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ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 2 CARREIRA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

2.2. Modelo construtivista em Mark Savickas

O modelo de Savickas (2005, 2009), fundamentado nas abordagens construtivis- tas, insere-se numa perspectiva que explica ao indivíduo a possibilidade de lidar, ao mesmo tempo, com um conjunto de actividades a nível pessoal, profissional e familiar ao longo da vida. Na perspectiva construtivista,a noção de percurso profissional enfati- za uma noção de movimento que atribui significados a memórias do passado, a expe- riência do presente e a aspirações para o futuro, que colocadas em conjunto, constituem o tema de vida (Duarte, 2009).

A complexidade e a instabilidade dos desafios que o indivíduo é obrigado a assumir, a par dos diferentes papéis que este irá exercer e gerir ao longo da sua carreira numa sociedade que se encontra em transformação contínua a vários níveis, mais espe- cificamente, ao nível do trabalho e das profissões, requer uma disponibilidade diferente e abertura para enfrentar com sucesso as demandas dessa nova realidade. A incerteza e insegurança que se vive na sociedade actual obrigam a uma reformulação das aborda-

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gens teóricas que se desenvolveram no âmbito de outro modelo de sociedade, até ao final do século XX (Savickas, 2005).

Até há pouco tempo a sociedade proporcionava alguma estabilidade ao nível da actividade profissional: a entrada numa profissão e numa organização caracterizava-se pela possibilidade de ascensão (Super, 1980). Consequentemente, onde a previsão das transições na carreira, as escolhas vocacionais e profissionais para toda a vida, eram práticas comuns generalizadas. Uma prática dominante onde a previsibilidade das tare- fas específicas permitiam situar o indivíduo biograficamente numa fase de desenvolvi- mento do maxi-ciclo mediante o qual, as transições na carreira eram feitas (Super, 1980).

No contexto actual, para construir a sua carreira, o indivíduo tem de assumir o papel de autor principal e primeiro responsável pela construção da sua própria carreira e do seu projecto de vida, mediante o seu papel activo na interacção com as diversas estruturas da sociedade. Assim, a actualidade espelha e explica como os projectos de vida são construídos através do construtivismo (Savickas, 2005) e do construcionismo social (Blustein et al., 2004), que ajudam a compreender e explicar como os indivíduos constroem as suas carreiras. Além de isso, as interacções que acontecem entre estas duas perspectivas, disponibilizam ao indivíduo condições para que possa ir fazendo as suas escolhas vocacionais que reflectem o seu auto-conceito e ajudam a estruturar os seus objectivos na execução do papel social e do trabalho.

Deste modo, o comportamento vocacional é considerado como sendo o conjunto de possibilidades através das quais o indivíduo lida com as realidades para construir o futuro, e as tarefas desenvolvimentistas são vistas como expectativas sociais (Savickas, 2005). Segundo a abordagem construtivista, as experiências do indivíduo condicionam e influenciam o comportamento vocacional ao longo da vida, ou seja, o como e o porquê

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da escolha e do desenvolvimento de determinadas profissões ou actividades profissio- nais e não de outras (Savickas, 2005).

Segundo Duarte (2009), deve-se considerar todos os aspectos que envolvem toda a vida do indivíduo, inclusive o seu próprio percurso na vida, que abrangem diferentes temas de vida que significa aspecto central na história de vida de um indivíduo, onde as suas experiências podem ser unificadas, consciencializadas e exteriorizadas de forma coerente e contínua ao longo do seu percurso na vida. Através dos temas de vida o indi- víduo faz a análise e reflecte sobre o seu percurso, e perspectiva o seu futuro dando, deste modo, significado ao seu comportamento vocacional. Essa narrativa e história repetida com frequência e ênfase, ganha continuidade e coerência, e leva-o a refletir sobre necessidades fundamentais, assim como interesses, objectivos e motivos. Portan- to, o tema central, em torno do qual roda toda a sua vida, ajuda-o a entender os aspectos fundamentais mediante os quais se desenvolve e move. São aqueles aspectos únicos e plurais do indivíduo, aspectos mais relevantes que o caracterizam pela sua unicidade na forma de ser, actuar e comportar-se, e revelam porque ele é único no mundo (Savickas, 2005). Transportam consigo para o contexto real as preocupações que constituem o seu eu individual e que têm maior relevância na definição da sua identidade (Savickas, 2013).

