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CAPÍTULO 1 PERCURSO DO ESTADO E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1.2. Origem da Administração Pública

1.2.6. Modelo de Governança

A partir do final dos anos 90 e início do atual milénio verificou-se um aumento de consciência política dos cidadãos em geral e uma perda de confiança pública nos governos. Na realidade os próprios políticos exacerbaram essa tendência da sociedade explorando a «política do medo» com o terrorismo, por exemplo, mas também com o medo do colapso do sistema de pensões ou do sistema de saúde ou algum outro sistema chave de Estado. A ideia de que essa aparente perda de confiança poderia ser restaurada oferecendo ao público, serviços mais transparentes começou a constar de discursos e documentos oficiais. Em simultâneo, no mesmo período vários países adotaram nova legislação sobre liberdade de informação.

Face às fraquezas supracitadas, surge um novo paradigma, um novo modelo organizacional de governação que de acordo com Rhodes (1997:660-667) “é a auto-organização de redes autónomas e autogovernáveis, existindo uma interdependência entre as organizações, mantendo-se uma interação continuada entre os seus membros, criando regras sustentadas na confiança, o que significa uma perda de autonomia do Estado”, neste “os cidadãos são parte integrante do processo, onde têm um papel ativo na tomada de decisão das políticas públicas”. O modelo da governança é sustentado por redes de políticas públicas que se auto-organizam e contêm cidadãos e organizações públicas e privadas. Estas redes, desvinculadas do governo central, desenvolvem as suas políticas e moldam os seus ambientes.

Este modelo surge associado ao modelo neo-weberiano que redefine a legitimidade do Estado, segundo Peters e Pierre (2003) e Pollit e Bouckaert (2011), é uma definição mais contemporânea de uma burocracia forte que rapidamente pode oferecer uma ampla variedade de serviços públicos, adaptados às necessidades do indivíduo. Além disso, uma forte burocracia é característica do Estado de direito, no qual a atuação da AP, pela lei, é uma salvaguarda contra o clientelismo, corrupção e favoritismo.

O termo governança foi recuperado, nos anos noventa, por académicos anglo-saxónicos, como Guy Peters, Jon Pierre, Roderick Rhodes, por instituições internacionais52 e acrescidos ao seu significado inicial, dado metaforicamente por Platão por referência à governação dos homens, dois novos aspetos:

✓ maior abrangência do conceito de governo, enquanto organização formal do Estado;

✓ propalação de uma nova gestão dos assuntos públicos, assente na participação da sociedade civil (Rodrigues, 2013:103).

52 Como as organizações supranacionais: Organização das Nações Unidas (ONU), Banco Mundial (BM), Fundo Monetário Internacional (FMI) ou a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

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Na verdade a globalização teve um impacto significativo na noção de interesse público, enquanto construção da modernidade que reflete modelos de Estado, de sociedade e de operacionalidade ideológica institucional, legitimadora das políticas públicas. O moderno Estado-nação dá hoje lugar a “redes de estados-nação sendo a mais significativa e integrada, a União Europeia” (Castells, 2005:25). Gomes refere que “o Estado mostra não ter condições para gerir os processos de diferenciação social de uma sociedade complexa, legitimado na modernidade, de acordo com Portinaro, «como regulador, disciplinador e simplificador da complexidade»” (Gomes, 2013: 24). “No campo da análise de políticas públicas, o conceito de rede remete para configurações muito diferentes, que dizem respeito à totalidade das formas de articulação entre os grupos sociais e o Estado. Nas redes temáticas, os vários atores públicos e privados juntam-se numa base voluntária em função não tanto de definir uma resposta comum a um dado problema de política mas do interesse de todos em participarem na produção e troca de informação útil para a gestão e o reforço do próprio setor.” (Gomes, 2013: 24-25).

Nesta linha e conforme o «modelo de Rhodes», as redes profissionais ou «professional

networks» são visiveis na implementação e divulgação da vigilância eletrónica, no âmbito da

justiça penal, a nível mundial. O desempenho da Confederation of European Probation (CEP)53, fundada em 1981, empenha-se em melhorar o profissionalismo e o perfil do profissional que intervem no campo da execução de penas e medidas penais na comunidade, a nível nacional e europeu. Promove a cooperação pan-européia através da organização de conferências internacionais regulatres sobre tópicos deste âmbito profissional, disponibilizando os relatórios desses eventos, publicando um boletim informativo digital e por meio do site da CEP para estimular a troca de idéias sobre este campo. Esta organização tem, de igual modo, contribuido para a disseminação e evolução da vigilância eletrónica, em vários paises da Europa incluindo Portugal e em outros continentes, na execução de sanções e medidas comunitárias.

A «boa governança», conceito utilizado pelas instituições supranacionais, corresponde “à transposição dos princípios da governança organizacional para a escala dos sistemas político- administrativos duma nação, grupo de nações ou mesmo da «sociedade mundial», onde deverão existir serviços públicos eficientes, sistemas legais e judiciais independentes, controle transparente dos fundos públicos, estrutura institucional plural e liberdade de imprensa” (Rodrigues, 2013:103).

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O Livro Branco da Comissão sobre a governança europeia54 preconiza o princípio da participação dos cidadãos na definição e na aplicação das políticas, da participação da sociedade civil e das organizações que a compõem e uma consulta mais eficaz e transparente das partes interessadas. A geminação de cidades integra-se no âmbito dos esforços desenvolvidos pela União Europeia no sentido de reforçar a consciência europeia através do diálogo com os seus cidadãos e da sua participação activa no desenvolvimento da Europa.

Alinhado ao conceito da governança europeia como new policy, usado por Covas (2007), e com base no Livro Branco da Comissão sobre a governança europeia, Pedro Quartin Graça55 realça que “a cultura do diálogo, em que o Estado há de conformar as suas ações, face às emanações da diversidade social, vem ganhando prestígio mundial. É um Estado que conduz a sua ação pública segundo outros princípios, favorecendo o diálogo da sociedade consigo mesma, preconizando o surgimento da «AP dialógica» que contrasta com a «AP monológica» refratária”. Destaca o carácter consensual da governança pública na administração pública e nos movimentos reformadores e modernizadores do Estado, nos quais tem sido recorrente o uso de métodos e técnicas negociais ou contratualizadas no campo das atividades tradicionalmente fornecidas por órgãos e entidades públicas. Estas atividades podem envolver unicamente a participação de órgãos e entidades públicas (Primeiro setor), como também contemplar a interação com organizações de finalidade lucrativa (Segundo setor ou setor privado) ou com iniciativas privadas de utilidade pública com origem na sociedade civil, organizações isentas de finalidade lucrativa (Terceiro setor).

Com o advento da Troika56 (Ferraz, 2013), decorridos 30 anos de reformas e modernização da AP, Portugal assistiu à redução de estruturas flexíveis do Estado (Institutos Públicos e Entidades Públicas Empresariais), com a perda de autonomia administrativa e financeira, optando-se por uma maior centralização e/ou coordenação. No mesmo sentido, o programa do XIX GC consagra como um dos objetivos centrais a necessidade de reduzir os custos da administração central do Estado e de implementar modelos mais eficientes para o seu funcionamento implementando, em julho de 2011, o Plano de Redução e Melhoria da Administração Central (PREMAC)57.

54 Livro Branco da Comissão sobre a governança europeia, de 25 de Julho de 2001, e a sua resolução, de 29 de Novembro de 2001, sobre a governança europeia (COM(2001) 428), consultado em 20-06-2018 no site:

http://context.reverso.net/traducao/portugues-ingles/Livro+Branco+da+Comissão+sobre+Governança+Europeia.

55Pedro Quartin Graça Simão José, docente da unidade curricular de “Governança Europeia e Administração”, do

Mestrado de Administração Pública, do ISCTE, ano letivo 2016/17.

56Foram assinados dois memorandos principais em Maio de 2011. Um do Fundo Monetário Internacional (FMI)

e o outro da Comissão Europeia (CE) e do Banco Central Europeu (BCE).

57 O PREMAC e respetivo plano de trabalhos, aprovado no dia 20 de julho de 2011, visou os objetivos de redução

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Neste período, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP)58, nasce da

fusão da Direção-Geral de Reinserção Social com a Direção-Geral dos Serviços Prisionais, em 2012.Estrutura cujas atribuições incluem “Conceber, executar ou participar em programas e ações de prevenção da criminalidade e contribuir para um maior «envolvimento da comunidade na administração da justiça» tutelar educativa e penal, através da cooperação com outras instituições públicas ou particulares e com cidadãos que prossigam objetivos de prevenção criminal e de reinserção social”. A Lei orgânica da DGRSP reclama maior participação dos cidadãos e da sociedade, conforme o modelo de governança da AP. Nesta estrutura orgânica, a Vigilância Eletrónica constitui uma Direção de Serviços de Vigilância Eletrónica59, contendo nas suas atribuições e intervenção a proteção das vítimas, promoção da colaboração das familias e cooperação da comunidade no processo de reinserção social.

central, consubstanciando-se, numa primeira fase, nas medidas de racionalização das estruturas orgânicas da administração direta e indireta do Estado.

58 Decreto-Lei n.º 215/2012, de 28 de setembro - Aprova a Lei orgânica da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

59 Portaria n.º 118/2013, de 25 de março, define a estrutura nuclear e as competências das unidades orgânicas da DGRSP e criou a Direção de Serviços de Vigilância Eletrónica.

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CAPÍTULO 2 - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DA POLÍTICA CRIMINAL