaliativa – expressa

avaliação ou ponto de vista.

– Expressa uma avaliação ou ponto de vista

sobre o conteúdo, excetuando-se qualquer caráter deôntico ou epistêmico.

Delimitadora – Determina os limites sobre os quais se deve

considerar o conteúdo do enunciado. Nascimento e Silva (2012, p. 93).

Ao refletirem sobre a classificação apresentada no quadro 04, estes autores comentam que a modalização é um ato de fala particular que permite ao locutor, além de deixar marcas de suas intenções, agir em função do seu interlocutor. Nessa perspectiva, o grau de engajamento do locutor com seu enunciado vai depender do tipo de modalidade por ele escolhida.

Após revisitarmos os diferentes enfoques teóricos da modalização, que ora confrontam, ora concordam em diferentes pontos de vista, tais como o semântico de Lyons (1977), o semântico-discursivo de Castilho e Castilho (2002), o linguístico-discursivo de Neves (2011), o pragmático de Koch (2010, 2011) e o semântico-argumentativo e pragmático de Nascimento e Silva (2012), entre outros, percebe-se que tais enfoques se complementam mutuamente e fornecem perspectivas de análises diversificadas que, por sua vez, proporcionam uma variedade de possibilidades de investigação.

Pelas reflexões feitas neste capítulo, fica claro que a argumentatividade se faz estabelecer por meio dos diferentes recursos de que o locutor pode dispor na organização do seu discurso. Conforme já mencionado ao longo dessa discussão teórica e nos apoiando nos autores aqui citados, principalmente nos postulados de Nascimento (2005; 2009; 2010) e Nascimento e Silva (2012), a modalização é um desses recursos: trata-se, portanto, de “uma das estratégias argumentativas que se materializa linguisticamente e que se constitui em um ato de fala particular” (NASCIMENTO, 2009, p. 1369).

Com base nas discussões acerca do fenômeno da modalização aqui apresentadas, podemos asseverar que uma análise dos recursos linguísticos marcadores de argumentação precisa sempre levar em conta o contexto de uso da língua, os sujeitos envolvidos no processo comunicacional e, não menos importante, o gênero discursivo analisado. Essas variantes, sem dúvida, influenciam no que diz respeito às ocorrências e às funções dos mecanismos modalizadores e, consequentemente, influem na construção da argumentação do discurso.

Assim, o ponto de vista em que se baseiam as nossas análises é o semântico- argumentativo e pragmático, perspectiva adotada por Nascimento e Silva (2012). Vale ressaltar, entretanto, que alguns dos elementos linguísticos presentes em nosso corpus não fazem parte da estrutura canônica da modalidade e, por conseguinte, pertencem à modalidade impura. Portanto, analisamos, no nosso corpus, tanto elementos e fenômenos linguísticos que se inserem no grupo denominado de “núcleo duro”, uma vez que são “tipicamente modais, a exemplo dos auxiliares de modo poder e dever, como também elementos e fenômenos pertencentes ao grupo denominado “modalidade impura”, ou seja,

“parcialmente modais”, na terminologia de Cervoni (1989), a exemplo dos adjetivos avaliativos e da entonação de ênfase.

Dito isso, passamos para os aspectos metodológicos, seguido pela análise do corpus. Ressaltamos que adotamos a classificação proposta por Nascimento e Silva (2012), ilustrada no quadro 04 apresentado anteriormente, como modelo para discorrermos sobre os modalizadores identificados na nossa pesquisa empírica.