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A abordagem de Modelos Cognitivos Idealizados tem se tornando um importante método de análise no interior da linguística, uma vez que nesses modelos são representadas as experiências humanas construídas no espaço físico-social.

É importante mencionarmos que a discussão em torno dos Modelos Cognitivos Idealizados, também referenciados como MCIs, originou-se a partir de estudos relacionados à psicologia Gestalt, corrente da psicologia moderna, surgida em meados do século XX na Alemanha, que teve como seus principais expoentes Max Wertheimer, Wolfgang Köhler, Kurt Koffka e Kurt Lewin. De acordo com essa corrente, a mente humana configura, por meio de diversas leis, os elementos que chegam até ela via percepção ou memória (a inteligência). Para a psicologia da Gestalt, o todo é mais do que a soma das suas partes. Nessa direção, aspectos relacionados a percepção, emoções, raciocínio e memória são considerados relevantes para a caracterização das estruturas linguísticas (LAKOFF, 1977). Foi George Lakoff um dos primeiros pesquisadores a desenvolver propostas de análise em torno de MCIs, tendo como principal objetivo verificar a organização do conhecimento.

Cienki (2007, p.176), com base no trabalho de Lakoff (1987), afirma que Modelos Cognitivos Idealizados “são propostas que funcionam como forma de organizar o

conhecimento, e não como reflexo direto de um estado objetivo de coisas no mundo”. Em outras palavras, os MCIs não são representações da realidade, mas são formas de idealização de modos, costumes e práticas desenvolvidos no espaço sociocultural.

Nesse sentido, Duque e Costa (2012, p. 76), explicam que:

Modelos Cognitivos Idealizados são conhecimentos, produzidos socialmente e disponibilizados culturalmente, que representam um papel relevante para a cognição humana: viabilizam o gerenciamento e uso do amplo conjunto de experiências adquiridas no dia a dia, durante toda a nossa vida.

De acordo com os autores, nós criamos modelos a partir da nossa experiência , e a partir deles, estabelecemos elos de interação na sociedade, uma vez que os modelos são compartilhados socialmente e culturalmente. Um exemplo disso é a nossa forma de organização da passagem do tempo sintetizada ou simbolizada em um calendário.

O calendário não é algo que existe, de fato, no espaço social, mas é uma representação mental idealizada da passagem do tempo, decorrente da necessidade de se demarcar um período em termos de dias, semanas, meses e anos. Essa representação tem como base o ciclo natural da terra em torno do sol.

No que se refere ao compartilhamento cultural de informações, a noção de calendário como MCIs só faz sentido para sociedades que compartilham da mesma informação, quanto à estruturação e organização deste. A noção de calendário leva em consideração as especificidades do tempo estruturado em ciclos, e o seu compartilhamento torna o modelo idealizado pela sociedade.

Eventos como carnaval, réveillon, jogos olímpicos e campeonatos podem ser considerados MCIs, já que eles evocam informações específicas de sua natureza que estão armazenadas em nossa memória. Por exemplo, a noção que temos de jogos olímpicos é de uma série de competições de diversas modalidades entre atletas de variados países. Esse evento é programado para ser realizado a cada quatro anos em uma cidade diferente, escolhida por meio de votação entre o comitê organizador dos jogos.

A considerar que todas essas informações são compartilhadas por um número significativo de pessoas no mundo, podemos então afirmar que os jogos olímpicos são a idealização do modelo de um evento, que ocorre num espaço físico e que tem como base a competição entre atletas de diversos países. Nesse sentido, “os modelos são idealizados, na medida em que envolvem uma abstração perceptual e conceitual, a partir da complexidade do mundo físico” (CIENKI, 2007, p. 176).

Como os MCIs são estruturas de conhecimento armazenadas na memória permanente de um usuário da língua, possibilitando-lhe conjecturar etapas posteriores de um evento já idealizado, consideramos relevante fazermos uso dessa abordagem em nossa dissertação, pois ao considerarmos o papel do conceptualizador no processo de elaboração de uma informação, sobretudo no que diz respeito a eventos com conteúdos relacionados ao tempo futuro, os MCIs são elementos cruciais para que o conceptualizador realize uma espécie de avaliação do desenvolvimento dos fatos, antecipando, em certa medida, algumas etapas desse evento, em função do conhecimento do próprio conceptualizador acerca da estruturação do evento.

A título de ilustração, analisemos um exemplo de nossos dados:

(05) América vence e vai disputar série A do campeonato carioca em 2016

Depois de cinco anos de ausência e sofrimento, um dos times mais tradicionais do Rio de Janeiro vai voltar à elite do futebol carioca em 2016, se juntando aos outros grandes Fluminense, Flamengo, Botafogo e Vasco. – (Jornal do Brasil – 15.07.2015)

Em (05), podemos notar que o conteúdo da matéria jornalística é referente ao campeonato carioca de futebol do ano de 2015. Tendo o conhecimento armazenado em sua memória sobre o regulamento da competição, o conceptualizador realiza uma espécie de projeção da realidade futura. Ele utiliza duas formas de expressão de futuro perifrástico para veicular a informação de que o América, campeão da série B do campeonato carioca, disputará o mesmo campeonato na série de elite no ano seguinte.

Nesse exemplo, chamamos a atenção para o grau elevado de certeza epistêmica do conceptualizador, no caso, o jornalista. Certamente, a informação sobre o funcionamento do campeonato carioca de futebol está armazenada na memória desse conceptualizador, possibilitando-lhe estruturar essa informação em um MCI relativo ao evento.

Dessa maneira, os Modelos Cognitivos Idealizados funcionam como uma espécie de memória enciclopédica, em que o significado linguístico de uma expressão dá-se por meio de uma relação de informações em redes. Devemos ressaltar que a antecipação pelo conceptualizador das etapas de um evento deve-se em função dessas informações que estão disponíveis na rede.

Por esse motivo, consideramos relevante os estudos dos Modelos Cognitivos Idealizados para o nosso trabalho, uma vez que eles nos auxiliam na análise do papel do

conceptualizador durante o ato de produção de uma informação. As seções seguintes tratarão de MCIs mais específicos, relacionados ao tempo e à modalidade, como ponto de partida, uma vez que tais modelos foram formulados com base nos estudos dos modais na língua inglesa.