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1 O PROCESSO HISTÓRICO DE ADOECIMENTO DA CLASSE

1.2 OS MODOS DE PRODUÇÃO TAYLORISTA/FORDISTA

A integração de capitais resultou no aparecimento de empresas de grande porte, e a expansão dos mercados mundiais gerou competição entre os países mais desenvolvidos do capitalismo. Estes, paralelamente ao fortalecimento das lutas dos trabalhadores, fizeram surgir o movimento conhecido como “gerência científica”, gestado por Taylor.

Esse movimento aprofundou a separação entre o pensar e o fazer, como mostra Jinkings (2005, p. 75-107):

O porte e complexidade das empresas que derivam dos movimentos de concentração econômica, a intensa pressão concorrencial nos anos de depressão e o fortalecimento das lutas dos trabalhadores contra a exploração capitalista do trabalho exigiam do capital a adoção de procedimentos “racionais” e “científicos” de organização e controle do trabalho para maximizar lucros e combater a resistência operária. É nesse cenário que surge o movimento denominado de “gerência científica” concebido por Frederick Taylor no final do século XIX, nos Estados Unidos, e amplamente difundido entre as potências européias na década de 1910, especialmente após a publicação dos Princípios de administração científica. Separando drasticamente a concepção do trabalho de sua execução, transferindo o controle do processo de trabalho do operário para os membros da administração das fábricas e dividindo esse processo em unidades fragmentadas e rigidamente cronometradas, o taylorismo permite um aumento sem precedentes da produtividade do trabalho e aprofunda sua subordinação ao capital.

O modelo de organização do trabalho e de produção taylorista3 tem como pilares a máxima especialização das tarefas e a extrema racionalização do trabalho. Taylor (1995), observando o trabalho nas fábricas, percebeu uma enorme diferença de tempo e de produção de um trabalhador para outro; percebeu também que o conhecimento ou era transmitido de trabalhador para trabalhador ou por meio da observação; e que os patrões não tinham controle sobre o tempo necessário para o cumprimento de cada tarefa. Taylor buscava normas objetivas de execução com procedimentos sistemáticos e uniformes, tudo prescrito pela gerência. Com o estudo minuncioso dos tempos necessários para realização das tarefas e dos movimentos utilizados para tal, conseguiu decompor o trabalho em parcelas cada vez mais elementares e simplificadas, em que cada tarefa é de responsabilidade de um posto de

trabalho, para o qual seria contratado, de maneira criteriosa, o “homem certo”.

No entender de Braverman, Taylor, com seus estudos, conseguiu não só “assegurar o controle através da gerência” como “baratear o trabalhador” e aprofundar a separação entre concepção e execução. Os processos de trabalho são de responsabilidade das gerências, que devem comunicar os resultados aos trabalhadores por meio de “funções simplificadas, orientadas por instruções simplificadas”. Aos trabalhadores reserva-se o dever de “seguir sem pensar e sem compreender” as “ordens exatamente como especificadas nas fichas de instruções” (BRAVERMAN, 1987, p. 107-109).

Braverman, discutindo os principais efeitos da gerência científica sobre a classe trabalhadora, destaca que “a consequência inexorável da separação entre concepção e execução é que o processo de trabalho é agora dividido em lugares distintos e distintos grupos de trabalhadores”. Em um lugar, os processos de trabalho são pensados; em outro, executados. Nessa separação, a novidade está, no entanto, “no rigor com o qual são divididos” e sempre mais “subdivididos”. O objetivo é “concentrar” a concepção do trabalho em “grupos” cada vez menores dentro da gerência. O autor assinala que o trabalhador submetido a esses métodos se transformou em “algo menos que humano”, com função semelhante a de “parafusos e alavancas” (BRAVERMAN, 1987, p. 112- 121).

A “Gerência Científica” de Taylor já se difundia entre as potências europeias quando Henry Ford, em suas fábricas nos Estados Unidos, “introduziu seu dia de oito horas e cinco dólares como recompensa para os trabalhadores da linha de montagem de carros” (HARVEY, 1993, p. 121). Aliando a racionalização de tecnologias ultrapassadas a uma detalhada divisão do trabalho e ao aprimoramento das esteiras rolantes, Ford consegue “dramáticos ganhos de produtividade” (HARVEY, 1993, p. 121).

