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3.3. OS SISTEMAS DE ATENÇÃO À SAÚDE

3.3.2. Modelos de atenção à saúde

O terceiro elemento constitutivo das RAS são os modelos de atenção à saúde. Eles são sistemas lógicos que organizam o funcionamento das RAS, articulando, de forma singular, as relações entre os componentes da rede e as intervenções sanitárias, definidos em função da visão prevalecente da saúde, das situações demográfica e epidemiológica e dos determinantes sociais da saúde, vigentes em determinado tempo e em determinada sociedade92. Tais modelos são diferenciados de acordo com a atenção às condições agudas e às condições crônicas17.

O modelo de atenção às condições agudas tem como objetivo identificar, no menor tempo possível (com base em sinais de alerta), a gravidade de uma pessoa em situação de urgência ou emergência e definir o ponto de atenção adequado para aquela situação, considerando-se como variável crítica o tempo de atenção requerido pelo risco classificado, ou seja, o tempo-resposta do sistema. Isso implica adotar um modelo de classificação de risco nas redes de atenção às urgências e às emergências17.

A Política Nacional de Humanização preconiza que a construção de um protocolo de classificação de risco, a partir daqueles existentes e disponíveis nos textos bibliográficos, (adaptado ao perfil de cada serviço e ao contexto de sua inserção na rede de saúde) é uma oportunidade de facilitar a interação entre a equipe multiprofissional e a valorização dos trabalhadores da urgência. Ressalva-se a importância dos serviços de uma mesma região desenvolverem critérios de classificação semelhantes, buscando facilitar o mapeamento e a construção das redes locais de atendimento101.

Ainda que o modelo de atenção às condições agudas seja diferente do modelo de atenção às condições crônicas, deve ser aplicada a mesma estrutura operacional das redes de atenção à saúde, ou seja, a atenção primária, os pontos de atenção secundária e terciária, os sistemas de apoio, os sistemas logísticos e o sistema de governança. A única diferença entre essas redes está no papel da atenção primária. Nas redes de atenção às condições crônicas ela funciona como centro de comunicação, mas nas redes de atenção às urgências e às emergências ela é um dos pontos de atenção à saúde, sem cumprir a função de coordenação dos fluxos e contrafluxos dessas redes97.

Mendes (2012) alerta para o fato de que os modelos de atenção às condições crônicas (MACC) são muito mais complexos. O autor faz uma diferenciação entre o Modelo de Atenção Crônica, tradução literal de Chronic Care Model (CCM) e o Modelo de Atenção às Condições Crônicas, o MACC, originário do CCM, com modificações feitas por ele para adaptá-lo ao SUS97, 102.

O Modelo de Atenção às Condições Crônicas tem como base três outros modelos: o Modelo de Atenção Crônica, o Modelo da Pirâmide de Risco e o Modelo de Determinação Social da Saúde de Dahlgren e Whitehead97.

O CCM foi desenvolvido pela equipe do MacColl Institute for Healthcare Innovation, nos Estados Unidos, a partir de uma ampla revisão da literatura internacional sobre a gestão das condições crônicas, como resposta às situações de saúde de alta prevalência de tais condições e da falência dos sistemas fragmentados para enfrentá-las. Contudo, não é adotado extensamente naquele país, pois guarda certa incompatibilidade com os princípios organizativos ali prevalecentes como a fragmentação do sistema, os incentivos econômicos perversos, a ausência de uma orientação para a APS e a inexistência de um foco populacional97.

No Brasil, o CCM tem sido utilizado, pelo menos parcialmente, como parte de experiências inovadoras de cuidados de condições crônicas no SUS. O CCM foi acolhido pelo Ministério da Saúde no Plano de Ações Estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil, 2011- 202297, 103.

Um segundo modelo que está presente na construção do MACC é o Modelo da Pirâmide de Riscos (MPR), conhecido, também, como modelo da Kaiser Permanente (KP), uma operadora de planos de saúde dos Estados Unidos que o desenvolveu e o implantou na sua rotina assistencial97, 104.

As necessidades das pessoas portadoras de condições crônicas são definidas em termos da duração da condição, da urgência da intervenção, do escopo dos serviços requeridos e da capacidade de autocuidado da pessoa portadora da condição. A aplicação desses critérios permite estratificar as pessoas portadoras de condições crônicas em três grupos.

