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6 Aspectos Físico-Químicos da Desativação das Aluminas

6.5 Modificação das Propriedades Químicas

A quimissorção de espécies na superfície dos catalisadores é outro fator importante para a desativação de catalisadores. Na Fig. 6 estão apresentados os espectros na região do infravermelho para a alumina Ciclo 0, 1, 3 e 5 (a região acima de 2000 cm-1 foi omitida devido à não existência de informações relevantes).

É possível notar o aparecimento de novas bandas de absorção nos espectros de infravermelho na região de 1350 a 1600 cm-1, correspondentes à formação de carboxilatos superficiais [118]. No capítulo anterior foi mostrado que hidroxilas labéis dos sítios Al-OH do tipo Ib reagem com o acetato de etila (solvente da reação), resultando nesses carboxilatos superficiais. A fraca absorção em 1013 cm-1 é característica da deformação da ligação O–H nos grupos Al-OH de hidróxido de

alumínio, Bayerita [100]. A transformação da γ-Al2O3 em Bayerita através da formação

de um componente amorfo é descrita em vários trabalhos da literatura [100,116], em que foram estudados os efeitos do envelhecimento de suspensões aquosas de γ-Al2O3

à temperatura ambiente. Esses estudos mostraram que a γ-Al2O3 não é estável na

presença de água por longos períodos (semanas a meses), resultando na formação de Bayerita. Entretanto, nesse estudo somente através dos espectros no infravermelho foi possível a detecção de traços de Bayerita, provavelmente devido ao não favorecimento da formação dessa fase a temperaturas ao redor de 80 oC (temperatura em que foi realizada as reações catalíticas) [10].

As espécies orgânicas quimissorvidas na superfície da alumina também foram investigadas através de MAS RMN de 1H para as amostras de alumina Ciclo 0 a Ciclo 5 (Fig. 71). Para as aluminas Ciclo 1 a 5, observa-se um conjunto de sinais finos entre 1 e 3 ppm. Esta observação é muito interessante, uma vez que devido ao elevado acoplamento dipolar homonuclear 1H–1H não se esperava obter muito mais informação do que as largas ressonâncias observadas para o espectro da amostra de alumina do Ciclo 0, no qual se percebem apenas dois sinais em 6,5 e 4,6 ppm, que são referentes à água adsorvida química e fisicamente, respectivamente. Diferentemente do que acontece em solução, em que o acoplamento dipolar é igual a zero devido ao intenso movimento molecular aleatório, no caso dos sólidos, o sistema apresenta uma restrição a esse movimento molecular, gerando uma anisotropia, de forma que o acoplamento dipolar é diferente de zero e causa o alargamento das linhas de ressonância [97]. As ressonâncias finas entre 1 e 3 ppm provavelmente estão relacionadas aos grupos metila do acetato ligados na superfície da alumina, uma vez que estes grupos apresentam um alto grau de liberdade rotacional, e parte da anisotropia é desfeita. Outra observação interessante é que as intensidades relativas para esses picos entre 1 e 3 ppm mudam entre cada ciclo de reuso do catalisador, indicando que os acetatos adsorvidos na superfície da alumina formam um sistema dinâmico.

Fig. 72. Espectros de RMN de 1H com rotação no ângulo mágico para a alumina Ciclo 0, 1, 3 e 5.

Através do espectro de MAS RMN com polarização cruzada 1H → 13C (Fig. 73)

foi possível verificar que os carboxilatos ligados na superfície da alumina não são as únicas espécies orgânicas quimissorvidas. A presença de sinais na região entre 20 a 180 ppm indica a presença de outras espécies orgânicas, tais como dióis e/ou oligômeros do óxido de cicloocteno. Esses dióis e oligômeros são formados através da abertura do anel oxirano, provocada pela presença de sítios ácidos fortes. Entretanto, como o óxido de cicloocteno é relativamente resistente à abertura de anel, não foi observada uma perda de seletividade significativa na reações (Tabela 20). Para epóxidos de substratos mais reativos, como terpenos, tanto a seletividade quanto o balanço de massa da reação estão normalmente na faixa de 70 a 90 %, sendo os sub- produtos típicos oriundos da abertura e rearranjo do anel oxirano [61,64]. Produtos de reações radicalares, tais como aqueles originados da oxidação da posição alílica, não foram observados para epoxidação catalisada por aluminas ultra-puras obtidas pelo método sol-gel.

