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Dentre todos os modelos de rede imunológica apresentados na Seção 2.2.3, o modelo de Bersini (2002) é um dos que mais se aproxima das condições encontradas em problemas de otimização em espaços contínuos, o que o fez ser selecionado como ponto de partida deste trabalho. No entanto, apesar do modelo de Bersini (2002) ser o mais próximo do contexto que será tratado aqui, uma série de modificações e adaptações se mostraram necessárias e tiveram que ser implementadas. Sendo assim, nesta seção, tanto o modelo original de Bersini (2002) quanto a nova versão, com todas as modificações propostas, serão discutidos em detalhes.

3.2.1

O Modelo de Bersini

O modelo de Bersini (2002) (também adotado por Hart, 2005; Hart & Ross, 2005; Hart, 2006; Hart et al., 2006, 2007) trabalha com um espaço de formas bidimensional de valores inteiros, de ta- manho X × Y , em que cada anticorpo e cada antígeno podem ocupar qualquer posição (x, y). Neste modelo, a rede imunológica pode ser vista como um grafo, em que cada célula e antígeno correspon- dem a um nó e existem arestas que conectam apenas aqueles nós que se estimulam mutuamente.

A forma com que uma dada célula ou antígeno estimula outra célula no modelo de Bersini (2002) depende de como a afinidade entre células e entre células e antígenos é definida. Caso seja adotado um modelo de afinidade complementar, então duas células A e B terão afinidade diferente de zero caso B esteja dentro de uma região circular de raio r (raio de afinidade) centralizada no ponto (X − x, Y − y), como ilustrado na Figura 3.1(a). Caso o modelo adotado seja um modelo de afinidade por similaridade, então A e B terão afinidade não-nula se B estiver dentro da região de raio r centralizada na própria célula A, como exemplificado na Figura 3.1(b). Além disso, diferentemente de outros modelos da literatura que adotam uma topologia de vizinhança toroidal no espaço de formas (Detours et al., 1994), o modelo de Bersini (2002) ignora as regiões de reconhecimento que estão fora do plano X × Y , pertencentes a células posicionadas nas extremidades deste espaço (como ilustrado para a

A

A' B

(a) Afinidade por Comple- mentariedade

A B

(b) Afinidade por Similari- dade

B A

(c) Afinidade na Fronteira

Fig. 3.1: Exemplos de afinidade em um plano bidimensional 10 × 10, de acordo com o modelo de Bersini (2002). Nestes exemplos, o raio de afinidade foi definido como sendo r = 1. Em (a) temos um exemplo de afinidade por complementariedade, em que B está dentro da região de afinidade de A, representado em laranja (A0 é o ponto complementar de A). Em (b) temos um exemplo de afinidade entre A e B por similaridade (região de afinidade de A representada em laranja). Por fim, em (c) temos um exemplo de como é a região de afinidade de uma célula posicionada na fronteira (B), representada em azul. Em (c) foi considerado o modelo de afinidade por similaridade.

célula B, na Figura 3.1(c)).

Estabelecidas estas definições sobre o espaço de formas, a dinâmica da rede idiotípica para este

modelo pode ser resumida no Pseudo-código 3.1, onde Si

Ab e S

j

Ag são respectivamente os estímulos

totais recebidos pela célula (anticorpo) i e pelo antígeno j, L e U são limites inferiores e superiores de estímulo, que determinam quando ocorrerá aumento ou diminuição de concentração de cada célula

e/ou anticorpo, Ajc é a concentração do antígeno j, f é um fator de escalonamento (definido pelo

usuário) e pAgé a probabilidade de que um novo antígeno seja inserido na rede.

A afinidade entre duas células i e j ou entre uma célula i e um antígeno j se baseia na distância euclidiana entre os dois componentes, e é dada pela Equação 3.1:

af inidade(i, j) =    Ci· [r − D(i, j0)] se D(i, j0) ≤ r 0 caso contrário , (3.1)

onde Ci é a concentração da célula i, r é o raio de afinidade e D(i, j0) é a distância euclidiana

entre os indivíduos i e j0. Caso tenha sido adotado o modelo de afinidade complementar, j0 é ponto

complementar a j, como ilustrado para o indivíduo A na Figura 3.1(a). Caso contrário, j0 = j. Neste

modelo, só há afinidade entre dois indivíduos caso eles estejam um dentro do raio de afinidade do outro, e a afinidade será máxima quando a distância D(i, j0) for nula.

O estímulo total recebido por cada célula (anticorpo) do modelo, dado pela Equação 3.2, nada mais é que a soma dos estímulos recebidos tanto das demais células da rede imunológica quando dos antígenos que estão dentro do seu raio de afinidade.

