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Capitulo 3 – Economia Solidária

3.3 Modelo de gestão de empreendimentos solidários

Os modelos de gestão tradicionalmente estudados são marcados pelo uso de conceitos e teorias dirigidas a empresas privadas e organizações públicas estatais. Contudo, o modo de gestão que se dá em empreendimentos solidários se diferem muito daqueles estudados pelas escolas tradicionais.

Portanto, cabe, antes de discutir esse modo de gestão, conceituar essas organizações das quais ela é uma dimensão.

Como visto, o empreendimento solidário pode assumir formato de cooperativa, OSCIP, empresa autogestionária, rede e outras formas de associação para realizar suas atividades econômicas. O Atlas da Economia Solidária no Brasil (2005), caracteriza os empreendimentos solidários como organizações:

• Coletivas - organizações suprafamiliares, singulares e complexas, tais como: associações, cooperativas, empresas autogestionárias, grupos de produção, clubes de trocas, redes e centrais etc.

• Cujos participantes ou sócios (as) são trabalhadores (as) dos meios urbano e rural que exercem coletivamente a gestão das atividades, assim como a alocação dos resultados.

Permanentes, incluindo os empreendimentos que estão em funcionamento e aqueles que estão em processo de implantação, com o grupo de participantes constituído e as atividades econômicas definidas.

Com diversos graus de formalização, prevalecendo à existência real sobre o registro legal.

Que realizam atividades econômicas de produção de bens, de prestação de serviços, de fundos de crédito (cooperativas de crédito e os fundos rotativos populares), de comercialização (compra, venda e troca de insumos, produtos e serviços) e de consumo solidário.

Lisboa (2005) pondera que para saber se um empreendimento pertence à Economia Solidária, faz-se necessário construir indicadores em três níveis: ambiental, social – de forma a avaliar o vínculo entre as pessoas – e econômico, de modo a vislumbrar o metabolismo interno da empresa, bem como o sentido da sua vida econômica.

O quadro 3.1, apresenta um comparativo dos empreendimentos solidários em relação aos predecessores Projetos Alternativos Comunitários – PACs.

Quadro 3.1

Comparativo dos diferentes modelos de gestão utilizados em organizações tradicionais, comunitárias e solidárias.

Aspectos Economia

capitalista

PACs Empreendimentos solidários Lógica Acumulação / Lucro Auto-sustentação

comunitária

Políticas Excludentes e Compensatórias Cadeia produtiva Rede de

competição e Fonte: Bertucci & Silva, 2003.

Entende-se que o termo gestão define todo o processo administrativo pelo qual engloba planejamento, organização, direção e controle dos recursos diversos da organização para atingir seus objetivos. Autogestão implica no exercício de práticas colaborativas, participativas e coletivas nos processos de trabalho, nas definições estratégicas, táticas e operacionais, na

direção e controle das ações nos seus diversos graus e interesses que permeiam a essência dos empreendimentos solidários.

Segundo Eid (2002):

A autogestão envolve formação sobre questões técnicas, administrativas e comerciais especificas do ramo de atividade do empreendimento. Pressupõe também a existência de novas formas participativas e de tomada coletiva de decisões. Alguns desafios referem-se à formação sobre a cultura de autogestão do trabalhador e a cultura e história específica do grupo e passam pelo envolvimento total com o trabalho. O envolvimento diz respeito a questões técnicas no sentido da execução de uma tarefa, na gestão da organização e na busca pela superação de uma formação autoritária, burocrática e preconceituosa.

A administração de um empreendimento solidário tem como dever interpretar os objetivos propostos de forma coletiva em condições igualitárias e transparentes transformando-os em ações organizacionais que visem a alcançar esses objetivos.

A realização desse tipo de gestão somente será viável através das funções básicas administrativas que envolvem: planejamento, organização, direção e controle de todas as atividades realizadas em todas as áreas e em todos os “níveis” do empreendimento solidário.

Segundo Lianza (2004), o primeiro passo para o desenvolvimento de uma experiência autogestionária, é distinguir entre o engajamento efetivo do coletivo e um envolvimento formal e aparente, pois não existe autogestão sem um engajamento efetivo. Apenas a vontade sincera do grupo não garante nada.

Um dos desafios da autogestão é encontrar mecanismos de poder e decisão condizentes com as exigências essenciais da democracia e diretrizes adotadas por este tipo de organização.