Entretanto, qual é o papel dos acetatos e de outras moléculas orgânicas quimissorvidas na epoxidação catalisada pela alumina? A resposta para essa pergunta não é trivial, uma vez que a adsorção dessas moléculas tem dois efeitos que são contraditórios entre si: (i) envenenamento dos sítios Al-OH Ia, que estão envolvidos na ativação do H2O2 através da formação de grupos Al-OOH; e (ii) a quimissorção de

moléculas orgânicas modificando o caráter hidrofílico da superfície da alumina, tornando-a mais hidrofóbica, o que facilitaria a aproximação do substrato aos sítios ativos Al-OOH [65,66]. A Tabela 23 apresenta os valores de teor de carbono e do pH das suspensões aquosas do catalisador antes (Ciclo 0) e após o uso (Ciclo 1, 3 e 5), com o objetivo de responder qual é o efeito das moléculas orgânicas quimissorvidas na alumina epoxidação catalítica.

Tabela 23. Teor de carbono e pH das suspensões aquosas das aluminas Ciclo 0, 1, 3 e 5,

Ciclo Teor de Carbono (%) pH da suspensão de alumina 0 0,2 7,9 1 3,3 4,6 3 3,4 4,7 5 3,5 4,8

A superfície da γ-Al2O3 apresenta vários sítios Al-OH com grandes diferencas de

força ácida. A diferença estimada de acidez entre os sítios I e III, envolvendo uma interface líquido/sólido, é da ordem de 108 [33]. Considerando somente os sítios Ia e Ib, essa diferença de acidez é ainda bastante alta, ca. 103. Desse modo, os grupos Al-OH lábeis podem ser seletivamente envenenados durante a reação através da adsorção de moléculas orgânicas, como evidenciado pela diminuição do pH da suspensão aquosa do catalisador antes (7,9; Ciclo 0) e depois do uso (4,6-4,8; Ciclo 1, 3 e 5). Além disso, para uma suspensão aquosa de catalisador não usado leva-se cerca de 7 h para que o pH atinja o equilíbrio, enquanto que, para as suspensões de catalisadores usados o equilíbrio é alcançado em menos de 1 h. Esse fato mostra que o catalisador não

utilizado apresenta uma superfície com maior heterogeneidade de sítios Al-OH do que a superfície das aluminas Ciclo 1, 3 e 5.

No capítulo anterior, foi proposto e discutido o papel de cada sítio Al-OH no sistema catalítico alumina/H2O2. A ativação do H2O2 pela superfície da alumina ocorre

através da reação dos sítios fracos Al-OH do tipo Ia com H2O2, resultando em sítios Al-

OOH, os quais são responsáveis pela transferência do oxigênio para a olefina. Os sítios Al-OH do tipo Ib apresentam nenhuma função na ativação do H2O2 uma vez que estão

sendo envenenados pela quimissorção preferencial de acetatos. Portanto, esse envenenamento dos sítios Ib parece não estar relacionado com a desativação da alumina, porém o uso de solventes que não são susceptíveis à formação de carboxilatos, como metanol, isopropanol e tetraidrofurano, resultam em uma diminuição do rendimento na epoxidação catalítica do limoneno utilizando H2O2 anidro, enquanto

que as reações utilizando solventes como acetato de etila e acetonitrila resultaram em um maior rendimento [103].

Entretanto, com as sucessivas reciclagens, os sítios Al-OH do tipo Ib tornam-se escassos, então os sítios Al-OH do tipo Ia começam a ser consumidos preferencialmente, resultando na queda de produtividade do catalisador. Como as reações de epoxidação e decomposição do H2O2 ocorrem paralelamente, o

envenenamento dos sítios ativos do tipo Ia causa um aumento do consumo do H2O2 por

epóxido formado, como observado no quinto ciclo de epoxidação (Tabela 20).

Embora a água possua um papel deletério do ponto de vista da transformação da estrutura da γ-Al2O3 em (óxi)-hidróxidos de alumínio, sua presença aumenta a vida útil

do catalisador, uma vez que o uso de destilação azeotrópica e/ou H2O2 anidro não

permite a reciclagem da alumina além de três vezes [63]. Esse papel benéfico da água no meio reacional pode ser racionalizado através do equilíbrio químico:

Al OH + CH3COOH Al O O CH3 + H2O carboxilatos superfíciais em várias formas de coordenação

A presença da água no meio reacional atua deslocando o equilíbrio químico de formação de carboxilatos superficiais para o lado da “conservação” dos sítios ativos da epoxidação. De fato, é observada uma banda ao redor de 210 nm nos espectros UV-Vis da fase aquosa das supensões de catalisador (Fig. 74), que é atribuída ao ácido acético dessorvido da superfície. A quantidade do suposto ácido acético dessorvido foi estimada utilizando a absorção em 210 nm. Essa aproximação mostrou que o teor de carbono para uma quantidade equivalente de ácido acético dessorvida seria ao redor de 15 % para alumina Ciclo 3. Esse resultado contrasta fortemente com o teor de carbono obtido através de análise elementar (3,4 %, Tabela 23). Além disso, o pH de uma solução de ácido acético a uma concentração equivalente à estimada por espectroscopia UV-Vis é muito menor (3,3) do que a observada para as suspensões aquosas dos catalisadores usados (4,6 a 4,8, Tabela 23), indicando que a origem da discrepância no teor do carbono deve-se ao fato que não somente ácido acético está sendo dessorvido mas, também, outras moléculas cromóforas nessa região do UV.

