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4.2 Princípios Administrativos e a dispensa dos empregados públicos

4.2.2 Motivação da dispensa do empregado público

Apesar da grande divergência doutrinária no que toca à teoria dos atos administrativos, pode-se afirmar que são formados basicamente por cinco elementos: agente competente, objeto, forma, motivo e finalidade. Sem a conjugação de todos esses elementos, o ato administrativo encontra-se eivado de vício, o que acarreta a sua invalidade.

O motivo, elencado por Mello (2012) como pressuposto objetivo de validade do ato administrativo, pode ser definido como “as circunstâncias de fato e os elementos de direito que provocam e precedem a edição do ato administrativo” (MEDAUAR, 2011, p. 146)

Carvalho Filho (2009) destaca que o motivo de direito é a situação eleita pela norma como provocadora do ato administrativo, enquanto o motivo de fato é a própria situação ocorrida no mundo, sem que a norma a tenha previsto. Com tal esclarecimento, explica a diferenciação entre os atos vinculados e discricionários, deixando claro que em ambos os casos o elemento motivo é obrigatório:

Se a situação de fato já está delineada na norma legal, ao agente nada mais cabe senão praticar o ato tão logo ela seja configurada. Atua ele como executor da lei em virtude do princípio da legalidade que norteia a Administração. Caracteriza-se, desse modo, a produção de ato vinculado por haver estreita vinculação do agente à lei. Diversa é a hipótese quando a lei não delineia a situação fática, mas, ao contrário, transfere ao agente a verificação de sua ocorrência atendendo a critérios de caráter administrativo (conveniência e oportunidade). Nesse caso é o próprio agente que elege a situação fática geradora da vontade, permitindo, assim, maior liberdade de atuação, embora sem afastamento dos princípios administrativos. Desvinculado o agente de qualquer situação de fato prevista na lei, sua atividade reveste-se de discricionariedade, redundando na prática de ato discricionário. (CARVALHO FILHO, 2009, p. 108)

Já a motivação nada mais é do que a exposição dos motivos que deram origem ao ato administrativo, a fundamentação na qual são enunciados a norma habilitante, os fatos em que o administrador se baseou para decidir e, muitas vezes, a correlação lógica entre os fatos ocorridos e o ato praticado. Constitui, assim, requisito de formalização do ato administrativo (MELLO, 2012).

Ainda, registre-se que a Lei nº 9784/99, que trata do processo administrativo em âmbito federal, trouxe para a Administração Pública a necessidade de observar o princípio da motivação dos atos administrativos, especialmente quando o ato administrativo negue, limite ou afete direitos ou interesses38.

Por fim, para que seja válido o ato administrativo, é necessário que seja expedido em conformidade com as exigências normativas. Assim, “a ausência de motivo ou a indicação de motivo falso invalidam o ato administrativo” (DI PIETRO, 2012, p. 217). Dessa forma, considerando-se que o ato demissionário é em realidade um ato administrativo, deverá sempre ser motivado e ter como finalidade a concretização do interesse público, regra geral para os atos administrativos, sem o que será considerado inválido.

Esse entendimento, importante ressaltar, é válido tanto para os atos administrativos vinculados quanto para os discricionários. De fato, a tese de que a motivação seria obrigatória apenas para os atos vinculados tem sido deixada de lado ao longo do tempo, como explica Medauar (2011, p. 146):

Durante muito tempo vigorou no direito administrativo a regra da não obrigatoriedade de enunciar os motivos do ato, salvo imposição explícita da norma.

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Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos,

quando:

I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; V - decidam recursos administrativos;

VI - decorram de reexame de ofício;

VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;

VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.

§ 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

§ 2º Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados.

§ 3º A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito.

A partir de meados da década de 70 essa tendência vem se invertendo, no sentido da predominância da exigência de motivação dos atos administrativos, especialmente naqueles que restringem o exercício de direitos e atividades, apliquem sanção, imponham sujeições, anulem ou revoguem uma decisão, recusem vantagem ou benefício qualificado como direito, expressem resultado de concursos públicos.

A motivação dos atos discricionários, em verdade, é ainda mais necessária, em respeito à transparência do agir estatal. Somente com a motivação se conseguirá observar se houve relação entre a justificativa do ato e a realidade fática, bem como se o motivo elencado coaduna-se com o interesse público. Assim dispõe Mello (2012, p. 406/407):

Em se tratando de atos vinculados [...], o que mais importa é haver ocorrido o

motivo perante o qual o comportamento era obrigatório, passando para segundo

plano a questão da motivação. [...]

Entretanto, se se tratar de ato praticado no exercício de competência discricionária,

salvo alguma hipótese excepcional, há de se entender que o ato não motivado está

irremissivelmente maculado de vício e deve ser fulminado por inválido, já que a Administração poderia, ao depois, ante o risco de invalidação dele, inventar algum motivo, ‘fabricar’ razões lógicas para justificá-lo e alegar que as tomou em consideração quando da prática do ato.

Assim, independentemente de se considerar o desligamento do empregado público como ato administrativo vinculado ou discricionário, conforme explicite hipótese de dispensa por justa causa ou sem justa causa, a motivação continuará sendo formalidade obrigatória para qualquer dos casos.

