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Modernização: financiamento de uma estrutura agrária caduca

No documento Movimentos sociais no campo do Ceará (páginas 77-81)

O PIN, Proterra, Polonordeste, Projeto Sertanejo, Prodecor, todos esses programas, de formas mais ou menos evidentes, favoreceram as classes dominantes rurais. Senão por meio do crédito subsidiado (como no caso da pecuária e agroindústrias), pela valorização particular de terras com obras de infraestrutura como açudes, estradas e eletriicação rural. A propósito disso, uma avaliação de desempenho do Polonordeste feita pela Cepa-CE, em 1984, mostra que, entre tantos objetivos moder- nizadores, o Polonordeste se limitou a acionar as linhas que favoreciam diretamente a empreiteiras ou a grandes proprietários:

Os resultados desses programas (Proterra, Sertanejo e Polo- nordeste) não têm confirmado os seus objetivos explícitos. No

52 Segundo o IBGE - Censos Agropecuários (apud BARREIRA, 1987, p. 260), entre 1960 e 1980, o rebanho bovino no Ceará quase duplicou, passando de 1.354.338 para 2.353.890 cabeças.

caso do POLONORDESTE, o mais abrangente e “moderni- zador” dos programas especiais, o desempenho das metas para o período 82/83 mostra que há ineficiência das ações e serviços li- gados diretamente à produção e comercialização, com destaque para a inexpressividade do desempenho das ações fundiárias. Os serviços diretamente vinculados às necessidades sociais da população como: Educação, Saúde e Saneamento também não têm apresentado desenvolvimento satisfatório. São os grupos de serviços básicos de infra-estrutura, sobretudo estradas e eletri- ficação rural, os que têm apresentado os melhores resultados. Disto decorre que os maiores beneficiários do programa não são os pequenos produtores. Os reais beneficiários são os grandes produtores que têm acesso fácil ao crédito e auferem as vanta- gens dos investimentos públicos de infra-estrutura física que, ao valorizarem as suas terras, dificultam cada vez mais o acesso ao pequeno produtor (PARENTE, 1985, p. 221-222).

Tudo nos faz crer, pois, que, quando o movimento dos trabalha- dores ressurge, a partir de 1978, o processo de modernização do campo cearense estava com seus contornos praticamente delineados:

Grandes percentuais de trabalhadores expulsos do campo, inau- gurando a favelização das cidades-centros regionais.

• Predominância do trabalho temporário sobre as outras formas de trabalho.

• Subordinação da pequena produção à agroindústria. • Evidente processo de concentração de terras, etc.

Evidentemente, o movimento dos trabalhadores rurais tentará, a partir de 1978, senão dar outro rumo ao processo já em curso de moder- nização, pelo menos diminuir os seus efeitos sobre os trabalhadores rurais, isto é, tentará, sempre que possível, a garantia da permanência dos trabalhadores na terra, principalmente por meio do dispositivo da desapropriação por interesse social do Estatuto da Terra.

Revejamos sucintamente a conjuntura da retomada do movi- mento no inal da década de 1970.

O processo de modernização da produção agrícola cearense se inicia nos idos dos anos 1950 com a construção de uma infraestrutura básica para o escoamento de produtos e a expansão da fronteira agrí- cola. Nos anos 1960 esse processo é incrementado com a expulsão massiva de moradores, sobretudo a partir da promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural e do Estatuto da Terra. A partir da década de 1970, quando então o Estado assume o planejamento e execução do desenvolvimento regional, esse processo de modernização se intensi- ica: os moradores e posseiros continuam sendo expulsos da terra; li- nhas especiais de crédito à produção agropecuária e agroindustrial são abertas e consolidadas; a produção agrícola torna-se cada vez mais dependente das demandas da agroindústria; as empresas agrícolas, produtivas ou não, proliferam; enim, são dadas as bases da direção do desenvolvimento da agricultura cearense.

A principal característica desse processo no Ceará, como de resto em todo o Nordeste, é o seu inanciamento pelo Estado. Ou seja, o Estado retirará dos cofres da nação os subsídios para inanciar um processo de modernização que evidentemente favorecerá os grandes proprietários. Um processo de modernização que, aliás, paradoxal- mente favorecerá “tradicionais” e “modernos”, embora no seu curso promova diferenciações no interior das classes dominantes e muitas vezes elimine do páreo proprietários cuja ineiciência traduz-se também politicamente.

A partir de 1978, e aproveitando os primeiros espaços da aber- tura política, o movimento dos trabalhadores rurais vai-se rearticu- lando e se tornando visível.53 No Ceará, esse movimento retirará muito da sua força das questões entre patrões e moradores-parceiros. A grande bandeira é o pagamento de uma renda justa e de acordo

53 Parente (1987, p. 110-111) observa que, no Ceará pós Golpe Militar, é somente a partir de 1976 que “os trabalhadores rurais dão os primeiros passos na tentativa de se articu- larem para defender os seus interesses com relação ao Programa de Emergência adotado por ocasião da seca parcial que atingiu o Estado naquele ano. Convém observar que é neste momento que surge o primeiro documento oficial dos trabalhadores organizados em seus sindicatos, sob a coordenação da Fetraece, avaliando as "bolsas de trabalho" e também as "frentes de serviços", estratégias governamentais vigentes à época”.

com o que dispõe o Estatuto da Terra. Esse movimento, embora pre- sente em todo o Estado, é sobretudo expressivo no Sertão onde, a partir desse momento, os conlitos explodirão um após o outro.54 Referindo-se a esse período, Irmã Tereza, assessora da CPT na dio- cese de Quixadá, lembrou: “Parecia assim, quando chove que nasce a babugem: era papocando conlito pra todo lado, naquela época...” (BESERRA, 1990b).

Os moradores-parceiros lutavam para pagar uma renda de 10%, como rezava o Estatuto da Terra, contra uma renda de 30 ou 50% tradi- cionalmente estabelecida. Esse movimento contra o pagamento da meia ou da terça foi claramente resultante dos trabalhos de base da Igreja por intermédio das Comunidades Eclesiais de Base. O primeiro momento da questão, portanto, era este: os moradores-parceiros procuravam seus patrões para lhes comunicar que a renda deveria ser paga de acordo com o Estatuto da Terra. Não aceitando o contrato de parceria nesses termos, os patrões procuravam expulsar os moradores. A partir desse momento, o conlito se conigurava: os trabalhadores, não acei- tando a expulsão, procuravam a Justiça, e esta, em boa parte dos casos, promovia o processo desapropriatório. Desse modo, a luta pelo paga- mento da renda como previsto pelo Estatuto da Terra constituiu-se na forma legal da luta pela conquista da terra.

Em 1979, consequência das diretrizes do III Congresso dos Trabalhadores Rurais promovido pela Contag, em Brasília, ocorre no Ceará uma manifestação comemorativa dos 15 anos do Estatuto da Terra, realizada pelo STR de Quixeramobim, com o apoio da Igreja. Esse evento tornar-se-á uma espécie de marco na história do movimento dos trabalhadores rurais no Estado. Na manifestação, os trabalhadores tanto denunciam a existência de um Estatuto que não é cumprido, como airmam a sua disposição de lutar pelo seu cumprimento a partir da- quele momento.

54 Segundo Lima e Carbogin apud Parente (1987, p. 109), em 1980, chegou a cerca de 350 o número de parceiros que, nos municípios de Aratuba, Canindé, Quixadá e Quixeramobim, já não pagavam a meia do algodão.

A substituição do algodão arbóreo pelo herbáceo:

No documento Movimentos sociais no campo do Ceará (páginas 77-81)