Fig. 74. Espectros de UV-Vis da fase aquosa centrifugada das suspensões de catalisadores Ciclo 0, 1, 3 e 5.

De fato, foram detectados na fase aquosa da suspensão da alumina Ciclo 3 vários picos de íons com razão m/z elevada no espectro de massas de ESI no modo positivo (Fig. 75), que podem ser oligômeros de cicloocteno e, principalmente, policátions de alumínio contendo ânions acetatos. Entretanto, nenhuma reação catalítica é observada depois de filtrar o catalisador da mistura reacional, mostrando que essas espécies solúveis em água não são ativas para epoxidação.

Fig. 75. Espectros de massas ESI no modo positivo da fase aquosa centrifugada e filtrada em membrana de 0,45 µm da suspensão da alumina Ciclo 3.

A recalcinação da alumina não é capaz de remover totalmente as moléculas orgânicas. Em geral, a recalcinação dos catalisadores usados a 400 oC gera a formação de coque, como indicado pela mudança da coloração da alumina de branco para cinza ou amarelo. A superfície torna-se novamente livre de compostos orgânicos somente através de calcinação do material ao redor de 800 oC. Entretanto, a essa temperatura o material perde as propriedades texturais e ácidas de interesse para a epoxidação catalítica. A Fig. 76 apresenta as curvas termogravimétricas para a alumina antes do uso (Ciclo 0) e para as aluminas utilizadas nos ciclos 1, 3 e 5.

Fig. 76. Curvas termogravimétricas das aluminas Ciclo 0, 1, 3 e 5.

As curvas termogravimétricas das aluminas apresentam quatro regiões de perda de massa: (i) 25 a 110 oC – devido à dessorção de água e solvente residual fisicamente ligados à superfície; (ii) 110 a 300 oC – relacionado à dessorção de água e de moléculas orgânicas quimicamente ligadas à superfície; (iii) 300 a 500 oC – referente principalmente à perda de água da estrutura, ocorrida devido à transição de fase de boemita para γ-Al2O3; (iv) acima de 500 oC – corresponde à desidratação da γ-Al2O3 e à

perda de água envolvida nas posteriores transformações de fase (γ → δ → θ-Al2O3) e

decomposição do coque [43,87]. O sucessivo aumento de perda de massa de 15 para 24 % para as aluminas Ciclo 0 a 5 (Fig. 76) não é proporcional à quantidade de material orgânico adsorvido na superfície da alumina, uma vez que o teor de carbono é quase constante após o primeiro ciclo, em 3,5 %. O aumento de perda de massa está associado ao aumento da quantidade de Pseudo-boemita e hidróxidos de alumínio amorfo formado durante a reciclagem do catalisador, como mostrado pelo aumento da altura do pico em 400 oC das curvas derivativas de TG das amostras de alumina Ciclo 0, 1, 3 e 5 (Fig. 77).

Fig. 77. Curvas derivativas de TGA para as aluminas Ciclo 0, 1, 3 e 5.

6.6 Conclusões

A desativação da alumina não é um processo simples. Algumas mudanças químicas e físicas associadas com a diminuição da atividade catalítica do sistema alumina/H2O2 são atribuídas à presença de água na mistura de reação e à adsorção de

moléculas orgânicas na superfície do catalisador. Por outro lado, a água possui um importante papel no deslocamento de equilíbrios de adsorção dessas moléculas orgânicas sobre a alumina, prolongando o tempo de vida do catalisador. As funções da água nas mudanças químicas e físicas da alumina são:

1. A reação da água com a γ-Al2O3 resulta em mudanças estruturais devido à

formação de Pseudo-boemita e tri-hidróxido de alumínio amorfo.

2. A água causa mudanças deletérias nas propriedades texturais do catalisador, levando à formação de poros estreitos do tipo tinteiro. Essas alterações texturais prejudicam tanto a atividade do catalisador quanto a sua seletividade para epóxidos.

3. A água desloca os equilíbrios de adsorção de moléculas orgânicas na superfície, preservando os sítios Al-OH do tipo Ia da γ-Al2O3, os quais são

responsáveis pela ativação do H2O2.

4. Pequenas quantidades de água são necessárias para minimizar a decomposição do H2O2. Entretanto, a decomposição do H2O2 ainda não é

um processo compreendido, apesar de ser claro o papel dos sítios ácidos fortes Al-OH (tipo IIa, IIb e III) na sua decomposição catalítica do H2O2.

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