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O problema central que procurámos explorar neste estudo foi Que conceptualizações e práticas desenvolvem os professores no seio dos conselhos de turma?

Inicialmente, a organização do estudo apresentou como objetivo central a construção de uma tipologia de conceptualizações e práticas de funcionamento de conselhos de turma, no quadro configuracional de algumas organizações escolares públicas do ensino não superior (escolas agrupadas e não agrupadas). Estas escolas foram selecionadas de acor- do com os critérios considerados adequados à natureza da investigação e ainda em fun- ção da sua disponibilidade para participar no estudo. Partimos do princípio que a escola é diferente de outras organizações, mas também que cada escola é diferente da outra (Lima, 2000, 1997), e que em cada escola a variabilidade local é a regra e a uniformida- de a exceção (McLaughlin, 1991)16. Por outro lado, que a história e as especificidades de cada escola concorrem para a formação das suas culturas (organizacional e profissio- nal), que se traduzem em diversas manifestações simbólicas, tais como: valores e sabe- res profissionais, normas, crenças e artefactos e ainda, pela linguagem, heróis, rituais e cerimónias (Handy & Aitken, 1986; Meyer & Rowan, 1978; Weick, 1976).

Considerávamos que a elaboração de tipologias, a partir de investigação qualitativa fundamentada (enraizada) em dados, podia resultar na elaboração de instrumentos úteis

16 Consideramos a possibilidade de a mesma política para a organização e funcionamento de conselhos de turma poder ser imple-

mentada de maneira diferente em cada escola, e em cada conselho de turma, devido à variabilidade das influências do contexto (interno e externo à escola) e das respostas organizacionais específicas que lhe são dadas. Previsivelmente, também as conceções e as práticas pedagógicas utilizadas irão divergir de conselho de turma para conselho de turma e de escola para escola.

para identificar constrangimentos e potencialidades nas práticas de funcionamento dos conselhos de turmas e, consequentemente, para determinar processos de reflexão com vista à intervenção e melhoria17.

Uma tipologia é uma forma de classificar algo a partir de um conjunto estruturado de características semelhantes que o tornam distinto de outro algo (…). A sua utilidade pode resumir-se ao seguinte: a de possibilitar fazer generalizações de natureza teórica a partir de um conjunto de organizações, a de contribuir para explicar as diferenças entre organizações, a de possibilitar avaliar o grau de congruência entre vários elementos de um fenómeno (Neves, 2000: 84).

As primeiras incursões no terreno mostraram, porém, que a criação da tipologia poderia limitar a investigação, na medida em que não era a identificação de semelhanças e dife- renças de funcionamento de conselhos de turmas que nos inquietava. Por isso, afigurou- se-nos mais adequado a construção de um modelo teórico global que, por um lado, inte- grasse as conceptualizações e práticas que os professores desenvolvem nos conselhos de turma (podendo servir, posteriormente, de base à elaboração de tipologias) e, por outro, pudesse ser apreciado mais pela sua natureza heurística do que pelo seu valor preditivo. Partindo destes propósitos, e de acordo com a literatura, considerámos que a Grounded Theory se apresenta como uma forma poderosa de apreender o mundo em que se vive (e o mundo dos conselhos de turma) e um método que permite desenvolver teorias para o compreender18 (Charmaz, 2008, 2006a). Esta abordagem metodológica é diferente das utilizadas normalmente neste tipo de estudos e, por isso, o caminho a percorrer também o será, ou seja, não existe um caminho a priori. Isso não significa, no entanto, a ausên- cia de referenciais, mas antes salvaguardar a oportunidade de fazer um caminho (cami- nhando) a partir de um objeto de estudo e objetivo geral informados (mas não acaba- dos), e da possibilidade de construir um conjunto de questões orientadoras pertinentes, com abertura total para acolher outras respostas oriundas da realidade social interpelada. O processo inicia-se com a identificação de um problema ou situação que o investigador pretende explorar, procurando compreender o que ali se passa e como os participantes lidam com essa situação, e assenta em três princípios centrais que são o significado, a linguagem e o pensamento, que deram origem às três premissas fundamentais da teoria:

17 Para Chorão (1992) as tipologias podem constituir uma excelente metodologia para identificar e compreender características

essenciais de uma organização e analisar a sua ligação com o funcionamento do todo.

18 Para os defensores da Grounded Theory uma abordagem que se centra nos significados, definições e interpretações construídos

pelos sujeitos de um estudo é mais poderosa, na apreensão dos seus mundos e prioridades, do que os métodos que iniciam a investigação estabelecendo como são esses mundos e quais os seus significados (Mullen & Reynolds, 1978): as abordagens metodo- lógicas a posteriori são mais adequadas do que as a priori.

i) os seres humanos agem em relação às coisas com base no significado que elas têm para eles; ii) os significados resultam da interação entre indivíduos; e iii) o processo interpretativo tem como base o caráter interativo (sujeitos-contexto social) e um certo equilíbrio entre objetividade e sensibilidade no processo de análise (Lopes, 2006). Nesta metodologia, o investigador inicia a sua indagação com questões muito gerais e não com hipóteses pré-definidas, uma vez que o problema de investigação emergirá com maior clareza a partir dos dados, sendo, portanto, definido (ou pelo menos redefi- nido) pelos sujeitos de acordo com a situação em que estes se encontram envolvidos e que é objeto de investigação. As entrevistas constituem com frequência a fonte principal de dados a partir da qual a teoria será construída, no entanto, outras fontes, como a observação, a análise documental ou uma combinação de várias, podem ser utilizadas. A literatura indicia que a Grounded Theory se mostra bastante adequada para estudar o comportamento humano e as culturas organizacionais (Goulding, 2005), espaços onde a investigação que pretendemos efetuar se situa, ou seja, o funcionamento dos conselhos de turma, enquanto estruturas organizacionais de gestão educativa e pedagógica inter- média, criadoras de dinâmicas interpessoais e de importância estratégica nas aprendiza- gens dos alunos, funcionamento que é quase desconhecido.

Para terminar, não podemos deixar de salientar que a investigação em educação é, por natureza, um instrumento e um campo para a ação: a construção e transferência de conhecimentos (e dos resultados) deverão ser traduzíveis em ações práticas de melhoria do serviço oferecido pelas escolas. Por isso, integramos o nosso estudo num quadro investigativo que pretende ir para além do nível da continuação de linhas de investiga- ção já existentes (adição de novos dados, reforço de orientações e consolidação de para- digmas) e situá-lo num quadro de rotura com “abordagens tradicionais dos problemas” no sentido de “definir novas linhas de investigação” (Martins, 2010: 23).