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1. REGIONALISMO

1.5 Modernismo: o regional como dilaceração

Surgindo sob a égide das vanguardas europeias e se autoproclamando alternativa viável para o sempre postergado reconhecimento internacional do país, o Modernismo literário brasileiro figura, ao lado do Romantismo, como um dos momentos cruciais para a história intelectual nacional. Com seu caráter combativo, buscou contornar a suposta falta de capital literário por antiguidade por meio da criação de um novo espaço das letras, no qual interessava menos o poder de legitimação dos clássicos do que a deglutição autoral das mais recentes manifestações artísticas internacionais. Por essa via, planejava inserir o país na república mundial das letras pelo que ele poderia oferecer de verdadeiramente novo, uma vez que o capital simbólico da literatura até então produzida se afigurava relativamente reduzido aos olhos de parte da intelectualidade local. Procuravam fugir, portanto, da equação segundo a qual, na “república mundial das letras”, “os espaços mais dotados são também os mais antigos, isto é, aqueles que primeiro ingressaram na concorrência literária e cujos ‘clássicos’ nacionais são também ‘clássicos universais’.”205

Desprovidos de clássicos universais, visto que mesmo o cânone nacional não era exatamente bem avaliado, os modernistas elegeram dois frontes de batalha: de uma parte, o ataque ao que se considerava passadismo e literatura de importação carente de identidade; de outra, o imediato alinhamento ao que de mais recente se produzia no mundo, ou seja, as vanguardas europeias e seu apelo ao primitivismo. Para este segundo ponto, tomaram como programa uma aproximação judiciosa às fontes, com a premissa – mesmo antes de anunciá-la em 1924, com o Manifesto da poesia pau-brasil, e em 1928, com o Manifesto antropófago – de deglutir criticamente o que colhiam junto aos artistas europeus, oferecendo em retorno uma literatura paródica e irreverente, que não pagava tributo ao passado nacional nem às fontes inspiradoras. Caracterizada por forte nacionalismo, almejava modificar o trânsito de informações, então identificado como via de mão única no sentido Europa-Brasil, colocando-

se não só como via de acesso ao imaginário local, mas também como visão de mundo alternativa.

Ao explorar os mecanismos de legitimação do campo literário e a força diruptiva ligada aos modos de ser das vanguardas, os modernistas redesenharam o mapa literário brasileiro e efetivamente contribuíram para seu reconhecimento em nível internacional. Se, como aponta Casanova, os clássicos são privilégio das nações literárias mais antigas e respondem à exata definição que elas mesmas forjaram do que deve ser a literatura206, o Modernismo compreendeu como ninguém esse mecanismo e arquitetou um discurso complexo, que intercala a consciência da dívida externa, a denegação do passado nacional imediato e a afirmação veemente da novidade que produzia. Sem poder recorrer a clássicos ancorados na antiguidade e legitimados pelos centros de poder, os modernistas conceberam uma retórica que buscava fazer deles mesmos o centro de poder, alcançando um resultado ao que tudo indica até então inédito nas letras brasileiras.

Sabendo que partiam da legitimidade estrangeira, empregaram discurso próprio para

fazer crer que uma ruptura com parte do passado – sobretudo com o Parnasianismo – seria

imprescindível para a saúde literária do país e para fazer ver que detinham o aparato necessário à tarefa. Com o tempo e com o progressivo reconhecimento crítico, tornaram-se solução legítima para a situação periférica do Brasil. Na profusão de revistas editadas, observam-se recorrentes menções ao estado do campo internacional das artes, sobretudo o francês, aliadas a frequentes referências a felicitações recebidas ou a diálogos mantidos com intelectuais de além-mar e à má qualidade da arte brasileira, que, no entender do movimento, arrastava-se sem novidades desde o final do século. Assim procedendo, o movimento alterou os termos do jogo e conseguiu formular uma equação diferenciada, na qual a questão das influências era repensada sob a óptica das trocas – ponto que seria em parte revisto por Mário de Andrade207 – e o produto era concebido como dotado de certa originalidade canibal.