O primeiro constituído por portadores de condição leve, mas com forte capacidade de autocuidado e/ou com sólida rede social de apoio. O segundo definido por portadores de condição moderada. O terceiro grupo seria constituído

por portadores de condição severa e instável e com baixa capacidade para o autocuidado97, 104.

Sua lógica está em promover a saúde de toda a população, estruturar as ações de autocuidado apoiado para os portadores de condições de saúde mais simples, ofertar a gestão da condição de saúde para as pessoas que tenham uma condição estabelecida e manejar os portadores de condições de saúde altamente complexas por meio da tecnologia de gestão de caso97, 104. Uma das áreas prioritárias do KP é a atenção aos idosos e há diretrizes clínicas baseadas em evidências e programas de gestão das condições de saúde97, 104.

Já no modelo dos determinantes sociais da saúde, apesar da existência de outros modelos que buscam explicar com mais detalhes as relações e as mediações entre os diversos níveis de determinação social da saúde e a gênese das iniquidades, a Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde escolheu o modelo de Dahlgren e Whitehead para ser utilizado no Brasil, por sua simplicidade, por sua fácil compreensão para vários tipos de público e pela clara visualização gráfica dos diversos determinantes sociais da saúde59, 97.

O modelo inclui os determinantes sociais da saúde dispostos em diferentes camadas concêntricas, segundo seu nível de abrangência, desde uma camada mais próxima aos determinantes individuais até uma camada distal onde se situam os macrodeterminantes. O modelo enfatiza as interações: estilos de vida individuais estão envoltos nas redes sociais e comunitárias e nas condições de vida e de trabalho, as quais, por sua vez, relacionam-se com o ambiente mais amplo de natureza cultural e econômica59, 97.

Portanto, as evidências recolhidas na literatura internacional sobre os modelos de atenção à saúde e a singularidade do SUS fez com que Mendes (2012) desenvolvesse um modelo de atenção às condições crônicas (MACC) que pudesse ser aplicado ao sistema público de saúde brasileiro97.

O MACC deve ser lido em três colunas: na coluna da esquerda, sob a influência do MPR, está a população total estratificada em subpopulações por estratos de riscos. Na coluna da direita, sob a influência do modelo de determinação social saúde de Dahlgren e Whitehead, estão os diferentes níveis de determinação social da saúde: os determinantes intermediários, proximais e individuais. Na coluna do meio estão, sob a influência do CCM, os cinco níveis das intervenções de saúde

sobre os determinantes e suas populações - intervenções promocionais, preventivas e de gestão da clínica, como mostra a Figura 397:

Figura 3: Modelo de Atenção às Condições Crônicas (MACC). Fonte: Mendes, 2012.

A Organização Mundial da Saúde propõe outro modelo, o de Cuidados Inovadores para Condições Crônicas (CICC) e estabelece três âmbitos de aplicação: o âmbito macro, o âmbito meso e o âmbito micro. Mendes afirma que o MACC incorpora esses três âmbitos de operação do CICC no seu escopo, o que envolverá um plano estratégico que articule intervenções nesses três âmbitos, de forma coordenada97, 99.

A utilização do MAC105C implica assumir que se devem promover mudanças profundas na forma como se presta a atenção à saúde. O fracasso dos sistemas fragmentados de atenção determinou a falência da principal instituição que o sustentou, a consulta médica de curta duração.

Por isso, para se ter sucesso no manejo das condições crônicas, há que se estabelecer modificações radicais na forma que se dão os encontros clínicos entre equipes e profissionais de saúde. Não seria demais afirmar que uma atenção adequada às condições crônicas poderia instituir uma nova clínica na Estratégia de Saúde da Família97.

O atendimento de idosos frágeis, por exemplo, deve ser contínuo e ter como foco a avaliação e monitoramento da capacidade funcional, a avaliação e monitoramento dos medicamentos, a redução dos riscos de queda e o monitoramento do autocuidado e do trabalho dos cuidadores e da família14.

Segundo a PNSPI, a prática de cuidados às pessoas idosas exige abordagem global, interdisciplinar e multidimensional, que leve em conta a grande interação entre os fatores físicos, psicológicos e sociais que influenciam a saúde dos idosos e a importância do ambiente no qual estão inseridos. A abordagem também precisa ser flexível e adaptável às necessidades de uma clientela específica14.

Sendo assim, o restabelecimento da coerência entre a situação de saúde e um sistema integrado de saúde, voltado para a atenção às condições agudas e crônicas, exige a implantação das redes de atenção à saúde17.