Os temas de vida ajudam o indivíduo a construir a sua carreira/projecto de vida mediante a auto-organização da sua personalidade e a estender os seus conhecimentos, ou seja, a capacidade que tem para alargar as suas competências para o exercício de vários papéis em diferentes contextos, que conduzem à adaptabilidade na carreira, enquadrando-os num tema de vida que dá direção à sua escolha vocacional e permite moldar o ajustamento vocacional. Quer isto dizer, que no processo de construção de carreira, o indivíduo vai enquadrando as características pessoais, tais como traços, inte-

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resses, capacidades, aptidões e competências, com a sua capacidade de enfrentar e lidar com novos desafios e para se adaptar às novas realidades que o contexto lhe vai impon- do, integrando estes elementos num tema de vida que padroniza o seu percurso profis- sional. Este é um enquadramento que espelha e reflecte como o indivíduo executa o seu trabalho e o modo como vivencia o seu papel social.

Face às mudanças na organização social de trabalho, os indivíduos são obrigados a reflectir, ao longo do seu percurso na vida, sobre actividades profissionais que a sociedade lhes pode proporcionar. No construtivismo, a carreira é conceptualizada enquanto processo que envolve a construção, mediante a qual o indivíduo vai desenvol- vendo comportamentos e assumindo atitudes que visam responder aos desafios que a realidade lhe vai impondo. Portanto, a construção de carreira ocorre à medida que o indivíduo vai manifestando o auto-conceito, através das suas escolhas vocacionais e estrutura os seus objectivos nas realidades sociais e do mundo do trabalho (Savickas, 2005).

Esta nova abordagem não nega o passado histórico da psicologia vocacional e do desenvolvimento de carreira; aliás, trabalha a partir dos três segmentos clássicos da teo- ria de desenvolvimento de carreira: as diferenças individuais nos traços de personalida- de, as tarefas desenvolvimentistas, e as estratégias de coping e motivação psicodinâmi- ca, assentes nos tipos vocacionais da personalidade e que, com os temas de vida são enquadrados numa única teoria que ajuda a compreender e a explicar o “quê”, o “como” e o “porquê” do comportamento vocacional (Savickas, 2005). Dada a importância des- tes segmentos clássicos para a teoria de construção de carreira, a seguir apresenta-se uma reflexão mais aprofundada sobre a sua implicação neste processo e a relação dinâ- mica e de complementaridade que se estabelece entre estes.

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Os traços da personalidade evidenciam o modo como a carreira do indivíduo está relacionada com as suas necessidades e valores. Estas características são expressas nas profissões e são ensaiadas em actividades como: trabalhos domésticos, jogos, tem- pos livres, leitura e estudo. Compreender a relação entre traços da personalidade e a forma como o papel de trabalho é vivido, é relevante na medida em que o trabalho per- mite ao indivíduo expressar características assim como o modo como as características de personalidade interagem com o ambiente de trabalho para dar lugar a acontecimentos de natureza vocacional, educacional e social (Holland, 1973, 1985).

Apesar da teoria de Holland dar um importante contributo, pressupor a existên- cia de um ambiente organizado não reflecte as características da sociedade contemporâ- nea, a sua dinâmica de mudanças e transformações permanentes e as tendências contí- nuas da evolução.

Os traços da personalidade não são permanentes e podem ser trabalhados e até mudados de acordo com as realidades individuais e os contextos. Os traços são estraté- gias de adaptação e dimensões que reflectem um significado socialmente construído (Savickas, 2005). Os interesses podem evoluir e tornarem-se permeáveis às exigências do mundo do trabalho e da sociedade. Podem ser considerados resultados da própria construção social. Pelo processo de interacção social e profissional vão-se desenvolven- do e construindo novas competências e com isso renovam-se e criam-se novos interes- ses para fazer face à necessidade de realização pessoal e profissional do indivíduo.