De acordo com Christoffoli (1998), há necessidade de se definir claramente as atribuições e níveis de autoridade e responsabilidade dos coordenadores e das instâncias de base. Caso isso não ocorra, os coordenadores podem não se sentirem respaldados em assumir os ônus das decisões operacionais que lhes caberia. O efeito disso pode ser a morosidade na tomada de decisões, afrouxamento no ritmo e na produtividade do trabalho e dissolução da hierarquia funcional.

Com a diluição de responsabilidades no empreendimento solidário, pode ocorrer não se identificar a responsabilidade de quem atuou com desleixo ou ineficiência no processo produtivo, assim como o não reconhecimento e estímulo aos que desempenham sua função de forma a cumprir ou superar as expectativas esperadas.

Da mesma forma que não existe autogestão sem um engajamento efetivo, apenas a vontade sincera do grupo não garante nada. É preciso estar atualizado com relação às questões de organização da produção e trabalho, controles administrativos e comerciais, buscando implementar idéias novas, criativas que auxiliem na construção da viabilidade com planejamento da demanda para tornar o empreendimento eficiente e capacitado para sobreviver no mercado (EID, 2003).

Nesse tocante, para o autor, vem à tona o conceito de politécnica, distinto do conceito de polivalência, onde esteja implícita a idéia de multifuncionalidade, em que o trabalhador possa ter compreensão do conjunto de funcionamento da empresa como um todo numa visão integrada:

“... saber fazer com competência técnica e aprender, ou ter pelo menos noção sobre os diversos processos de trabalho relacionados com os conteúdos e métodos de trabalho, na produção e na atividade administrativa, relacionando-os com os princípios e os valores da Economia Solidária são fundamentais para a formação da politécnica dos trabalhadores-gestores. Dessa forma, o diferencial, contudo, desses empreendimentos está na forma (e na natureza) da gestão, que é assentada nos princípios de democracia, igualdade e solidariedade, que consagra os ganhos de sinergia gerados no processo, e também na caracterização de uma sociedade de pessoas” (EID, 2003).

Para desempenhar melhor as relações de intercâmbio entre as pessoas e a organização, no caso dos empreendimentos solidários pode ser proposto à rotação de cargos, movimentando o trabalhador de um cargo para outro, sem aumentar necessariamente suas responsabilidades. A figura 3.2 mostra o esquema.

A extensão constitui geralmente em um acréscimo de tarefas do mesmo nível de dificuldade ou de responsabilidade ou de algum deslocamento horizontal. A ampliação representa um acréscimo de tarefas ou de responsabilidades de nível superior ou algum deslocamento vertical do cargo. O enriquecimento do cargo consiste

em elevar deliberadamente a responsabilidade, os objetivos e os desafios das tarefas do cargo, como um meio de trazer maior significado ao trabalho, inovação, além de oferecer oportunidades significativas de satisfação das necessidades humanas mais elevadas (CHIAVENATO, 1985).

Fonte: Chiavenato, 1985.

Figura 3.2: O “continuum” entre rotação, extensão, ampliação e enriquecimento de cargo.

Existem 2 tipos de enriquecimento de cargo, o horizontal e o vertical.

O horizontal leva em consideração a adição de responsabilidades laterais do mesmo nível, já o vertical, a adição de responsabilidades de nível gradativamente mais elevado e a eliminação de nível mais baixo de cargo, como mostra a figura 3.3.

Fonte: Chiavenato, 1985.

Figura 3.3: Tipos de enriquecimento de cargo.

Todavia, esta perspectiva de implementação do rodízio nos cargos do empreendimento, deve ser de forma gradativa, não impositiva. É recomendado que se inicie com o rodízio nos postos de trabalho de produção de um determinado produto. Em seguida, introduzir o rodízio também na produção, agora, de um outro produto. Em quanto isso, na administração e no

comércio, pode também ocorrer um rodízio entre os ocupantes de cargos. O importante nessa sistemática, é que haja tolerância no processo de aprendizagem e que os trabalhadores-gestores mais experientes desenvolvam a capacidade de ensinar, “transferindo” seus conhecimentos, competências,

“macetes de ofícios” para os mais novos. Trata-se de uma relação de troca (EID, 2003).

Segundo Moura & Meira (2003), na realidade trata-se do desafio de romper com a divisão do trabalho manual e intelectual que se expressa na dicotomia entre produção e gestão, ou seja, os que produzem não se ocupam da gestão do empreendimento. Portanto, é necessário um trabalho de desenvolvimento, capacitação técnica para o exercício dessas atividades e aprendizagem de todos no que se refere a um processo coletivo de tomada de decisões que seja, ao mesmo tempo, ágil e dinâmico, para garantir os resultados econômicos e a sustentabilidade do empreendimento solidário.