• Nenhum resultado encontrado

1. INTRODUÇÃO

1.5 Co-morbidades

A presença do diagnóstico de TDAH não exclui outros diagnósticos, mas, de fato, aumenta a probabilidade de que outro distúrbio esteja presente (Morgan, 1999). Assim sendo, no diagnóstico de crianças com TDAH deve-se ter cautela para não descartar a existência de outros distúrbios associados.

A prevalência elevada de co-morbidades no TDAH interfere na manifestação clínica do transtorno, dificulta o processo diagnóstico e afeta o prognóstico e o tratamento (Souza et Pinheiro, 2003).

A taxa de co-morbidade é significativa em transtorno de conduta e transtorno opositor desafiador (30 a 50%), depressão (15 a 20%), transtornos de ansiedade (25%), transtornos do aprendizado (10 a 25%) e abuso e dependência de substâncias (9 a 40%) (Souza et Pinheiro, 2003; Rohde, 2002).

A investigação de co-morbidades no TDAH pode ajudar a identificar subgrupos de pacientes que apresentem curso, prognóstico, fatores familiares e respostas diferenciadas de tratamento (Souza et al., 2001).

INTRODUÇÃO

1.6. Etiologia

Apesar dos avanços nos últimos anos nas áreas de genética e neurofisiologia no TDAH os mecanismos biológicos envolvidos nesse transtorno continuam não esclarecidos (Levy et al., 2001).

O TDAH não parece ter uma etiologia única e os estudos são consistentes com a hipótese multifatorial. Na verdade, como em outras condições psiquiátricas, parece ser causado pela combinação de fatores biológicos, genéticos e ambientais (Spencer et al., 2002). Entretanto, como estes componentes se combinam causando o TDAH ainda é desconhecido (Faraone & Biederman, 1998; Amen, 2001).

Acredita-se que vários genes de pequeno efeito sejam responsáveis por uma vulnerabilidade (ou suscetibilidade) genética ao transtorno, à qual se somam diferentes agentes ambientais. Desta forrma, os sintomas do TDAH em um indivíduo, parecem depender de quais genes de suscetibilidade estão agindo, de quanto cada um deles contribui para a doença e da interação desses genes entre si e com o ambiente (Roman et al, 2003). Muitos estudos já tentaram definir quais seriam os subfenótipos com um componente genético maior e mais homogêneo, e aqueles com um componente ambiental maior (Faraone et al., 2000a).

Nas últimas décadas, apesar do crescente reconhecimento da heterogeneidade do distúrbio e dos esforços nas pesquisas, houve poucas alterações no diagnóstico e tratamento. O clínico defronta-se com uma literatura crescente que, muitas vezes é contraditória, induzindo a uma confusão referente às melhores práticas de diagnóstico e tratamento. Cumpre lembrar, como já foi mencionado anteriormente, que ainda não existe um marcador biológico para o TDAH (Paule et al., 2000).

1.6.1. Fatores ambientais

A maioria dos estudos sobre o envolvimento de possíveis agentes ambientais e o desenvolvimento do TDAH apenas evidenciaram uma associação

INTRODUÇÃO

desses fatores, não sendo possível estabelecer uma relação direta de causa e efeito (Faraone e Biederman, 1998).

A associação entre TDAH e complicações na gestação ou no parto tem sido abordada em vários estudos com resultados às vezes divergentes, mas a tendência é de se aceitar que complicações como (toxemia, eclâmpsia, pós-maturidade fetal, duração do parto, estresse fetal, baixo peso ao nascer, prematuridade, hemorragia pré-parto e má saúde materna) predisponham ao transtorno (Faraone e Biederman, 1998).

Levy et al. (apud Roman et al., 2003) têm documentado que a exposição ao fumo e álcool na gravidez parece atuar como fator de risco para o desenvolvimento do TDAH. Segundo estes autores, outros fatores como danos cerebrais perinatais no lobo frontal podem afetar processos de atenção, motivação e planejamento, relacionando-se indiretamente com o transtorno.

1.6.2. Fatores genéticos

Os estudos genéticos clássicos, que compreendem as pesquisas com famílias, gêmeos, com crianças adotadas e as análises de segregação, trouxeram contribuições importantes no esclarecimento da existência de um componente genético influenciando no transtorno (Dulcan, 1997). É por meio desse tipo de estudo que se confirma a existência de um componente genético detereminando ou influenciando uma característica e também permite estimar o tamanho do efeito desse componente no fenótipo e como ocorre a sua transmissão.

Nos últimos anos os estudos de genética molecular no TDAH vêm despertando interesses crescentes, em que possíveis marcadores genéticos são investigados por intermédio de diferentes tipos de análises. Os principais alvos dessas pesquisas são genes que codificam componentes dos sistemas dopaminérgico, noradrenérgico e mais recentemente, serotonérgico, uma vez que estudos neurobiológicos sugerem fortemente a participação desses neurotransmissores na fisiopatologia da doença (Roman et al., 2002).

INTRODUÇÃO

O sistema dopaminérgico tem sido o mais abordado na maioria dos estudos moleculares do TDAH. Os primeiros estudos conduzidos foram com o gene do transportador de dopamina (DAT1). O primeiro relato de associação do gene (DAT1) com a doença foi feito por Cook et al, 1995, que investigaram um polimorfismo de número variável de repetições em tandem (VNTR), localizado na região 3’ do gene. Pelo método de risco relativo de haplótipos (HRR), no qual, para determinado marcador compara-se a frequência dos alelos parentais transmitidos ao filho afetado com a frequência dos alelos parentais não transmitidos, foi detectada uma associação com o alelo de 480pb (pares de base), que corresponde a 10 cópias da unidade de repetição de 40 pb (alelo 10R) (Roman et al, 2002).

Outro gene intensamente investigado no TDAH é o gene do receptor D4 de dopamina (DRD4), com resultados controversos em vários estudos. Praticamente todos os demais genes conhecidos do sistema dopaminérgico já foram objetos de estudos de associação com o TDAH, incluindo genes que codificam os receptores D2, D3 e D5, e genes de enzimas relacionadas ao metabolismo da dopamina (DA) (DiMaio et al., 2003).

Poucos estudos foram realizados com genes do sistema noradrenérgico. Os estudos atuais concentram-se principalmente no gene que codifica a enzima dopamina-beta-hidroxilase (DβH). Genes dos receptores adrenérgicos também já foram investigados no TDAH (Arnsten, 2000).

Recentemente estão sendo investigados os genes do receptor 2A de serotonina (HTR2A) e do transportador de serotonina com resultados promissores (Roman et al.; 2002).

Portanto, o esclarecimento da etiologia do TDAH ainda está no início. Talvez devido à própria heterogeneidade genética e à alta complexidade clínica da doença. Mesmo, em relação à genética os resultados são contraditórios, e nenhum dos genes investigados, nem mesmo o DRD4 ou o DAT1, pode ser considerado como necessário ou suficiente ao desenvolvimento do transtorno.

INTRODUÇÃO

1.7. Bases neurobiológicas

O TDAH atualmente é melhor compreendido com base em parâmetros comportamentais do que neurobiológicos propriamente dito. Dada a heterogeneidade de manifestações clínicas existentes é provável que o TDAH seja decorrente de mais de uma condição (Riesgo et al., 2004). Por isso é difícil determinar uma base neurobiológica única para o transtorno.

Desta forma, as bases neurobiológicas do TDAH podem ser discutidas do ponto de vista neuromaturacional, anátomo-funcional (sistemas atencionais anterior e posterior) e neuroquímico, sendo estas tentativas de compreender a neurobiologia subjacente ao TDAH derivadas de estudos neuropsicológicos, de neuroimagem e de neurotransmissores.

1.7.1. Visão neuroquímica

Os primeiros estudos sobre a neurobiologia do TDAH concentraram-se na neuroquímica. Alterações da função dopaminérgica e noradrenérgica foram consideradas centrais nos sintomas do TDAH porque (1) os sintomas de TDAH são tratados mais eficazmente por medicamentos que influenciam tais sistemas de neurotransmissores (Solanto, 1998; Greenhill et al., 1999) e (2) estudos em animais implicam o envolvimento desses neurotransmissores e as áreas cerebrais nos quais eles são fundamentais na neurobiologia do TDAH (Russel et al., 1995; Paule et al., 2000).

As primeiras teorias neuroquímicas propostas para explicar o TDAH basearam-se no metabolismo das catecolaminas, visto que as regiões implicadas em sua fisiopatologia são primariamente inervadas por esses neurotrnsmissores (Solanto, 1998; Arnsten et al., 1996).

A função dos neurotransmissores noradrenérgicos na gênese do TDAH foi amplamente revisada por Pliszka et al., 1996. Estes autores enfatizam a interação da noradrenalina (NA), adrenalina (ADR) e DA na modulação da atenção e no controle dos impulsos. Segundo eles alguns sintomas do TDAH teriam origem em

INTRODUÇÃO

um excesso de NA no locus coeruleus, que alteraria as funções cognitivas relacionadas com a atenção. Essa função pode ser comprovada pela eficiência da clonidina, α2-agonista que diminui a taxa de descarga do locus coeruleus, em diminuir comportamentos disruptivos em crianças com TDAH (Solanto, 1998; Williams et al.,1999).

A teoria dopaminérgica sugere que há uma disfunção no metabolismo da DA em algumas regiões cerebrais. Sua hipofunção (nas regiões corticais) seria responsável pelos déficits cognitivos e pelas disfunções executivas, enquanto a hiperfunção (nas áreas striatais) responderia pelos sintomas de hiperatividade e impulsividade (Castellanos, 1997 apud Szobot et al., 2003). A diminuição da desatenção com o uso do metilfenidato, o qual será abordado especificamente mais adiante, dá o suporte farmacológico para a teoria da hipofunção dopaminérgica no TDAH (Castellanos, 1997 apud Szobot et al., 2003; Solanto, 1998; Riesgo et al., 2004).

Porém, o envolvimento do sistema dopaminérgico no TDAH parece ser mais complexo. Estudos em animais mostraram que a deficiência do transportador e dos receptores D1 e D3 de DA aumenta a atividade motora, enquanto a deficiência de receptores D3 e D4 reduz esta atividade. Além disso, os efeitos pré e pós-sinápticos dos estimulantes parecem ser diferentes conforme a região dopaminérgica considerada (Swanson et al., 1998 apud Szobot et al., 2003).

Além do envolvimento da NA e DA no TDAH disfunções em outros sistemas de neurotransmissores estão sendo investigados. Estudos mais recentes dão suporte à participação da serotonina (5-HT) no TDAH (Fisher, 1998; Puumala & Sirvio, 1998).

1.7.2. Visão anátomo-funcional

Uma das primeiras teorias anátomo-funcionais para explicar a neurobiologia do TDAH descrevia disfunções nas áreas frontais e em suas conexões subcorticais no sistema límbico. O TDAH era entendido como sendo resultante de uma deficiência no controle inibitório frontal sobre as estruturas límbicas (Riesgo, 2004).

INTRODUÇÃO

No entanto, a teoria de um único sistema atencional, apesar de bem comprovada por vários estudos, pode explicar alguns, mas não todos os casos de TDAH.

Estudos com tomografia por emissão de positrons (PET) em humanos combinados com estudos em outros primatas esclareceram os circuitos neurais envolvidos na atenção (Posner e Raichle, 1994 apud Nahas et al., 2004; Posner e Dehaene, 1994).

Desta forma, o sistema visual atencional foi dividido em dois sistemas: um anterior, dopaminérgico envolvendo a região pré-frontal, cingulado anterior e ganglios da base, e outro posterior, noradrenérgico envolvendo o córtex parietal posterior, o colículo superior e o pulvinar. Os mecanismos envolvidos na atenção parecem depender do bom funcionamento dessas redes nervosas incluindo tanto as porções anteriores como as porções posteriores do sistema nervoso (Posner & Dehaene, 1990; 1994).

O sistema atencional anterior desempenha uma função mais executiva (“atenção para a ação”), envolvido no recrutamento atencional para detecção de estímulos e controle das áreas cerebrais para o desempenho de tarefas cognitivas complexas (Nahas et al., 2004; Pliszka et al., 1996; Posner, 1994). A DA é um importante ativador, que “desliga” novas informações externas e prepara para ação motora.

O sistema atencional posterior, também denominado de sistema de atenção perceptiva, é responsável por selecionar a localização de um estímulo específico entre muitos e por deslocar a atenção de um estímulo a outro (Posner e Dehaene, 1990), ou seja, está envolvido no processo de orientação da atenção (Nahas et al., 2004). O locus coeruleus, estrutura que parece estar envolvida neste sistema, também desempenha importante papel na atenção, sendo constituído basicamente de neurônios noradrenérgicos e se torna muito ativo em resposta a estímulos específicos (Pliszka et al., 1996).

INTRODUÇÃO

Apesar da importância das funções dos dois sistemas atencionais na neurobiologia do TDAH, ainda são escassas as demonstrações diretas de suas relações recíprocas no transtorno (Levy e Farrow, 2001).

1.7.3. Visão neuromaturacional

O processo neuromaturacional do encéfalo tem uma progressão póstero- anterior, ou seja, primeiro mieliniza os axônios da região da visão e por último mieliniza os das áreas anteriores. Por isso, do ponto de vista neuroevolutivo, é aceitável certo grau de hiperatividade em crianças sem distúrbios, até aproximadamente os 4 ou 5 anos, uma vez que a região pré-frontal, onde situa-se o “freio motor”, só completa seu ciclo mielinogenético nessa faixa etária (Riesgo, 2004). Concomitante ao amadurecimento observável à avaliação clínica ocorre também um amadurecimento eletrográfico.

Admite-se que alguns eventos pré e pós-natais possam interferir no amadurecimento neurológico normal. Fatores ambientais como baixo peso ao nascer, a prematuridade, a exposição pré-natal ao álcool e fumo, podem estar associados a anormalidades do desenvolvimento dos circuitos fronto-estriatais no TDAH (Barkley, 1998; Riesgo et al., 2004; Fisher, 1998).

Anormalidades do desenvolvimento foram identificadas no circuito fronto- estriatal em crianças com TDAH usando medidas volumétricas qualitativas do núcleo caudado (Castellano et al.; 1994).

Documentos relacionados