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2 AVALIAÇÃO EDUCACIONAL, TEORIAS DO CURRÍCULO E

5.2 O Modelo de Referência do Avaliador

Segundo Hadji (1994), o ato de avaliação é um ato de “leitura” de uma realidade observável que se efetua com a ajuda de uma grelha predeterminada. Avaliar obriga, assim, aquele que emite um juízo de valor a precisar as normas e os critérios sobre os quais se apoia para se pronunciar sobre a qualidade das perfomances escolares dos alunos. Adquirir informação sobre a atividade dos alunos é, pois antecipar sobre a análise dos dados recolhidos, é criteriar a observação, definindo o que se tem direito a esperar do objeto avaliado. Esta grelha de leitura, que orienta o olhar do professor e que vai determinar as suas escolhas curriculares, permite associar o ato de avaliação a um comportamento que pode ser colocado numa categoria muito geral de comportamentos em que uma constatação de índices permite chegar a uma decisão.

Assim, podemos concluir o caráter indissociável entre o processo de ensino- avaliação e as concepções dos professores. O modelo de referência do avaliador e os elementos que o constituem assumem, desta forma, um papel importante na atividade de ensino.

Esta constatação permite emitir a ideia que uma formação em avaliação deve inscrever, no seu campo de preocupações, uma transformação do olhar que tem o professor das realizações dos alunos. Avaliar e regular as aprendizagens é, pois, resistir a uma observação espontânea sob pena de aumentar a diferença entre intenções e decisões.

Uma análise aos utensílios de avaliação, utilizados pelos professores, mostra que os objetos e os critérios de avaliação divergem segundo as escolas e, no interior destas, segundo os departamentos curriculares.

O estudo do funcionamento do avaliador acentua o peso das concepções, quer na apreciação das ações dos alunos na realização de uma tarefa, quer na interação com os alunos, nas intervenções avaliativas destinadas a assegurar a regulação das aprendizagens e a apropriação dos saberes pelos alunos, quer, ainda, na construção dos referenciais de avaliação certificativa, cujo objetivo é situar os alunos uns em relação aos outros e precisar as expectativas dos professores (que competências são visadas?)

Compreender o funcionamento do avaliador num dispositivo de avaliação é, pois, apoiar-se num modelo de referência (normas e objetos de avaliação) e colocar a hipótese que as suas concepções podem guiar o conjunto de tomadas de decisões avaliativas, quer elas obedeçam a uma lógica de caráter essencialmente formativo e positivo, quer obedeçam a uma lógica certificativa.

5.2.1 Uma Tentativa de Modelização das Decisões Avaliativas

Alguns autores tentaram modelizar a atividade do professor a partir da noção de

habitus que Bourdieu (1972) definiu como um pequeno lote de esquemas, permitindo

construir uma infinidade de práticas adaptadas a situações sempre renovadas, sem nunca se constituírem em princípios explícitos. O habitus é, assim, um sistema de esquemas de pensamento, de percepção, de avaliação e de ação do qual dispõe todo o indivíduo. Transposto para o ensino, este conceito tem a vantagem de melhor compreender a lógica do funcionamento do professor (Perrenoud, 1999), pois possui um capital cultural que se transforma com a sua experiência. O nó central do capital cultural é o habitus, verdadeira matriz de apreciações, de percepções e de ações, que permite o cumprimento de tarefas complexas e diferenciadas. Na periferia deste nó encontram-se as concepções que permitem ao professor agir em função de uma imagem que ele faz da realidade, intervindo o seu habitus, simultaneamente na prática e nas concepções.

Esta modelização do funcionamento do professor ajuda-nos a apreender melhor a lógica do professor-avaliador, sublinhando a forma como o habitus e os componentes que ele mobiliza nomeadamente as concepções orientam, de forma importante, as práticas da avaliação.

As concepções mobilizadas pelo habitus do professor impregnam o conjunto das etapas do processo de avaliação. Assim, as concepções dos professores terão um impacto sobre:

- a leitura da atividade dos alunos e a interpretação que dela é feita; - a escolha dos conteúdos que os alunos são susceptíveis de integrar; - a elaboração de situações de remediação e de avaliação.

Afirmamos, então, como Perrenoud (1999), que o processo de avaliação é orientado por concepções do professor, quer seja ao nível diagnóstico das possibilidades dos alunos, quer ao nível das atividades de remediação e regulação das aprendizagens ou, ainda, ao nível da certificação das aquisições.

O professor possui, pela sua formação, um certo número de informações mais ou menos teóricas sobre as teorias dos investigadores no que diz respeito ao ensino e à avaliação na sua disciplina, sobre os modelos de aprendizagem e ainda sobre os textos oficiais. Estas informações teóricas combinam-se, no momento da tomada de decisões curriculares, com as opções oriundas de uma reflexão pessoal e de uma teorização da experiência. Estas decisões chocam, no momento da efetiva implementação, com as exigências da situação concreta que impõem adaptações aqui e agora. Para responder às situações imprevistas, o professor funciona com uma “racionalidade limitada”, fazendo apelo, em grande medida, ao seu habitus.

Porém, como se verificou pelo estudo realizado por Alves (2004), uma década passada, as práticas teimam em permanecer presas a uma tradição de avaliação-medida, o que significa que as práticas não se alteram por decreto. Urge então questionar: alterar-se-ão elas, pelo fato de os investigadores apontarem caminhos, sem apostar na formação? Parece-nos poder afirmar que não, pois, na sequência deste edifício legislativo, um significativo número de publicações interpretou as ideias-força dos diferentes textos oficiais e avançou com proposições pedagógicas, entendendo que a

escola deve proporcionar um desenvolvimento integral das capacidades, atitudes e valores do aluno, norteando-se por princípios de democracia, participação, responsabilidade e autonomia, assumindo-se, para tal, que a avaliação devia ter um caráter essencialmente formativo e positivo, e, por isso, processual.