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4. Sermões impressos e pregados

4.2. Montemor-o-Velho: P Francisco de Pina e de Mello

Dentre os muitos sermões pregados, um outro a sair do prelo, nos tem- pos imediatos à catástrofe, aparece na província. Trata-se de o Juízo sobre

o Terramoto, de Francisco de Pina e de Mello, que o censor dominicano do Santo Ofício tem por “hum homem Encyclopedico” 240. Este sermão foi

237 Ibid.,p. 82. 238 Ibid.,pp. 86-87. 239 Ibid.,p. 88.

240 Francisco de Pina e de Mello nasceu em Montemor-o-Velho (7.08.1695) e ainda

vivia em 1775. Frequentou Filosofia e Cânones na Universidade de Coimbra sem haver concluído os cursos. Espírito erudito e inclinado às ciências, artes e literatura, residiu quase sempre em sua terra natal. Poeta gongórico e conhecedor da poesia francesa, gozou de reputação nos meios árcades do seu tempo, mas sofreu também severa e excessiva crítica de seus pares. Suspeito aos sequazes de Pombal, veio a ser encarcerado por inconfidência. Deixou abundante obra poética e vários textos oratórios entre os quais a conhecida e con- trovertida Parenesis sobre o terramoto de 1755, em versos hendecassílabos. Ver Inocêncio Francisco da Silva Dicionário Bibliográfico Português, III, pp. 33-35. A polémica desen- cadeada pela Parenesis, ambígua entre o literário e o filosófico, fez surgir vários opúscu- los de curiosa leitura, entre os quais serão de de mencionar: Carta critica, em que se pesa o valor da chamada Parenésis de Francisco de Pina e de Mello, escrita por Segismundo António Coutinho, pseudónimo de Fr. Manuel da Epifania (1756); Defensam apologetica contra a critica, que a Parenésis de Francisco de Pina e de Mello […], por Joam Chrisos- temo de Faria Cordeiro de Vasconsellos de Sá (1756); Carta anatómica que escreve hum amigo do Porto a outro de Coimbra, em que se faz juizo da Carta, que sahio dando noticia do Terremoto de Lisboa, e da Crisis feita á Parenésis do Pina, Coimbra: Na Officina de Antonio Simoens Ferreira, Impre. Da Univers. Anno 1756 (7 págs.).

recitado «na Capella do Hospital Real de Monte-mor o Velho no último dia do Oitavario, com que a Confraria da Senhora da Conceição, instituida no mesmo Hospital, implorou o patrocinio da Soberana Virgem, estando sem- pre o Sacramento exposto de dia, e de noite» 241. A data encontra-se pois

registada: 7 de Dezembro de 1755, ia decorrido pouco mais de um mês após o terrível sinistro que, como «enraivada Vibora», que continuava a mover-se insistente, todavia com menos fortes tremores. O tema é do evangelho de S. Mateus, 11, 25: Abscondisti haec sapientibus, et pruden-

tibus, et revelasti ea parvulis (escondeste estas coisas dos sábios e as reve- laste aos pequeninos). Entende o orador que poucos no numeroso auditório «não desejem saber a Origem destes horriveis abalos da Terra, que nos tem posto em continuo susto, desde o primeiro de Novembro» 242. Com este

dado arranca o tema, mas de imediato avisa que se desiludão quantos pen- sarem dever-se o terramoto a causas naturais, pois só a poderosa mão do Altíssimo «he que faz este tremendo abalo» que não tem dia marcado pela natureza, porque esse é o «da ira, do furor divino» 243. A verdade sobre a

origem dos terramotos, acentua, não será a dada por matemáticos e filoso- fos, mas pelo Profeta Isaías. A história sagrada e profana mostram não haver terramoto «que não seja fulminado contra a preversidade humana». Lisboa, de facto, estava «cheia de lascivia, de latrocinios, de iniquidades, de delicias, de jogos, e de bailes», quando se deu o terramoto e, por isso, como Babilónia, foi castigada. A Providência divina não podia agir de outra forma: «era preciso que esta vingança correspondesse á culpa, que assim procede sempre a justiça de Deos; e como Lisboa se jactava das suas mesmas dissoloçoens, e se glorificava nos seus delictos, que podia espe- rarse da equidade suprema, senaõ que correspondesse a esta gloria, e a esta jactancia o luto, e o tormento?» 244. O mal, por toda a parte, campeava

infrene. Dominavam, na verdade, os crimes, as obscenidades, «mas de rou- bos, de violencias, de soberba, de ambiçaõ» todos sofreram e os que podiam fugiram, tendo o que sucedeu acontecido por sentença divina 245.

