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Realismo-Naturalismo: o regional como constatação da ruptura

1. REGIONALISMO

1.4 Realismo-Naturalismo: o regional como constatação da ruptura

A década de 1870 é uma particular encruzilhada no pensamento intelectual brasileiro, o que ocorre graças à permeabilidade das escolas de pensamento, que não se sucedem de modo estanque e, com isso, produzem momentos ímpares no imaginário social, quando convivem preceitos contraditórios e observam-se intensas disputas pela legitimidade das formas de perceber o mundo. Naquele momento, segundo Coutinho, a ideia da nacionalidade gestada ao longo dos decênios precedentes encontra-se apta “a ser fecundada pelo pensamento científico e materialista, e pela estética realista, do que resultarão as novas fórmulas do regionalismo literário que caracterizarão a literatura brasileira.”166 Essa década marca novo processo de virada intelectual no Brasil, uma vez que já sofriam questionamentos as perspectivas românticas e grassava entre uma parcela dos pensadores uma visão cientificista da sociedade.

No Brasil, ao mesmo tempo em que continuavam a vir a lume publicações de cunho romântico, as novas diretrizes apoiadas nas ciências sociais, biológicas e exatas se mesclariam não só com os pressupostos de movimentos artísticos recentes, como o Parnasianismo, mas também com os do Simbolismo e do Impressionismo por virem. A síntese de elementos é

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RIBEIRO, Santiago Nunes. Da nacionalidade da literatura brasileira, p. 39. 165

RIBEIRO, Santiago Nunes. Da nacionalidade da literatura brasileira, p. 41.

peculiar em território brasileiro, uma vez que a posição periférica do país se traduzia em uma coabitação de ideias incompatível com o que se verificava no Velho Continente. Se os ideários cientificista e materialista casavam razoavelmente bem com o Realismo e com o Naturalismo que se desencadeavam na Europa, no Brasil produziam resultados ímpares quando abordados pela óptica parnasiana, simbolista ou impressionista, tendo por objeto realidades radicalmente distintas daquelas que os haviam originalmente fecundado.

A literatura brasileira da segunda metade do século XIX desenvolve-se conflituosamente, observando grandes mudanças no imaginário ocidental e lidando com as intrincadas reformas políticas que se gestavam no interior do país, as quais ganham força com a Lei do Ventre Livre, de 1871, a Lei dos Sexagenários, de 1885, a Lei Áurea, de 1888, e finalmente a Proclamação da República, em 1889. O ano de 1870 é particularmente marcante, já que, segundo Murari, a partir daquele instante

a sociedade brasileira experimentou profundas transformações no sentido da modernização institucional, e que conduziriam, ao fim, à derrocada da ordem monárquica: foi o ano do fim da Guerra do Paraguai, símbolo da mobilização das forças do Império, e da fundação do Partido Republicano, primeiro sinal da agremiação das novas elites pela transformação do regime de governo; foi o ano do início do ministério reformista do Barão do Rio Branco, que, entre outros feitos, estabeleceu as diretrizes do processo de abolição gradual da escravatura; e foi também a referência para a criação da chamada “escola do Recife”, grupo de intelectuais reunido em torno da influência de Tobias Barreto na Faculdade de Direito do Recife e que, genericamente, viria a denominar uma tradição intelectual conhecida como a “geração de 1870”.167

Muito embora nesse período a estética romântica ainda vigorasse, como comprovam as obras de José de Alencar, já se faziam ver consideráveis mudanças nas maneiras de pensar a sociedade, agora com base em renovado aporte de teorias europeias, que à época assinalavam um sopro progressista, transformista e evolucionista. A partir da fusão desses elementos, pode-se começar a compreender a conjuntura intelectual que o país viverá até os anos vinte do século seguinte. Afinal, intelectuais e artistas não mais atendem a apenas um critério de qualidade e a um grande projeto – a construção da nacionalidade –, mas respondem a uma pluralidade de doutrinas científicas e estéticas, às quais se somam posicionamentos políticos e éticos inerentes ao contexto efervescente que viviam. Nesse sentido, são únicas as obras catalisadas por essa atmosfera, não só pelo quanto representam de registro documental da história do país, mas principalmente por consistirem em documentos artísticos de um estado particular do campo da arte. Por isso, não podem ser lidas tão somente como