Ademais, um ato da Administração Pública que dispense empregados imotivadamente fere tanto o princípio da motivação quanto o da finalidade dos atos administrativos, pois apenas com a publicidade das razões que embasaram o ato demissionário é que se poderá aferir se a razão elencada pelo administrador é compatível com o interesse público. Assim explica Valle (2004, p. 447):

Resta ter em consideração a aplicação à hipótese, dos princípios regedores da Administração Pública – que como se sabe, são aplicáveis, igualmente, àquelas entidades objeto de cogitação pelo art. 173, §1º da CF – notadamente os da impessoalidade e moralidade.

A referência se faz tendo em consideração a circunstância de que o agir da Administração, por óbvio, há de ter por móvel sempre o alcance de uma finalidade pública, que tutele os interesses dos administrados. Assim, a decisão pela demissão de um empregado de uma empresa pública jamais poderá se dar graciosamente, sendo sempre de se relacionar a um elemento finalístico adequado com os objetivos da Administração.

Isso se pauta, especialmente, no entendimento de que constitui a motivação uma garantia de legalidade do ato praticado, requisito que possibilita a confrontação do ato do

administrador com o interesse público, levando-se sempre em conta que não é dono da coisa pública, mas simples gestor de interesses de toda a coletividade, verdadeira senhora de tais interesses, conforme consta na Constituição Federal (MELLO, 2012).

Por fim, em que pese o enunciado do Tribunal Superior do Trabalho pela possibilidade de dispensa imotivada dos empregados públicos, importante mencionar que tal entendimento não é uniforme na Justiça do Trabalho. De fato, há parte dos julgadores que entende ser obrigatória a aplicação dos princípios de direito administrativo aos órgãos da Administração Indireta, a exemplo dos julgados abaixo colacionados, proferidos pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 4º Região:

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. EMPREGADO DE

SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. MOTIVAÇÃO DO ATO DE DISPENSA. De acordo com entendimento dominante neste Colegiado, as

sociedades de economia mista submetem-se aos princípios previstos no art. 37 da Constituição Federal e devem motivar todos os seus atos, inclusive os referentes à dispensa de seus empregados. No presente caso, a exigência de motivação da dispensa restou atendida pela primeira reclamada. Apelo desprovido. (Acórdão do

processo 0000759-31.2011.5.04.0231 (RO), Redator: FLÁVIA LORENA PACHECO, Participam: RICARDO HOFMEISTER DE ALMEIDA MARTINS COSTA, HERBERT PAULO BECK, Data: 10/05/2012 Origem: 1ª Vara do Trabalho de Gravataí, Orgao julgador: 11º turma)

AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO NECESSÁRIA AO ATO ADMINISTRATIVO DEMISSIONÁRIO. NULIDADE. Em se tratando de empresa de economia mista,

integrante da Administração pública indireta, prestadora de serviço público, a existência de motivação constitui requisito de validade do ato administrativo de dispensa de empregado admitido mediante aprovação em concurso público.

[...]

Antes do mais, registro que revi meu posicionamento quanto à matéria, no sentido de reconhecer que, sendo a recorrente integrante da Administração Pública indireta, sujeitando-se aos princípios do Direito Administrativo, todos os seus atos devem ser motivados, revestidos de legalidade e impessoalidade e, neste sentido, também o ato de demissão partido do empregador. O trabalhador, incontroversamente, foi admitido após ter prestado concurso público. Com efeito, a motivação que se exige para validar o ato administrativo deste empregado guarda relação direta com a admissão do trabalhador, vinculada que foi à aprovação em concurso público, ao conjunto dos demais princípios que revestem a Administração Pública.

Assim como o direito de contratar está condicionado à realização de certame público, na forma do artigo 37, II, da Constituição da República, há a necessidade de motivação para a despedida, sob pena de ofensa às normas constitucionais. Cumpre assinalar que não é o caso de estabilidade no emprego, mas, sim, da necessária motivação para a despedida.

Ademais, não restaram comprovadas as situações deficitárias alegadas na defesa, de forma a justificar a extinção do contrato de trabalho sem justo motivo.

Portanto, a despedida deve ser motivada, sob pena de nulidade, pois devem ser observados os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade e eficiência (art. 37 da Constituição Federal), razão pela qual não adoto o entendimento consubstanciado na Orientação Jurisprudencial nº 247, I, da SDI-I do TST. (Acórdão do processo 0000796-09.2011.5.04.0021, Redator: RICARDO

HOFMEISTER DE ALMEIDA MARTINS COSTA, Participam: JOÃO

ALFREDO BORGES ANTUNES DE MIRANDA, FERNANDO LUIZ DE MOURA CASSAL, Data: 13/12/2011 Origem: 21ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, Orgao julgador: 9º turma)

Do exposto, considerando-se a natureza jurídica do ato que dispensa empregado público, é mister que seja motivado, sob pena de sua invalidação. Ademais, vale considerar que, a partir do momento em que é dispensado, ao empregado público é retirado o seu direito ao emprego público, que conquistou mediante aprovação em concurso público, relação que será mais bem esclarecida no tópico seguinte.