Pseudo-código 3.1 Dinâmica da rede idiotípica de acordo com o modelo de Bersini (2002).

enquanto (critério de parada da simulação não estiver satisfeito) faça

1- Gerar aleatoriamente um novo anticorpo com coordenadas (x, y) e concentração 10;

2- Adicionar, com alguma probabilidade pAg, um novo antígeno aleatoriamente gerado com coordenadas

(xa, ya) e concentração 1000;

para todo (anticorpo i da população) faça

3- Calcular o estímulo total SAbi recebido pelo anticorpo i; se (L < SAbi < U ) então

4- Aumentar a concentração do anticorpo i em 1; senão

5- Diminuir a concentração do anticorpo i em 1; fim se

fim para

para todo (antígeno j da população) faça

6- Calcular o estímulo total SAgj recebido pelo antígeno j; se (L < SAgj ) então

7- Diminuir a concentração do antígeno j: Ajc= Ajc−S

j Ag

L·f;

fim se fim para

8- Remover todos os anticorpos e antígenos com concentração 0; fim enquanto SAbi = X ∀j∈J af inidade(j, i) + X ∀k∈K af inidade(k, i) (3.2)

onde SAbi é o estímulo total recebido pela célula i, J é o conjunto de todos os anticorpos presentes na rede imunológica e K o conjunto de todos os antígenos. A afinidade entre células e entre células e antígenos é dada conforme a Equação 3.1.

Já o estímulo total recebido pelos antígenos presentes na rede imunológica é constituído apenas pelo estímulo recebido dos anticorpos, como dado na Equação 3.3, uma vez que não há interações entre os antígenos presentes na rede.

SAgj = X

∀i∈I

af inidade(i, j) (3.3)

onde SAgj é o estímulo total recebido pelo antígeno j e I é o conjunto de todos os anticorpos presentes na rede imunológica. A afinidade entre o antígeno j e as demais células é dada pela Equação 3.1.

É importante ressaltar aqui que o modelo de Bersini (2002) adota uma versão simplificada do estímulo total em forma de sino, proposto inicialmente por De Boer (1989). No modelo de Bersini (2002), existem dois limiares, definidos pelo usuário (representados por L e U no Pseudo-código 3.1), que anulam o estímulo recebido por cada célula caso ele seja menor que o limiar inferior ou maior que

o limiar superior. Desta forma, tanto as células que recebem pouco estímulo quanto as células que recebem muito estímulo têm sua concentração diminuída, ou seja, sofrem um processo de supressão. Já no caso dos antígenos, como eles só recebem estímulos de células do sistema imunológico, só é definido um limiar inferior de estímulo, acima do qual sua concentração é obrigatoriamente reduzida. Neste caso, quando o estímulo total recebido pelo antígeno é superior ao limiar L, supõe-se que as células do sistema imunológico foram suficientemente ativadas, o que levou ao disparo da resposta imunológica.

Apesar de o modelo de Bersini (2002) conseguir reproduzir a contento o comportamento básico de ativação e supressão de células e antígenos em uma rede imunológica, muitos dos mecanismos propostos são específicos tanto para o contexto do espaço de formas bidimensional utilizado quanto para a presença explícita de antígenos na rede, o que não ocorre nos casos de problemas de otimização em espaços contínuos, que são o foco deste trabalho. Sendo assim, uma série de modificações se mos- trou necessária para que o modelo de Bersini (2002) pudesse ser utilizado para este fim, modificações estas que serão discutidas em detalhes na próxima seção.

3.2.2

Adaptações ao Modelo de Bersini para Otimização

A primeira modificação sofrida pelo modelo de Bersini (2002) em sua adaptação para proble- mas de otimização está relacionada ao espaço de formas. Como o foco do algoritmo cob-aiNet é o tratamento de problemas de otimização em espaços contínuos, o espaço de formas mais óbvio a ser empregado é justamente o espaço contínuo multidimensional, em que cada célula do algoritmo

corresponderá a um ponto em <n(onde n é a dimensão do espaço de variáveis do problema), ou seja,

a um vetor de atributos reais que corresponde a uma solução candidata para o problema.

Além disso, como foi observado na Seção 2.2.2, no contexto de otimização de funções não existe uma representação explícita dos antígenos a serem combatidos, o que faz com que a métrica de afinidade entre anticorpos e antígenos seja definida como uma métrica direta de qualidade (ou fitness – vide Seção 2.2.1).