241 Juízosobre o terremoto, por Francisco de Pina e de Mello, Moço Fidalgo da Casa

de Sua Magestade, e Academico da Academia Real da Historia Portuguesa. [Emblema da Companhia de Jesus numa moldura] Coimbra: Na Off. De Antonio Simoens Ferreira, Impressor da Universidade Anno de 1756. [–] Com as licenças necessarias. (6 págs. Inum. + 30; nas seis págs. Inum. vem o rosto e as licenças).

242 Ibid., p. 1. 243 Ibid., p. 4. 244 Ibid., p. 7. 245 Ibid., pp. 7 e 10.

Espanta-se por verificar, ao ler as relações que vieram da capital, que, não ficando «templo, nem tribunal inteiro», se mantiveram de pé as casas de meretrizes. Julga incompreensível que a justiça divina se haja compade- cido de lupanares tão sórdidos e se irritasse «contra aquelles edificios, que se instituiraõ» para louvar ao Altíssimo e para o governo público 246.

Olhando para a terra onde prega, vê que Montemor, se não comete as fal- tas “odiosas” de Babilónia ou de Lisboa, também é culpada, embora menos, «porque nas terras pequenas não há tantas occasioens para se apurar a malicia», mas encontram-se nelas «mais vivas as murmuraçoens, os mexe- ricos, os odios, as trapaças, as traiçoens, e as usuras: em Monte-mor tam- bem há Letrados, tambem há Escrivaens, tambem há mulheres, e outras coisas mais». Por isso, «foi para Lisboa o castigo» e para Montemor «o ameaço» 247. O país, lembra o pregador, encontra-se em estado de calami-

dade e pânico. Deixa, assim, esta admoestação insistente: «os terremotos do Ceo saõ vozes de Deos» que se continuão a ouvir. A terra tremeu e «fez arrazar Lisboa, Faro, Tavira, Setubal, Villa-franca, Castenheira, Alemquer, e Ourem», mas não passa semana sem que as cartas não «refiraõ novas mortes, novas tragedias, novas calamidades» e as noticias estejam cla- mando «que os homens tem desamparado as povoaçoens, e que vivem a modo de feras pelas brenhas, e pelas charnecas; se despejam os palacios, que habitaõ nas choupanas»; e «como na arca de Noe, aonde se acommo- davaõ com hum mudo socego tantos viventes de contrarias especies», há fidalgos e plebeus «misturados nas choças» 248. Cita então o Padre António

Vieira que ventilou a questão da incoerência da obras com a fé, sendo que a justiça divina não pode aceitar confessar a boca que «há hum Deos, que premeia, e castiga, se nem antes, nem depois da morte esperamos premio, nem tememos castigo» 249. Tal comportamento é de gente temerária e louca:

«comemos, e dormimos, e andamos alegres, e os tremores da Terra a repe- tirem quasi todos os dias, as vozes de Deos a gritarem quasi todos os ins- tantes, a ira divina a ameaçarnos todos os momentos» 250. Só que, a

comportar-se o povo português como estátua insensível, a misericórdia divina não o ampara. Basta lembrar, inflete aqui o orador o teor do dis- curso enveredando pelo tom da esperança, que as suas Quinas são «huma portentosa figura» das suas cinco chagas, seu brasaõ rubricado com seu

246 Ibid., p. 12. 247 Ibid., p. 14. 248 Ibid., p. 17. 249 Ibid., p. 18. 250 Ibid., p. 20.

preciosíssimo sangue e todos os anos saiam de Lisboa a levar o Evangelho às partes mais remotas do mundo, à Índia, Japão, China e América 251. A elei-

ção de povo escolhido, anunciada ao seu primeiro rei Afonso Henriques, é recordada, a fim de manter a confiança na perservação da promessa de reino seu, apesar da «summa immutabilidade», de «summa miseria» e «fragili- dade summa» 252. Se Deus, continua o pregador, não aniquilou o homem no

tempo de Noé perante seu ennorme estendal de misérias, não há-de tratar de forma diferente este reino seu entre todas as monarquias do mundo 253. A

severidade divina não poderá assim manter-se, não sendo necessário para isso que se aleguem os serviços prestados, mas que se proponham tão só as confessadas misérias 254. E, nesta altura, a peroração evoca a protecção de

Maria Santíssima, a «Iris, que nos assegura que estaõ apagados os incên- dios» da ira divina. Nem haveria agora razão para mantê-la contra um povo que a Deus «tem feito mais serviços, que todas as Naçoens do Mundo, e ainda mais que o mesmo Povo judaico; pois este negou no deserto» o seu «santíssimo nome, e os Portuguezes, não só o confessaraõ sempre nas Cidades mais populosas, e nas mais barbaras solidoens, mas tambem o leva- ram a todas as partes do Mundo» 255. E conclui, afirmando, que o título de

Conceição conjuga-se com o de Vitória, porque, com o primeiro, foi derro- tado o demónio e, com o segundo, o triunfo sobre a vingança divina 256.

4.3. Lisboa: Fr. António do Sacramento, Fr. António do Espírito