A procura de uma relação de semelhança entre os traços de personalidade e as características do meio ambiente, ajuda a proporcionar informações de forma sistemati- zada sobre o indivíduo e o ambiente para a escolha de uma profissão, mas não explica o processo através do qual o indivíduo se envolve pessoalmente na concretização das suas competências, na gestão dos seus interesses e dos seus tempos, das suas decisões para,

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por exemplo, estabelecer-se por conta própria e lidar com as exigências necessárias à realização das escolhas profissionais. Assim, os tipos e os interesses vocacionais são simplesmente grupos de atitudes e aptidões constituídos socialmente, que não têm reali- dade própria ou valor próprio, porque dependem do tipo, lugar e cultura social que os suportam (Savickas, 2005).

A conceptualização elaborada por Savickas (2005), ao centrar-se no processo de implementação do auto-conceito vocacional, salvaguarda e releva a importância dos traços de personalidade enquanto características pessoais evidenciadas através do com- portamento do indivíduo na sua relação com o meio. As escolhas e as decisões na car- reira que o indivíduo vai realizando de acordo com os traços da sua personalidade reflectem quais são as ideias pessoais, os sentimentos sobre si próprio, sobre o trabalho e sobre a vida, o que revela finalidades que de certa forma controlam o comportamento, sustentam a coerência da identidade, explicam a continuidade do comportamento e pre- vêem as futuras acções. Por isso, as preferências profissionais expressam as auto- conceptualizações em terminologias vocacionais. Por consequência, ingressar numa profissão é visto como uma tentativa para implementar o auto-conceito. O trabalho em si é uma manifestação do auto-conceito dando-lhe substância e história, e as histórias de carreira contextualizam o indivíduo no lugar, no tempo e no seu papel, expressando a singularidade do mesmo (Savickas, 2005).

Esta conceptualização considera que o envolvimento do indivíduo é fundamental para construir a sua própria história e carreira, em vez de, a contrução da sua história e carreira estar baseada e centrada unicamente numa lista pré-definida de características ou traços de personalidade. Portanto, a sociedade actual coloca o foco na auto- realização e na auto-construção destacando o papel activo do indivíduo enquanto agente responsável pela construção de si próprio, do seu projecto profissional e de vida. Para

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tal, deve ser capaz de efectuar negociações sobre a sua situação e preocupações, ter fle- xibilidade para enfrentar e lidar com novos desafios e de estar aberto a novas realidades com maior capacidade de adaptação (Savickas, 2010). A postura e o comportamento do indivíduo expressam o modo como este se insere na sociedade, ampliando as suas redes de contactos e as pontes que estabelece com vista a estimular as suas possibilidades de empregabilidade (Fugate, Kinicki, & Ashforth, 2004), assim como, a actualização con- tínua dos seus conhecimentos e competências (Duarte, 1992, 1996, 2006), de modo a elevar o seu potencial de adaptabilidade.

Segundo Bujold (2004), é através do esquema de significados que o indivíduo dá sentido à sua experiência e acções individuais na sociedade. Logo, o esquema de signi- ficados permite-lhe compreender o propósito da vida e um conjunto de acções do dia-a- dia e eventos num único episódio. Isso proporciona uma estrutura para a compreensão de acontecimentos passados da vida e para fazer o planeamento do futuro profissional e da carreira.

A abordagem construtivista demonstra a diversidade do eu, e a sua amplitude e considera o indivíduo como sendo dinâmico e com atitude de interacção social, apontando para um novo paradigma o qual propõe que as realidades são multipessoais e de construção social num processo de transformação constante (Bujold, 2004). As interacções dinâmicas que o indivíduo estabelece na sociedade, proporcionam-lhe experiências que lhe permitem comprender o passado, construir a sua própria história com amplitude e flexilidade.