Precisamente nessa inversão de expectativas reside um dos grandes méritos do Modernismo. Amadurecido ao longo de décadas, o movimento que eclode nos anos de 1920 logra tomar para si o protagonismo da identidade literária brasileira, veiculando-a como manifestação legítima à medida que a atrela a um referencial cosmopolita – emprega novas técnicas expressionistas e cinematográficas, que alia a um forte interesse antropológico pelo primitivo, conformando novo olhar sobre o espaço brasileiro. Essencialmente, tece laços que objetivam valorizar a imagem da nação, assim como fizera o Romantismo e diferentemente

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CASANOVA, Pascale. La république mondiale des lettres, p. 34 – 35. 207 Cf. ANDRADE, Mário de. Modernismo e ação, p. 544 – 545.

do que se presenciara no Realismo e no Naturalismo. Com isso, capitaliza a identidade literária brasileira e a torna reconhecida, nos termos de Bourdieu, de modo que passa a depender menos de um passado de clássicos e de obras tidas por universais do que da novidade que é capaz de oferecer.

Nessa perspectiva, o movimento parece se diferenciar de seus antecessores principalmente por uma aguçada consciência dos jogos inerentes ao campo da arte e por notável êxito no manejo das ferramentas de que se serviu nas lutas simbólicas que enfrentou. Exemplo disso é o já aludido problema da periodização, tema aqui pertinente devido a suas ligações com o Regionalismo. Segundo Paulo Moreira, em trabalho que lida com escritores pertencentes a três tradições artísticas e linguísticas distintas, há algumas diferenças relevantes na apreciação dos diversos modernismos, conforme a matriz crítica que deles se ocupa. Na abordagem da tradição anglo-saxônica, o termo possui a vantagem de abarcar um período maior de tempo e diferentes escolas.208

Segundo o autor, há nas literaturas de expressão inglesa “um modernism da segunda metade do século XIX, de que fazem parte, por exemplo, o naturalismo na prosa e no teatro e o simbolismo na poesia”, assim como há um high modernism, caracterizado sobretudo pelo ano de 1922, com Ulysses, de Joyce, e The waste land, de T. S. Eliot.209 Do mesmo modo, no caso hispânico, o “movimento internacional, particularmente forte na América Latina, inspirado pelo Simbolismo, Parnasianismo e Decadentismo franceses e tendo como destaque a figura do poeta Rubén Darío (1867 – 1916)”, recebe a designação de modernismo e se inicia no fim do século XIX, estendendo-se até princípios da década de 1920.210

O caso brasileiro desenrolou-se de maneira diversa. Deixando de lado a denominação inicial de Futurismo, a vanguarda brasileira do início do século XX preferiu o título de Modernismo. Com a formação de uma matriz crítica oriunda desse contexto, às correntes anteriores foi destinada a designação ideologicamente marcada de “pré-modernismo”. Eis que, segundo o estudo de Moreira, o “termo em espanhol que acomoda a obra de José Martí e Rubén Darío, e o termo em inglês, que acomoda Mallarmé e Ibsen, acomodariam Cruz e Souza e Machado de Assis em seu período maduro.”211 Isso aponta para o fato de que autores a princípio fora de seu tempo, ou “inclassificáveis”, por vezes apenas realçam a imprecisão crítica, que no Brasil parece ter confinado todo um período de literatura moderna a um limbo temporal prejudicado por pré-julgamentos e realinhamentos.

208 MOREIRA, Paulo da Luz. Modernismo localista das Américas: os contos de Faulkner, Guimarães Rosa e Rulfo, p. 34. 209

MOREIRA, Paulo da Luz. Modernismo localista das Américas: os contos de Faulkner, Guimarães Rosa e Rulfo, p. 32. 210

MOREIRA, Paulo da Luz. Modernismo localista das Américas: os contos de Faulkner, Guimarães Rosa e Rulfo, p. 32 – 33. 211 MOREIRA, Paulo da Luz. Modernismo localista das Américas: os contos de Faulkner, Guimarães Rosa e Rulfo, p. 33.

