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Modernização, idéias pedagógicas e sistema de ensino na América Latina

Capítulo II – Ideais pedagógicos modernos, história e sistema de ensino brasileiro

2. Modernização, idéias pedagógicas e sistema de ensino na América Latina

Antes de entrar diretamente no desenvolvimento do pensamento pedagógico brasileiro, cabe contextualizar os vínculos históricos dos processos de modernização social e educacional em uma perspectiva latino americana.

O século XIX traz ao cenário político latino americano a ruptura com mais de três séculos de exploração, dominação e subjugação que os povos nativos desta larga região haviam sido submetidos. Sabe-se que, mesmo com o estabelecimento do livre-cómercio, os movimentos de independência política, sobretudo, em relação à Espanha e Portugal, não geraram elevados graus de emancipação social e econômica destas nações recém constituídas. Mesmo assim, este processo levou a cabo o desenvolvimento do projeto burguês-liberal de nação influenciando assim, não só os ideais pedagógicos constituintes em toda a região como também a estruturação e organização dos seus sistemas de ensino.

Mesmo correndo o risco de simplificar demais as particularidades e idiossincrasias da história dos distintos países latino americanos, pode-se de forma sintética, afirmar que no século XIX, sobretudo em sua segunda metade, os movimentos liberal-progressistas buscaram, do ponto de vista político, separar o Estado da Igreja, o que significava, no âmbito educacional, retirar do poder eclesiástico, o monopólio e o controle das formas de ensino oferecidas às elites européias e mestiças (criollas) nacionais. Dessa forma, mesmo com uma enorme massa de excluídos, a educação surge como um direito de todos os cidadãos e um dever do Estado. A política educacional liberal-burguesa latino americana, de modo geral, se traduzira, segundo Oscaris e Jiménez (1995) através da estatização do ensino primário, sua laicização, gratuidade e obrigatoriedade. É evidente que estes princípios não se deram de forma efetiva e universal nestes países como conclamava tal ideário até porque é sabido dos próprios limites políticos e econômicos que o projeto burguês de modernização se impunha como forma de subsistir. O que importa aqui é, como se afirmou, atentar para os processos incipientes de modernização social destes países e sua correlação com as idéias pedagógicas e com o sistema de ensino.

O rechaço à atuação da Igreja na educação nacional trazia consigo não só a crítica ao modelo escolástico de ensino, como abria imenso espaço à influência do cientificismo positivista em ascensão na Europa. Por conta disso, de acordo com Oscaris e Jiménez (1995),

a instrução científica, entendida como o estudo das ciências naturais e da matemática, assim como a exigência de um pensar mais racional e ativo, começa a ser assumida pelas principais lideranças políticas latino-americanas como aplicação de ideais liberais progressistas. Assim, a valorização do ensino das línguas modernas (em contraposição ao latim), o fim dos maus tratos corporais e a preocupação com a mínima qualidade dos professores despontam como preocupações de ordem político-pedagógico por parte da maioria dos governantes, sobretudo a finais do século XIX.

O início do século XX latino americano foi marcado já pela consolidação da burguesia liberal como classe dirigente capitalista e pela influência norte-americana nos rumos econômicos destes países. Por conseqüência, as idéias pedagógicas que despontavam na Filosofia da Educação eram de cunho pragmatista e a escola tinha que, de alguma forma, legitimar os interesses da classe dominante. Participação ativa por parte do educando, partir dos conhecimentos experienciais dos mesmos e compreensão de que escola e vida democrática eram faces de uma mesma realidade, propondo uma visão de educação conciliadora das diferenças de classe iam de encontro à estabelecida visão herbatiana passiva do ensino. A idéia escolanovista de fazer da instituição de ensino a “realização” da vida democrática, de alguma forma, levava a conformação ou aceitação daquela hierarquia social constituinte ao mesmo tempo em que “reformava” o modelo de ensino “tradicional”.

Para Oscaris e Jiménez (1995), na primeira metade do século XX, setores importantes do magistério latino americano buscaram organizar através do investimento na educação, formas de resistência política às mazelas conseqüências do capitalismo imperialista e do domínio burguês liberal. Argumentam assim (idem:126), que o magistério do continente se esforçou por

elevar seu nível de organização continental, defender a democracia educacional e cultural, incrementar sua qualidade profissional, praticar a solidariedade internacional e defender os princípios de escolas para todos, com matrícula gratuita no setor público…assim como o direito de todos a ter acesso ao ensino e a necessidade de erradicar o pior mal cultural da América, o analfabetismo.

Mesmo com a urgência dessas questões, a superação desses desafios se mostrou, ao longo do século XX, de difícil transposição. Ao passo que diversas lideranças político- educacionais lutavam para levar a cabo os princípios da “educação popular” – entendida como o conjunto de idéias e práticas pedagógicas preocupadas com a democratização e qualidade do ensino para as grandes massas trabalhadoras excluídas do universo do poder, consumo e

liberdade – a tarefa de estruturar e gerir o sistema público de ensino coube ao Estado republicano destes países. Salvo as inúmeras e distintas características nacionais, o que se viu do desenvolvimento do ensino público-estatal, de modo geral, foi a centralização (muitas vezes autoritária), inchaço e burocratização de sua administração de forma mais a manter os interesses e privilégios da classe dirigente do que propriamente a democratizar o ensino às crescentes massas populares. Neste sentido, as últimas décadas do século XX puseram como preocupação central à educação público-estatal lidar com a capacidade de ofertar, administrar e gerir o sistema de ensino sob a intensa pressão do neoliberalismo, expressada na “desresponsabilização” do Estado ao direito à educação básica, pela lógica administrativa descentralizadora e muitas vezes privatizante do sistema de ensino e pela radicalização da idéia de autonomia de gestão, que muitas vezes se vê traduzida em precariedade e abandono do próprio sistema.

Estes fatores levaram o sistema educacional dos países latino americanos, a exceção de Cuba, a uma situação estrutural alarmante. Ensino elitista (tanto em termos de acesso quanto de configuração do próprio currículo escolar) x ensino massificado e precário; altas taxas de analfabetismo; fenômeno do fracasso escolar traduzido em altos números de evasão; falta de estrutura material e pedagógica das escolas públicas; baixos salários e formação docente deficiente, entre outros, figuram entre os principais aspectos que constituem o “quadro” institucional dos sistemas públicos de ensino na América Latina.

De modo geral, o sistema de ensino latino americano, sobretudo nos últimos 50 anos, foi capaz de expandir o acesso à educação básica aos setores sociais historicamente excluídos. Entretanto, as mudanças em níveis qualitativos de ensino – entendido ao menos como o cumprimento do que se propõe como sua própria finalidade – não correspondeu às inúmeras demandas sociais, proveniente dessas classes sociais recém-chegadas ao processo de socialização e ensino escolar. Como conseqüência, os sistemas educativos latino-americanos, ao expandir a cobertura do “direito” à educação à praticamente todos os setores sociais sem o acompanhamento de modificações na estrutura e conteúdo de ensino, deslocou a questão da exclusão social, que antes se configurava entre escolarizados e não escolarizados, para o interior dos sistemas de ensino (Nassif, Rama e Tedesco 1984). O grande elemento complicador segundo Nassif, Rama e Tedesco (1984:121) foi que “a ampliação educacional se realizou oferecendo basicamente o mesmo modelo de educação das elites às massas, mas sem sua qualidade e profusa informação cultural”.