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MURARI, Luciana. Literatura e transformação da sociedade no debate intelectual brasileiro: dos modernistas de 1870 aos modernistas de 1922, p. 168.

documentos históricos, como costuma ocorrer; são antes de mais nada documentos de arte. Apesar dos caminhos diversos posteriormente tomados pela história literária no Brasil, não é à toa que José Veríssimo tenha atribuído a essa “geração de 1870” o rótulo de “modernismo” na sua História da literatura brasileira publicada em 1916.168 Definição pouco compreendida no entender de Murari, refere-se ao novo instrumental teórico-metodológico que tornava possível uma disposição entusiástica, renovadora e autoconfiante entre a intelectualidade brasileira.169 Com efeito, o final daquele século traz a percepção de um fosso cavado entre o Brasil do passado e o Brasil do futuro, implicando forte consciência de transição histórica. Segundo Murari,

Esta percepção da mudança histórica e de um contínuo deslocamento do sensível fraturava a representação do real, insuflando o sentimento de perda dos referenciais temporais e espaciais que guiavam a percepção do mundo, o que nos permite pensar a modernidade de um contexto cultural

simultaneamente progressista, romântico, naturalista, mistificador e idealista.170

É um momento, enfim, em que, sobretudo na representação de espaços rurais, “se multiplicavam os sinais de um dilema insolúvel entre a visão afetiva da tradição e sua repulsa instantânea.”171 Nessa fluidez entre uma compreensão nostálgica do país e uma consciência transformadora da realidade localiza-se o aspecto modernista do período, mesmo que obscurecido pela subsequente implantação do rótulo “pré-modernista”, cujos pressupostos teóricos dificultam uma análise histórica que dê conta da complexidade do panorama e que seja capaz de apontar as continuidades que, para além das rupturas, constroem a grande História.

Nesse contexto, segue-se, mescla-se e influencia-se mutuamente todo um repertório de estilos de época, não raro tornando quase impossível a tarefa crítica de identificá-los e separá- los em uma mesma obra. Para Afrânio Coutinho, “o quadro da literatura na passagem do século mostra o Impressionismo, como herdeiro e continuador do Realismo; o Simbolismo, prolongamento do Romantismo, e em que invadiu o ‘decadentismo’; o Parnasianismo, expressão do Realismo-Naturalismo na poesia.”172 Todavia, para além de registrar tal conjunto de vertentes, o período as coloca em contato de modo rizomático.

Com isso, encontrar-se-á nos textos finais de Alencar, por exemplo, certo interesse

168 VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira, p. 151 – 156.

169 MURARI, Luciana. Literatura e transformação da sociedade no debate intelectual brasileiro: dos modernistas de 1870 aos modernistas de 1922, p. 168 – 169.

170 MURARI, Luciana. Literatura e transformação da sociedade no debate intelectual brasileiro: dos modernistas de 1870 aos modernistas de 1922, p. 169, grifo nosso.

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MURARI, Luciana. Literatura e transformação da sociedade no debate intelectual brasileiro: dos modernistas de 1870 aos modernistas de 1922, p. 170.

realista, ainda que sem prejuízo de sua preponderância romântica. Nada comparável, entretanto, às sínteses de Coelho Neto e Afonso Arinos, clivadas de variações. Há nas obras destes dois escritores o interesse realista da localização e da descrição, da representação de sujeitos comuns e não heroicos, ao lado de uma retórica ora impressionista, que define pouco e pinta cenas que se sucedem difusamente, ora simbolista, no que têm de visceral, sentimental e decadente. Tudo isso realçado por um cuidado parnasiano com a palavra e pela aplicação de princípios evolucionistas e deterministas como lentes para observar o mundo a ser representado. Conjunto semelhante, se bem que menos radical, observar-se-á em Euclides da Cunha, autor em que as contradições estilísticas penetram o cerne da criação.

O alto nível de amálgama de estilos que se verifica na vigência do Realismo- Naturalismo no Brasil é, em suma, crucial para a compreensão da obra de escritores como Coelho Neto, Afonso Arinos e Euclides da Cunha – mormente dos dois primeiros, que, por não terem alcançado a fatura de Os sertões, têm recebido atenção menor do que a importância que tiveram para o campo literário brasileiro. Verdadeiros bricoleurs de estilos, Coelho Neto e Arinos sintetizaram sua época e legaram a seus sucessores os resultados de diversas experiências técnicas, principalmente no que se refere ao registro da oralidade. Nesses autores, a representação do regional não teve a mais polifônica difusão de pontos de vista narrativos, mas certamente testemunhou uma de suas mais plurais composições estilísticas.

Assim podem ser compreendidas certas narrativas de Sertão e de Pelo sertão, de Coelho Neto e Afonso Arinos respectivamente, nas quais a ambientação regional das tramas divide espaço com a profusão de estilos. É o caso de contos como “Assombramento – História do sertão”, de Arinos, ou “Cega”, de Coelho Neto, nos quais a aspereza do sertão partilha as páginas com o simbolismo das soluções, dos dramas e dos motivos. Já do ponto de vista narrativo, as estratégias diferem: o primeiro carrega no acento impressionista, enquanto o segundo prioriza o parnasianismo da palavra exata e dos torneios frasais. De todo modo, nos dois casos, a realidade está submetida ao “espiritual”, ao “místico”, ao “subconsciente”; há uma “ênfase na imaginação e na fantasia” para o desencadear de “conflitos pouco explícitos”; há “algo de incomum nos momentos vividos pelas personagens”, além de um “tom altamente poético”.173

No entanto, como esperado, nem todos os elementos simbolistas se fazem presentes, visto que a atmosfera em que vivem os escritores professa também interesses realistas e naturalistas, além de postulados de ordem científica que primam pela explicação racional do

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Cf. características do Simbolismo arroladas por COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil, p. 218 – 219.

mundo. Daí haver contos como “Praga”, no mesmo Sertão, cujo motivo de base é uma epidemia de cólera, ou “A cadeirinha” e “A esteireira”, em Pelo sertão, nos quais se sucedem observações de cunho determinista e evolucionista sobre personagens e habitantes da região. Evidentemente, há uma mescla de modos de apreender e representar a realidade, de maneira que por vezes o empenho científico se submete à experiência sensorial e imaginativa. Há que se compreender, portanto, as escolhas dos autores a partir dessa peculiar síntese de elementos.

No que se refere à dimensão simbolista da vivência intelectual no período, Afrânio Coutinho destaca que, “Sendo a vida misteriosa e inexplicável, como pensavam os simbolistas, era natural que fosse representada de maneira imprecisa, vaga, nebulosa, ilógica e ininteligível, indireta e obscura.”174 Veja-se “Praga”, conto já mencionado. Nele, o interesse científico pela epidemia é substituído pelo cunho simbólico que a doença pode veicular, de modo que o narrador pouco se detém em seus sintomas ou efeitos. O cientificismo naturalista é logo deixado de lado em privilégio do transe de Raymundo. Desencadeado pelo mal, o delírio sugere uma série de símbolos que resgatam as memórias sombrias da personagem e as inscrevem no ambiente noturno pelo qual ela transita.175

Porém, apesar da opinião de Coutinho de que “seria natural” que optassem pelas soluções observadas, tal benevolência crítica raramente foi colocada em prática, e os escritores do fim do século XIX se viram duramente censurados pelos produtos de suas escolhas estilísticas. Nessa mesma linha, pode-se destacar, ainda com Coutinho, a presença subestimada do Impressionismo nas formas escritas:

Na pintura e na música, tem sido estudado amplamente, e sua importância reconhecida como o último grande estilo de unidade universal. Na literatura, contudo, o fenômeno só recentemente vem sendo caracterizado como um período estilístico, com sua individualidade bem marcada, não obstante a dificuldade de isolá-lo completamente do Realismo-Naturalismo, no seu início, e do Simbolismo, no outro extremo.176

A bem da verdade, o próprio desejo de isolá-lo das manifestações vizinhas parece fadado ao fracasso. Considerado resultante das transformações do Realismo devidas à reação idealista, o Impressionismo é originalmente produto de uma fusão de elementos: simbolistas de um lado, realístico-naturalistas de outro.177 Ou seja, sequer pode ser extremado por Realismo e Simbolismo, como se se tratasse de período intermediário. O próprio crítico parece perceber essa característica conforme desdobra seu raciocínio, como se entrevê nas referências acima.

174 COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil, p. 217. 175

COELHO NETO, Henrique Maximiano. Sertão, p. 41 et seq. 176

COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil, p. 222. 177 COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil, p. 223.

No caso brasileiro, a obra de Afonso Arinos é perfeito exemplo da dificuldade de isolar o Impressionismo, pois assinala os matizes que as correntes de pensamento receberam em território nacional. Em diversos momentos, de que são exemplares contos como “Buriti perdido” e “Paisagem alpestre”, ambos de Pelo sertão, o interesse pelo referencial persiste, mas está subordinado à impressão provocada por ele no espírito do artista, conferindo à narrativa caráter de imprecisão, de sensação fugidia e certa claridade difusa – ao contrário da nebulosa escuridão simbolista. No caso de “Paisagem alpestre”, identifica-se já no título uma intenção impressionista de todo incomum na arte da palavra: tal como nas artes plásticas, o autor anuncia tratar-se tão somente da pintura de uma paisagem, ao invés de uma narrativa com início, meio e fim, protagonistas e personagens secundários, enredo e intrigas. Importam a observação da paisagem regional e as sensações por ela despertadas.

Mas não é necessário chegar a esse extremo para constatar o Impressionismo em termos literários. Ele convive também com formas menos afastadas da estrutura narrativa convencional, como em “Desamparados”, de Pelo sertão, conto em que é narrado o encontro de uma comitiva que atravessa o sertão entre Minas Gerais e Goiás com “uma pobre criatura incompleta, insexual, nem menino, nem homem”.178 No texto curto, tem-se tanto o registro da realidade circundante, como as impressões que causa ao grupo de viajantes a figura raquítica do sertanejo. O quadro é breve e se encerra praticamente sem desfecho, quando o sujeito encontra um ninho de perdizes à beira da estrada. Nesse caso, ainda que haja personagens e enredo, este último é tênue, as descrições mais definem estados de alma do que marcos físicos e a brevidade da cena faz pensar na imagem estática e pouco nítida de uma tela.

Em termos de expressão escrita, Coutinho reporta-se à obra de Addison Hibbard para ressaltar algumas das características fundamentais do Impressionismo. De posse delas, pode- se melhor compreender a literatura do fin de siècle no Brasil:

Violação da estrutura e convenções tradicionais da técnica da narrativa. O enredo é retorcido, subordinado ao estado de alma, que, assim, dá lugar a uma técnica própria de narração. Não são os acontecimentos que importam acima de tudo, porém o deleite das sensações e emoções criadas; a unidade, a coerência, o suspense, são condicionados à atmosfera, às sensações, às cores e qualidades tonais de que deriva o efeito total. Os elementos literários cedem o lugar aos aspectos pictóricos. As massas quebram-se em detalhes. Daí certa impressão de vago, difuso, obscuro, sem sentido, sem começo nem fim [...]179

Deve-se combater, porém, a percepção de que todo o esforço artístico nessas obras seria fruto das sensações. Na verdade, assim como na pintura, a impressão de vagueza, o

178

ARINOS, Afonso. Pelo sertão, p. 65.

difuso do ambiente, a profusão de emoções e a atmosfera um tanto flutuante são produtos de um esforço consciente e racional do artista. De fato, é a partir da certeza de que não se pode captar a realidade tal qual ela é que surge o princípio de representá-la segundo a percepção humana, e, acima de tudo, do artista. Esse preceito, no caso brasileiro, conjuga-se com o quadro científico em vigor e origina resultados únicos, como a sequência da caracterização da “pobre criatura incompleta” de Arinos, “cujo rosto chupado tinha uma expressão de contrastadora alegria, nos lábios descarnados que nem podiam se unir, nos olhos pequenos e admirativos que nos esguardavam como a coisas exóticas.”180

No Regionalismo literário brasileiro, não raro, ao quadro impressionista da paisagem ou ao teor simbolista do conjunto narrativo incorporaram-se os conhecimentos científicos em voga, com vistas à adequação ao imaginário – e ao gosto – vigente no campo intelectual e artístico de então. Realismo e Naturalismo desdobraram-se em produtos peculiares em solo brasileiro, desafiando ainda hoje todo esforço analítico. Portanto, não é aconselhável reduzir a duas ou três características a complexidade de um período que viu conviverem ao lado de Coelho Neto, Afonso Arinos e Euclides da Cunha prosadores como Raul Pompeia e Machado de Assis.

Nesse sentido, não se podem tomar por acertadas as definições de Alfredo Bosi para aquele final de século, já que em sua perspectiva, uma vez alcançadas as metas políticas da Abolição e do novo regime, “a maioria dos intelectuais cedo perdeu a garra crítica de um passado recente e imergiu na água morna de um estilo ornamental, arremedo da belle époque europeia e claro signo de uma decadência que se ignora.”181 Em seu entender, o que se verifica a partir da última década do século XIX é uma forma degenerada de art nouveau:

Estetismo, evasionismo, “pureza” verbal precariamente definida, sertanismo de fachada, lugares-comuns herdados à divulgação de Darwin e de Spencer, resíduos da dicção naturalista de cambulhada com clichês do romance psicológico à Bourget carreiam para a prosa de um Coelho Neto e de um Afrânio Peixoto os vícios do Decadentismo de que na Europa davam exemplo os livros cintilantes mas ocos de Oscar Wilde e Gabriele D’Annunzio.182

De fato, algumas das características identificadas dependem do olhar do crítico, que, para empregar um conceito de Bourdieu, responde a um habitus183 específico e se aproxima

180 ARINOS, Afonso. Pelo sertão, p. 65. 181

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira, p. 219. 182 BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira, p. 220.

183 Habitus pode ser entendido como o conjunto das disposições internalizadas pelo sujeito social devido às posições por ele ocupadas nos diversos campos dos quais participa ao longo da vida. Tais disposições não

determinam suas ações, mas as orientam em face da estrutura dos possíveis que se lhe apresenta. Habitus é mais

da obra munido de um conjunto de valores capazes de conduzir a determinadas percepções. Nem todos atributos, porém, explicam-se dessa maneira. A observação, na literatura do período, de “estetismo” e de “pureza verbal precariamente definida” pode ser atribuída à visada crítica, que avalia a partir de um dado instrumental teórico o material literário oferecido, conferindo-lhe sentidos marcados pela posição do observador. Entretanto, no que tange ao “evasionismo, sertanismo de fachada ou lugares-comuns à moda de Darwin ou Spencer”, um exame aprofundado dos textos talvez revele que tais propriedades denotam a consciência da dilaceração irreversível de uma realidade social e a constatação da ruptura com um modo de viver. Da mesma maneira, é possível indagar em que medida as incursões científicas dos escritores respondem ao que era percebido como uma das formas legítimas de enunciar no campo literário e a uma das funções do intelectual de então.

Dentre as hipóteses aventadas para explicar aquela produção intelectual destacam-se as formuladas por Araripe Jr., cujas noções de “obnubilação brasílica” e “estilo tropical” constituem marcos do período e inovadora tentativa de compreensão da formação nacional. A partir da sistematização de Buckle, o pensador brasileiro desenvolve uma equação entre a chegada dos portugueses e a realidade encontrada no Brasil, tendo como operador reflexivo a ideia de que os pesados estímulos do meio recebidos pelos estrangeiros conduziriam a um processo de adaptação. Caracterizada por esse movimento, a sociedade brasileira ter-se-ia desenvolvido como síntese do impulso civilizado advindo da Europa e da força primitiva residente no continente. Tal impulso teria sido capaz de modificar a índole portuguesa, convertendo-a em objeto da “obnubilação brasílica”, processo pelo qual se aproximaria do estado de vida selvagem encontrado no Novo Mundo.184

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