Sendo assim, supondo que o problema de otimização a ser tratado tenha função-objetivo f , o fit- nessde cada célula na população do algoritmo, ou seja, a afinidade entre cada célula com os antígenos, será dado conforme a Equação 3.4.

fiAg(t) =          fi(t) − minj[fj(t)] maxj[fj(t)] − minj[fj(t)]

se for um problema de maximização 1 − fi(t) − minj[fj(t)]

maxj[fj(t)] − minj[fj(t)]

se for um problema de minimização

onde fiAg(t) ∈ [0, 1] é o fitness da célula i na iteração t e fi(t) é o valor da função-objetivo para a célula i na iteração t. Em outras palavras, o fitness fiAg(t) de cada célula i na iteração t do algoritmo nada mais é que o valor da função-objetivo do problema normalizado em [0, 1] e ajustado para que sempre seja maximizado, ou seja, para que as melhores células possuam os maiores valores de fiAg(t). Além da afinidade entre células e antígenos, outro aspecto que precisou ser modificado nesta nova versão do modelo de rede imunológica foi a métrica de afinidade entre células da população, que agora é dada pela Equação 3.5.

fiAb(t) =        P j∈JC j t · [σs− d(i, j)] P j∈JC j t se J 6= ∅ 0 caso contrário , (3.5)

onde fiAb(t) é a afinidade total entre a célula i e as demais células da população na iteração t, J é

o conjunto de anticorpos melhores que i e que estão mais próximos de i que um limiar σs (raio de

afinidade ou raio de supressão), Ctj é a concentração da célula j na iteração t e d(i, j) é o valor de uma métrica de distância entre as células i e j. Qualquer métrica de distância entre dois vetores de atributos reais pode ser utilizada em d(k, l) mas, em toda esta tese, foi adotada a distância euclidiana. Apesar da Equação 3.5 ser aparentemente semelhante à Equação 3.1, elas têm uma diferença cru- cial. Enquanto, no modelo original de Bersini (2002), a afinidade dada pela Equação 3.1 é calculada para todas as células na população, na Equação 3.5 isto é feito apenas para as células que estão no

conjunto J , constituído pelas células que estão mais próximas de i que o limiar de afinidade σs e,

ao mesmo tempo, são melhores que i. Esta modificação se mostrou necessária por causa do novo mecanismo de controle das concentrações dos anticorpos, que será descrito a seguir.

No algoritmo cob-aiNet, a dinâmica dos indivíduos da população é controlada principalmente pela concentração de cada célula, que está diretamente relacionada ao fitness de cada indivíduo e à sua presença ou não em regiões do espaço de busca densamente povoadas por melhores soluções. Além de influenciar diretamente a métrica de afinidade entre anticorpos (vide Equação 3.5) o valor de concentração de cada célula também é responsável pelos comportamentos de ativação (número de clones que serão gerados) e supressão de cada célula, como será visto na Seção 3.3.

A concentração Cti de cada anticorpo i é definida inicialmente, pelo usuário, com um valor C0, e é atualizada ao final de cada iteração do algoritmo conforme a Equação 3.6.

Ct+1i =    min[(αCi t− fiAb(t)), 1] se αCti− fiAb(t) ≥ 0 0 caso contrário (3.6)

onde Ct+1i e Cti ∈ [0, 1] são respectivamente as concentrações nova e antiga da célula i, fAb

i (t) é a

Equação 3.7. α =    1 + 0, 1 · fiAg(t) se fAb i (t) = 0 0, 7 caso contrário , (3.7)

onde fiAg(t) é o fitness da célula i.

De acordo com as Equações 3.6 e 3.7, é possível perceber que as células que possuem afinidade

total com outros anticorpos nula (fiAb(t) = 0), ou seja, aqueles indivíduos que são os melhores

dentro de sua vizinhança, sofrem um aumento de concentração proporcional ao fitness de até 10%, enquanto que células que estão dentro da região de influência (vizinhança) de células de maior fitness (fAb

i (t) > 0) sofrem uma redução de concentração de pelo menos 30%. Estes valores de 10% e 30%

foram definidos empiricamente após uma série de experimentos preliminares.

Diante das Equações 3.6 e 3.7, fica evidente uma diferença fundamental deste novo modelo para a proposta original de Bersini (2002). No modelo original, células que recebem um estímulo muito alto são suprimidas da rede, mesmo que elas também tenham uma alta afinidade com os antígenos presentes no organismo. No contexto de otimização, este comportamento nem sempre é desejável, uma vez que, teoricamente, poderia ocorrer a supressão de todas as melhores soluções já encontradas durante o processo de otimização. Sendo assim, neste novo modelo de concentrações, a afinidade entre células só é não-nula para aqueles indivíduos que estão na vizinhança de alguma célula com

fitness superior (conjunto J na Equação 3.5). Com esta abordagem, as melhores células de cada

vizinhança nunca são suprimidas da população, o que permite que o algoritmo cob-aiNet mantenha um certo grau de elitismo em seu processo de otimização, essencial para a sua convergência.

Como é possível perceber, as modificações feitas sobre o modelo de Bersini (2002) foram profun- das e acabaram levando a uma nova proposta significativamente diferente. No entanto, a ideia geral do modelo original foi mantida e serviu como base fundamental para o algoritmo cob-aiNet, que será discutido em detalhes na próxima seção.