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2.2. Lugares de memória: livros, atividades escolares e monumentos

2.2.3. Monumentos

Os monumentos são também ‘bens culturais’ e não têm apenas o valor histórico, mas sua importância é voltada para o presente. Em nosso caso, os monumentos dedicados à Calabar foram criados desde os anos 2000. Santiago Jr (2015) nos leva a acompanhar o histórico da mudança semântica de monumento à patrimônio cultural, termo que está atualmente em uso e acolhe em si uma gama de bens culturais de ordem material ou não. A noção de patrimônio cresceu tanto ao fim do século XX, que “[...] superou, [...], seu aspecto memorial e passaria a apresentar um princípio material, simbólico e funcional de rememoração e preservação, envolvendo desde manifestações culturais [...] aos artefatos materiais” (SANTIAGO JR, 2015, p. 261 – 262).

Porém, os bens que iremos apresentar aqui ainda não se constituem como patrimônio segundo a legislação federal brasileira. Em seu Artigo 216, a Constituição de 1988, conceitua patrimônio cultural como sendo os bens “de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação,

à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”84.Como não

passaram por processo de registro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Brasileiro, pois foram criados há pouco tempo no sentido de contribuir no processo de

84 Patrimônio Cultural. IPHAN. Disponível em http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/218, acesso em

identificação da população com a história de Calabar, o Memorial Calabar e a esculturas na entrada da cidade de Porto Calvo não gozam do status de bens patrimoniais protegidos.

Imagem 5 - Arquivo Pessoal. Memorial Calabar. Porto Calvo, Alagoas, abril/2016.

A primeira imagem é o cartão de visita do Memorial Calabar, estabelecido no Alto da Forca, em frente ao Hospital Municipal. Uma mulher indígena esculpida, símbolo dos primeiros habitantes da terra pela qual Calabar havia derramado o seu sangue. Segundo podemos interpretar ao ler na parte de trás da pedra o seguinte:

Imagem 6 - Arquivo Pessoal. Memorial Calabar – Onde se lê: “Como homem tenho direito de derramar meu sangue pelo ideal que quiser escolher, como soldado tenho direito de quebrar o juramento que prestei enganado. Domingos

Fernandes Calabar”. Porto Calvo, Alagoas.

Este que é um trecho da Carta de Calabar, a mesma que apresentamos no capítulo anterior. Por mais que não seja explícito qual o ideal que fez Calabar reaver o voto que fez enganado, compreendemos, pelo conhecimento da narrativa da carta que trata-se de um ideal de ‘liberdade’ e ‘patriotismo’. Todavia, não tenha ficado o ideal de tal forma explícito, fica a justificativa da traição de Calabar, o direito que possuía em quebrar o juramento que havia prestado enganado. Percebemos que a narrativa proposta a partir do memorial apresenta sua execução tal como a narrativa histórica tradicional, porém com a compreensão de sua atitude baseada na fonte sobre a qual discutimos anteriormente que apresenta ideias e termos anacrônicos ao momento que vivenciara Calabar.

Diante do caráter didático dos monumentos, podemos observar que no momento de caminho para execução e execução de Calabar, o que constitui dois cenários diferentes, é possível perceber as diferentes etnias que encaminhavam Calabar ao lugar de seu garroteamento. Supomos que sejam tanto representantes luso-espanhóis, os que estão à esquerda (Imagem 8), quanto representantes étnicos do que configuram, nas narrativas oficiais e tradicionais, como elementos fundamentais da nacionalidade brasileira, o elemento branco, indígena e negro.

Imagem 7 - Arquivo Pessoal. Memorial Calabar. Porto Calvo, Alagoas, abril/2016.

A cena anterior é a do garroteamento de Calabar. Em seguida, as imagens da varanda que fica de fronte a última cena, com uma escadaria de acesso e a vista da cidade.

Imagem 9 - Arquivo Pessoal. Memorial Calabar. Porto Calvo, Alagoas, abril/2016.

Imagem 10 - Arquivo Pessoal. Memorial Calabar. Porto Calvo, Alagoas, abril/2016.

O Memorial Calabar, construído no local que se compreende ter ocorrido a execução do militar, foi criado em 2011. As esculturas expostas foram assinadas pelo

artista plástico Manoel Claudino da Silva, pernambucano, da cidade de Pesqueira85. O memorial retrata os últimos momentos da execução do personagem. Numa perspectiva mais otimista, transcreve um trecho da ‘Carta de Calabar’ (imagem 7), que denotaria a consciência de nosso personagem sobre sua decisão, de passar às fileiras dos holandeses. Em seu conjunto, a cenografia do monumento, representando a execução e resgatando o trecho da Carta, aponta o sofrimento diante do ideal de liberdade. Ideal que pode ser questionado se observamos que os “elementos fundantes da nacionalidade”, segundo nossa interpretação, que o encaminham para a execução.

Outro monumento que se refere à memória de nosso personagem é o da entrada da cidade: a escultura de um homem, aparentemente guerreiro ou combatente do período colonial. Anterior a esse monumento, existia uma placa da cidade com o título de ‘Terra de Calabar’, é possível ver nela imagens que remetem ao período colonial.

Imagem 11 - Foto retirada da placa que existia na entrada da cidade de Porto Calvo, encontrada em http://escritadoporto.zip.net/, acesso em 14 de julho de 2017.

O investimento na criação dos monumentos é que se tenha algo para mostrar, tanto aos visitantes, quanto à população. É a permissão de acessar essa história por vias diferentes de leitura, torná-la visível, acessível a qualquer pessoa. Huyssen (2014, p. 140 e 141) nos traz algumas provocações a respeito disso, afirma que não há nada mais invisível no meio urbano que um monumento, questionando como muitos monumentos servirão apenas como pontos turísticos, e questiona como seria garantida sua duração na mente do povo. Em Porto Calvo, muitos dos monumentos que foram criados na última

85CARVALHO, Severino. “Na rota dos 200 anos” em Porto Calvo resgata as origens de Alagoas. Diário

década estão sendo cotados para passar por uma restauração. Sabemos que o tempo colabora com a degradação desse bem material, mas também o ‘vandalismo’. Alguns dos monumentos da cidade estão quase completamente destruídos, ou pichados, como é o caso do Memorial Calabar (Imagem 10 e 11). Entretanto, nesse trabalho de conservação da memória, essas passam também a ser preocupações públicas. Supomos que a maior intenção de manutenção dessa memória pelas instâncias privadas ou públicas, buscam a promoção de uma identificação geral da população com essa história valendo-se da narrativa trazida por meio da linguagem dos monumentos. Como também a possibilidade de assumida a condição de ‘cidade histórica’, interesse não unicamente de Porto Calvo, e usufruírem dos benefícios que seriam trazidos pelo turismo cultural.