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3. Um olhar retrospetivo e analítico sobre os conselhos de turma

3.1.2. Modelo autogestionário

Este é um período caracterizado por intensa instabilidade política e social e marcado por um caráter autogestionário ao nível da gestão e administração de escolas, uma vez que

60 O articulado do despacho apela ao princípio da coordenação do ensino e da ação educativa, assim como à colaboração entre os

diversos atores educativos, na implementação das práticas educativas decretadas. Não podemos esquecer que a consecução de tal desiderato implicava a existência de professores preparados e horários e instalações escolares adequadas o que talvez, na época, não acontecesse (Ferreira, 2003).

61 A autoridade concentrava-se numa pessoa só: um reitor ou um diretor nomeado pelo ministério da educação, ou seja, toda a

estrutura hierárquica formal é legitimada pela tutela.

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O aumento da escolaridade obrigatória em Portugal seguiu o que estava a acontecer na maioria dos países da Europa. Este aumento foi imposto pelas profundas mudanças da economia, e a rápida mutação das tecnologias e profissões que exigiu um número crescente de trabalhadores com melhores qualificações para as acompanhar (Gomes, 1982).

administração central não exerce qualquer controlo sobre a instituição escolar (os meca- nismos legais sobre esta matéria eram ineficazes ou mesmo inexistentes).

Perante a influência de um processo de transformação anárquico e sem meios para o controlar, as autoridades governamentais decidem legalizar (Lima, 2002) a tomada de poder pelas assembleias-gerais e/ou comissões de gestão, através da publicação do decreto-lei n.º 221/74, de 27 de maio.

O preâmbulo do supracitado decreto-lei parece vir ao encontro das reflexões anteriores,

(…) considerando a necessidade urgente de apoiar as iniciativas democráticas tendentes ao estabelecimento de órgãos de gestão que sejam verdadeiramente representativas de toda a comunidade e sem prejuízo de outras medidas que venham a ser tomadas para regularizar a vida académica nos diversos níveis de ensino. (Diário da República de 27 de maio de 1974 – Série I: 659).

São diversos os autores que defendem que o estado pretendeu restaurar o seu controlo nas escolas a partir de uma estratégia de formalização normativa (Lima, 2002). No entanto, e de acordo com Barroso (2003), muitas escolas ignoram-na e insistiram em manter as assembleias e/ou comissões como verdadeiro centro de poder.

No ano de 1974 é publicado o decreto-lei n.º 735-A/74, de 21 de dezembro, que preten- dia, através de normas precisas, enfraquecer e reduzir o poder das assembleias de esco- la, assim como instituir uma nova estrutura organizacional assente em comissões eleitas que se concretizaram nos conselhos diretivos, administrativo e pedagógico.

Para Formosinho e Machado (2000: 34), com este decreto pretendeu-se criar as “indis- pensáveis condições de eficácia no funcionamento das escolas”, através da regulação dos novos órgãos de gestão que se consubstanciavam nos conselhos diretivo, pedagógi- co e administrativo, isto é, assistiu-se a uma “tentativa de normalização democrática” que consideram não ter tido acolhimento devido ao seu caráter prematuro relativamente à conjetura social de então.

A mesma visão é partilhada por Barroso (2003) ao afirmar que, tal como aconteceu antes, a aplicação deste decreto não foi alcançada em todas as escolas e o cariz autoges- tionário prevaleceu até ao ano de 1976.

Este período é designado por diversos investigadores como de gestão democrática (Afonso & Viseu, 2001). Formosinho (2003) descreve esta gestão democrática numa dupla asserção: por um lado, como uma conquista dos professores face ao poder central, por outro, como ausência de controlo próximo (laissez-faire ou permissiva), o que pos- sibilitou que se estabelecessem comportamentos que, sendo tolerados, talvez não fos-

sem considerados aceitáveis.

Lima (2009) apresenta este período como um tempo onde se observam práticas de democracia direta, de deliberações compartilhadas pelo coletivo escolar e implementa- das pelas comissões de gestão, por outras palavras, um tempo onde o exercício da auto- nomia (juridicamente não consagrada) se traduz no deixar à solta práticas democráticas, colegiais e participativas.

Foi, ainda, um tempo em que no país e nas escolas as modificações se sucedem e com implicações a diversos níveis e aspetos, uma vez que a escola, subsistema de todo o sistema social, não pode escapar aos efeitos desta situação e da definição de valores educacionais que a dirigem mais para a transformação social e cultural do que para a transmissão de conhecimentos.

De acordo com Lima (1986), subentende-se que, durante o período pós 25 de abril de 1974 e até 1976, vigoraram as normas sobre a organização e funcionamento de conse- lhos de turma contidas no decreto n.º 48: 572, de 9 de setembro de 1968, embora no artigo 36.º do decreto-lei n.º 735-A/74, de 21 de dezembro, se suprimam os conselhos escolares e os conselhos escolares e disciplinares dos estabelecimentos de ensino ofi- ciais (ciclos preparatório e secundário). Assim, do ponto de vista formal, os conselhos de turma continuaram a reger-se pela legislação anterior ao 25 de abril de 1974, o que pode significar a pouca importância estratégica desta estrutura, ou que as preocupações de natureza política se sobrepunham às de natureza pedagógica (Modesto, 2009).

No entanto, e de acordo com Ferreira (2003), podemos verificar que algumas das trans- formações deram origem a retrocessos significativos nas formas de trabalhar dos profes- sores na escola (e conselho de turma: possibilidade do trabalho individual prevalecer). O mesmo investigador sustenta que a definição dos grupos disciplinares, em conse- quência da reorganização de cursos universitários, conduziu a uma compartimentação dos saberes disciplinares (potenciadora de fragmentação e hierarquização) nas escolas, que associado ao comodismo dos professores se traduziu no constrangimento do traba- lho interdisciplinar (com as consequentes repercussões no trabalho em sala de aula). Por outro lado, o modelo de avaliação dos alunos, nos conjuntos letivos, ao não apresentar como base a interdependência, é uma abertura ao isolamento dos professores.