Gramsci (1989, p. 375-381), no texto “Americanismo e fordismo”, destaca que o processo para criar o “novo tipo de trabalhador” necessário às indústrias “fordizadas” encontrou algumas contradições. Na Europa, houve dificuldades de introduzir aspectos do americanismo e do fordismo em função de que “existem classes numerosas sem uma função essencial no mundo da produção”. Além disso, a condição histórica de nos Estados Unidos não existirem tais “sedimentações parasitárias” possibilitou “racionalizar a produção e o trabalho, combinando habilmente a força com a persuasão” para “basear

toda a vida do país na produção”, oportunizando assim a criação de um “novo mundo”.

O autor destaca também que, para criar esse “novo mundo” seria preciso “[...] um novo tipo humano, adequado ao novo tipo de trabalho e de processo produtivo [...]” (GRAMSCI, 2001, p. 248). Esse novo homem precisava adaptar-se a determinadas condições de trabalho, vida, alimentação e costumes. Ou seja, ter o trabalho como razão da vida. Para esse “novo homem” seria necessária também “[...] rígida disciplina dos instintos sexuais, um reforçamento da ‘família’, regulamentação e estabilidade das relações sexuais” (GRAMSCI, 1989, p. 394-395), pois para o novo mundo do industrialismo, a repressão aos instintos propiciaria o homem por inteiro, que não desprenderia energia com relações extra-conjugais, bares, bebidas, somente com o trabalho.

Também seria preciso “desenvolver ao máximo no trabalhador as atitudes maquinais e automáticas”, impedindo a “participação ativa da inteligência, da fantasia, da iniciativa”. Tais formulações demonstram, segundo Gramsci (1989, p. 394-397), a finalidade da sociedade americana para com o trabalhador: reduzi-lo, nas palavras de Taylor, a um “gorila domesticado”.

Gramsci não se dedicou a escrever diretamente a respeito das consequências do modelo de produção fordismo/taylorismo sobre a saúde dos trabalhadores, porém traz uma contribuição significativa ao analisar que a “humanidade” e a “espiritualidade” desses trabalhadores são “esmagadas”, e que a continuidade e a manutenção de sua “eficiência física” é que preocupava os capitalistas.

Os trabalhadores, sendo submetidos a regras e comandos extremamente controlados, cumprindo tarefas padronizadas no menor tempo possível, impedidos de pensar, desprovidos de liberdade de movimento, são vitimizados em primeiro lugar no “corpo dócil e disciplinado” com “esgotamento físico”, como mostra Dejours (1992, p. 19):

Nova tecnologia de submissão, de disciplina do corpo, a organização científica do trabalho gera exigências fisiológicas até então desconhecidas, especialmente as exigências de tempo e ritmo de trabalho. As performances exigidas são absolutamente novas, e fazem com que o corpo apareça como principal ponto de impacto dos prejuízos do trabalho. O esgotamento físico não concerne somente aos trabalhadores braçais, mas ao conjunto dos operários da produção em massa.

Friedmann, no livro “O trabalho em migalhas”, apoiando-se nos estudos de Drucker, também destaca preocupações em relação à saúde dos trabalhadores submetidos à produção em série, do que as fábricas Ford representam bom exemplo. Segundo Friedmann (1972, p. 65),

A atomização do trabalho, reduzido a um único movimento, aumenta a fadiga, conduz a danos fisiológicos e nervosos (tiques, dores de cabeça, surdez, neurites). [...] o operário fica sujeito a seguir a cadência do operador mais lento da cadeia, sem poder trabalhar segundo seu ritmo pessoal, do que resultam, ainda aqui, fadiga, irritabilidade, explosões e nervosismo.

Seligmann-Silva (1994, p. 108), referindo-se às pesquisas de Friedmann, que estudou “[...] as repercussões psicossociais e psicossomáticas do trabalho fragmentado e os fenômenos implicados na instalação da alienação”, destaca que, para o autor, “[...] a alienação representa uma forma de defesa contra a angústia e a depressão provocadas pelo parcelamento das atividades”.

A implementação do modelo de produção taylorista com sua “organização científica do trabalho” e suas consequências sobre a vida dos trabalhadores fez com que alguns autores percebessem tal modelo como uma forma privilegiada de ilustrar a natureza do processo de trabalho capitalista. Para Robert Linhart (1983, p. 83), a organização científica do trabalho de Taylor é a que melhor “encarna” o processo de trabalho capitalista; e para Harry Braverman, é a “explícita verbalização” do processo.