Se no estudo de Moreira o “termo em inglês em seu sentido mais amplo nos é útil na medida em que ressalta as continuidades entre a literatura produzida desde finais do século XIX até os anos de 1960”212, neste trabalho essa perspectiva interessaria por tornar menos surpreendentes algumas ressonâncias e filiações de Guimarães Rosa à longa tradição regionalista brasileira. No entanto, não se pretende proceder a um estudo detalhado das terminologias consolidadas, tampouco tem-se por objetivo qualquer redefinição nesse sentido. O que interessa a este trabalho é a consciência dessa, digamos, elasticidade conceitual, para que os próprios vícios de formação que carrega o autor não impeçam de verificar ligações a princípio improváveis entre escritores que a história da literatura segue mantendo distantes.

Sem desejar trazer para o Brasil uma periodização consolidada em uma matriz crítica completamente diversa, deve-se apenas ter em mente o fato de que muito embora várias obras já referidas comportem características nitidamente modernas seja na temática, seja no tratamento estilístico da matéria, não são poucos os casos em que essa dimensão quedou silenciada. Com efeito, devido à perspectiva que observa sobretudo a partir das lentes da vanguarda, não há nas letras brasileiras modernos e modernistas. Dada a proposta de ruptura ofertada pelas manifestações da década de 1920, em alguns momentos parece ter-se criado um fosso de difícil transposição, tornando custosa a visão de ressonâncias como as que aqui se investigam. Por óbvio, se por um lado é árdua a tarefa de deslindar os termos moderno, modernista e vanguarda, por outro se verificam, na imprecisão do aparato teórico, as dificuldades para pensar as obras vinculadas ao Regionalismo.

De todo modo, está ainda por ser realizado um estudo aprofundado da aguçada visão dos modernistas quanto às disputas simbólicas pelas maneiras legítimas de fazer literatura no Brasil. Por ora, pode-se afirmar sem grandes riscos que a percepção do Regionalismo entrou em decadência inversamente proporcional à ascendência de obras que deveriam, a bem da verdade, ser abarcadas por essa vertente. Em outros termos, enquanto a produção de um autor como Guimarães Rosa obteve a legitimação que a enquadrou nos mais altos patamares da literatura, a tendência regionalista, à qual o autor mineiro deveria ser vinculado sem reservas, sofreu processo inverso no que concerne ao prestígio. A deslegitimação progressiva do Regionalismo a partir do período modernista impediu, portanto, que diversas obras posteriores, tornadas clássicas, pudessem ser vinculadas à tradição correspondente.

O fato de hoje tal assertiva não ser tão arriscada se deve ao afastamento temporal dos objetos estudados, o que necessariamente arrefece os ânimos dos contendores e, em certa

medida, impede manifestações como aquelas observadas na segunda fase da Revista de

Antropofagia, em meados de 1929. Naquele momento, dirigida por Geraldo Ferraz, a

publicação adquiriu tons muito mais ácidos do que no ano anterior, sob o comando de Antônio de Alcântara Machado. Agora o debate talvez possa se situar predominantemente no âmbito da academia, sendo tratado com boa dose de crítica e menos paixão. Isso porque não são mais cabíveis manchetes como aquela veiculada no Diário de São Paulo de 4 de julho de 1929, na seção então ocupada pela “2ª dentição” da Revista, a qual sentenciava que “o movimento antropofágico repercute por todo o Brasil, empolgando os espíritos jovens, na luta contra a mentalidade colonial e contra a arte e a literatura de contrabando.”213

É sintomático da percuciência modernista quanto à estrutura do campo das artes que os autores do periódico atribuíssem a outras obras o título de arte e literatura de contrabando, quando naquela mesma página da revista, à direita, traziam textos em francês sobre a promessa antropofágica e, à esquerda, “Algumas opiniões da grande crítica parisiense”214 sobre a exposição de Tarsila do Amaral a ser aberta naquele mês, no Rio de Janeiro. Vê-se, rapidamente, que o elemento estrangeiro jamais deixou de fazer parte das balizas brasileiras de autoafirmação, mas a intelectualidade local manejou-o de variadas maneiras em suas justificativas e argumentações, conseguindo o prodígio de empregá-lo ora com caráter abalizador, ora como instrumento de condenação.

Sobretudo em se considerando o contexto no qual se insere o Modernismo de 1922, avulta o paradoxo. Justamente em meio à pujança da modernidade, iniciada, é certo, no mínimo um século antes, como demonstra Marshall Berman215, o movimento que adota uma denominação que representa um repertório de ideias responsáveis por uma promessa de modernização cultural parece incapaz de aceitar, nos períodos anteriores, as mesmas influências que não consegue deixar de sofrer. Conquanto as distâncias se tornassem cada vez menores e os contatos fossem travados com crescente rapidez, parte da argumentação desenvolvida pela vanguarda brasileira parecia renegar a influência em privilégio de suposta originalidade nacional – muito embora tivessem ciência dessa impossibilidade, como atestam as referências aos pares franceses. Com efeito, muito mais do que identificar nas correntes anteriores forças adventícias a pretexto de defeitos, a questão que se coloca é a necessidade de pensar a si próprio como movimento fundador e, evidentemente, inserir paulatinamente tal

213 CASTRO, Genuino de. desde o Rio Grande ao Pará!, s/p. 214 REVISTA DE ANTROPOFAGIA, ano 2, n. 13, jul. 1929, s/p. 215

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar, p. 25 – 26. Especialmente aquilo que o autor define como a segunda fase da modernidade, iniciada com a grande onda revolucionária de 1790, de fortes reverberações na vida pública.

ideia no imaginário social brasileiro.

Com isso, a guarida da crítica francesa é, a partir da década de 1920 e em um meio muito específico, tacitamente utilizada como fonte de legitimação para a estética em recente ascensão, ao passo que a identificação de qualquer lastro europeu nas produções da fase posteriormente rotulada de pré-modernista surge rodeada por exclamações de demérito. Enquanto o Romantismo brasileiro passara relativamente incólume pelas lentes modernistas216, posto que seu legado já estava consolidado, seus próceres demarcados e seu ciclo terminado, o inimigo a ser combatido era uma manifestação mais ou menos coesa e formada por alguns nomes de peso na vida cultural do país. No espaço de tempo compreendido razoavelmente entre 1890 e 1920, escritores como Alcides Maya, Simões Lopes Neto, Roque Callage, Hugo de Carvalho Ramos, Valdomiro Silveira, Afonso Arinos, Coelho Neto, Monteiro Lobato, dentre outros, escreveram com relativa proximidade temática e estilística, sendo que alguns deles, principalmente os três últimos, a despeito de suas diferenças, angariaram considerável reputação.

São compreensíveis, portanto, os abertos ataques ao que o período era acusado de representar, de forma que o Modernismo pudesse encontrar sua própria sustentação na vitória sobre o adversário. No mesmo número da Revista de Antropofagia anteriormente mencionado, não é inocente, por exemplo, a nota sobre a adesão de Monteiro Lobato ao movimento: “Monteiro Lobato adere à antropofagia”217, estampa o periódico. O escritor que começara a produzir anos antes da famosa Semana de Arte Moderna e que protagonizara a não menos famosa crítica à obra de Anita Malfatti218, agora se unia ao Modernismo, contribuindo para a consolidação de sua importância. Pela via contrária, diversos daqueles escritores foram progressivamente relegados ao esquecimento, sendo salvos esporadicamente e muitos anos mais tarde, por um ou outro estudioso, como é exemplar o caso de Simões Lopes Neto219 – que, a propósito, mantivera contato com Coelho Neto.

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Mário de Andrade inicialmente dedicara Macunaíma a José de Alencar, mas já na terceira edição da obra alterou a dedicatória da obra para o amigo Paulo Prado, como se temesse ser alcunhado de passadista.

217 REVISTA DE ANTROPOFAGIA, ano 2, n. 13, jul. 1929, s/p. 218

Em dezembro de 1917, Anita Malfatti, já francamente modernista, realiza sua segunda exposição em São Paulo e recebe severas críticas de Monteiro Lobato por meio do artigo “Paranoia ou mistificação – a propósito da Exposição Malfatti”, por ele publicado no jornal O Estado de São Paulo. A rigor, as críticas de Lobato se dirigiam ao ideário modernista, tendo sido apenas desencadeadas pela exposição, mas geraram a devolução de alguns quadros da pintora e larga polêmica entre os intelectuais da época.

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Natural da cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, viveu e produziu fora do tradicional eixo cultural brasileiro. Sua obra demorou a transcender os limites de seu estado de origem e a ser amplamente conhecida em território nacional, e mesmo isso talvez só tenha sido possível devido a um esforço por parte da crítica no sentido de “desideologizar” a obra, atribuindo-lhe certo caráter universal (cf. ARENDT, João Claudio. Contribuições alemãs para o estudo das literaturas regionais, p. 223; ARENDT, João Claudio. Histórias de um Bruxo Velho:

Cogitar os caminhos que as letras brasileiras teriam tomado se tivessem sido outras as balizas é, evidentemente, especular, e traz pouco proveito. Jamais será possível saber que inspirações poderia ter rendido a solução estética encontrada por Simões Lopes Neto para a mediação entre o discurso do autor, do narrador e das personagens, à maneira de uma poética da oralidade, em seus Contos gauchescos, devido ao não transbordo de sua literatura para além das fronteiras do regional naquele momento. Se tal transbordo, como defende Sigurd Paul Scheichl, caracteriza-se especialmente pelo ingresso em um sistema literário mais amplo, o que pode se dar na publicação por editoras de reconhecimento suprarregional e na recepção por um público igualmente vasto220, é certo que a obra do escritor só conseguiu ultrapassar tais fronteiras a partir de 1949. Nesse ano, segundo Arendt, inaugura a Coleção Província da Editora Globo e vem acompanhada do prefácio de Augusto Meyer, do glossário de Aurélio Buarque de Holanda e do estudo biográfico de Carlos Reverbel, obtendo reimpressões em 1950, 1951, 1953, 1957, 1961, 1965 e 1973.221 De todo modo, se aquela solução, como aponta boa parte da crítica, veio repercutir na prosa rosiana quase meio século mais tarde, não é possível saber quais teriam sido seus efeitos caso não tivesse havido profunda alteração de paradigmas pouco tempo após o lançamento da obra.

A esse respeito, é relevante a análise de Pierre Bourdieu acerca da constituição do campo literário francês, no qual se observam inúmeras “revoluções” do início do século XX, tais como sintetismo, impulsionismo, aristocratismo, unanimismo, druidismo, futurismo, intensismo, floralismo, simultaneísmo, desenfreísmo, totalismo etc.. Na esteira desses acontecimentos, Bourdieu constata que naquele momento “a revolução tende a impor-se como o modelo do acesso à existência no campo”222, mesmo que a não permanência da grande maioria dessas propostas, incapazes de fazer sucessores, indique que acesso não é sinônimo de consolidação. Nessa leitura, o Modernismo de 1922 repete no Brasil a mesma estrutura identificada na França, uma vez que, além de possuir evidentes influências, desdobra-se em diversas correntes internas e apresenta dificuldades em produzir sucessores. Instituiu a revolução como modelo e de fato abalou a vida intelectual do país, mas deixou como legado muito mais uma ideia difusa – mas perene – de libertação formal, do que continuadores propriamente ditos.

O próprio Mário de Andrade, em uma das missivas reunidas no volume Cartas a

Manuel Bandeira, reconhece o caráter exagerado da fase inicial do movimento modernista.

220 SCHEICHL, Sigurd Paul apud ARENDT, João Claudio. Contribuições alemãs para o estudo das literaturas regionais, p. 223 – 224.

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ARENDT, João Claudio. Contribuições alemãs para o estudo das literaturas regionais, p. 222. 222 BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário, p. 146, grifo original.

Sua fala deixa entrever contradições que à época pareciam não saltar aos olhos dos intelectuais e que mesmo depois parecem ter ficado distantes dos olhos da crítica. Exemplo disso é o reconhecimento de que naquele tempo andavam todos preocupados demais com novidades de França, Itália e Alemanha. Ao final do trecho, se Mário acerta ao defender as descobertas modernistas, não parece possível concordar que tudo teria continuado como estava, caso não tivesse havido a “ruptura”. Afinal, se “o moderno evoluciona”, por que o restante não? De qualquer forma, é interessante que nem mesmo o autor se coloque como continuador do Modernismo. Demonstrando que as contraposições não são tão rigorosas como pode fazer crer a história, situa-se como “moderno” e descendente do Simbolismo, e não mais modernista.

O que eu faço, e talvez já reparaste nisso, é uma distinção entre modernos e modernistas. Sobre isso aquele [sic] pedaço da minha crítica está muito intencionalmente escrito “o poeta (você) que é sincero e não se preocupa em

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