O processo de desenvolvimento do modelo de produção taylorista/fordista acontece paralelamente a outro processo, o de disputas por territórios entre as potências capitalistas. Entre os países europeus, era grande a insatisfação com a divisão da África e da Ásia; também era grande o conflito por novos mercados e territórios que pudessem gerar matérias-primas. Essas questões representam os principais motivos que levaram à Primeira Guerra Mundial. Lênin (1987, p. 10) lembra que “[...] a guerra de 1914 – 1918 foi, de ambos os lados, uma guerra imperialista (isto é, uma guerra de conquista, de pilhagem, de pirataria), uma guerra pela partilha do mundo, pela distribuição e redistribuição das colônias, das ‘zonas de influência’ do capitalismo financeiro, etc.”.

A guerra de 1914 – 1918 gerou demandas de produção e fez com que se desenvolvessem simultaneamente a indústria e a luta pela redução da jornada de trabalho. Os milhares de mortos pela guerra fizeram alterar o chamado “reservatório de mão de obra”. As questões anteriores, somadas à necessidade de reconstrução do que foi destruído pela guerra permitiu, segundo Dejours, “uma reviravolta na relação homem-trabalho” (DEJOURS, 1992, p. 18).

Nesse contexto, ampliavam-se também as lutas dos trabalhadores contra a “adoção do sistema Taylor e da cronometragem”, e aconteciam greves em países importantes, como a França e Estados Unidos, decorrentes da “resistência dos sindicatos” (LINHART, 1983, p. 84).

Segundo Harvey (1993), no pós-guerra, o fordismo aliou-se ao keynesianismo e, juntos, foram base da expansão mundial do capitalismo. Nesse período, as taxas de crescimento econômico se mantiveram relativamente estáveis; quando os padrões de vida se elevaram, as tendências de crise foram contidas, e as possibilidades de guerras entre países capitalistas se tornaram remotas. Essa aparente tranquilidade só foi abalada pela recessão de 1973, que revelou contradições e mostrou que tais políticas atingiam desigualmente a população trabalhadora. Soma-se a isso o fato de que os sindicatos, a exemplo do que aconteceu nos EUA, ganharam espaços políticos e de organização de classe nas negociações coletivas junto às indústrias de produção em massa. Em troca de uma relação de cooperação com os capitalistas pelo aumento da produtividade, os sindicatos mantiveram certo controle sobre as especificações das tarefas, adquiriram e mantiveram direitos como salário mínimo, seguridade, entre outros, tudo mediado pelo Estado, que cumpria especial papel de “regulamentação social” (HARVEY,1993, p. 121-134). O fordismo-keynesianismo, ao conseguir melhorias para os trabalhadores, buscava neutralizar os conflitos de classe.

No contexto das resistências dos trabalhadores aos modelos de produção, surgem reivindicações específicas de proteção à saúde, às quais já podiam ser observadas desde o século XIX como parte das reivindicações dos trabalhadores. Nas primeiras décadas do século XX, mesmo em meio às guerras, tais reivindicações se ampliaram e inclusive foram favorecidas em função de que seria necessário proteger uma “mão de obra gravemente desfalcada pelas necessidades do front” (DEJOURS, 1992, p. 20).

Ainda para Dejours, durante todo o período que coincide com a Primeira Guerra Mundial e após seu desenrolar, o movimento operário tenta obter “melhorias da relação saúde-trabalho”. O autor assinala que,

dentre as ações por melhores condições de vida e trabalho, destacam-se as ligadas à saúde. Diante de palavras de ordem como: “prevenção de acidentes, a luta contra as doenças, ao direito aos cuidados médicos”, observa-se que nesse período a “história da saúde dos trabalhadores” está ligada “à saúde do corpo”. Para Dejours, essa formulação é importante, no entanto “limitada”, pois não se pode exigir que “os mecanismos invisíveis da exploração, para serem evidenciados” sejam “visíveis no corpo” (DEJOURS, 1992, p. 18-21).

O modo de produção taylorista/fordista foi, segundo Ricardo Antunes (1999), a forma “mais avançada da racionalização capitalista do processo de trabalho” (ANTUNES, 1999, p. 38) de quase todo século XX. No final da década de 1960, e principalmente diante da grande crise de 1973, o modelo “começou a dar sinais de esgotamento” (ANTUNES, 1999, p. 38) devido, principalmente, ao “estancamento econômico e à intensificação das lutas de classe” (ANTUNES, 1999, p. 42), exigindo novas formas de superação.

1.3 O NEOLIBERALISMO E A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA: